Meus pais não me ensinaram muitas coisas boas. Mesmo assim, tenho pena, pensando
em tudo que passaram com a publicação de Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída…
São meus pais, sempre serão, e não os exporia mais daquela maneira diante de todo mundo.
Hoje em dia tomo muito cuidado com as palavras que utilizo quando falo deles. Não é fácil, já
que não quero também deformar a verdade.
Boa parte do que me aconteceu e do que sou hoje vem da minha infância. Inclusive
coisas boas: se foi tão importante para mim que meu filho e eu nos alimentássemos bem ou
também que ele aprendesse a ser organizado foi por ter sentido falta disso quando era
criança.
Anette e eu, na época em que íamos à escola, nos revezávamos para preparar o café da
manhã e passear um pouco com o cachorro. Meus pais não faziam isso. Por exemplo, nunca
levaram meu dogue Ajax ao veterinário. Muitas vezes, para que comesse, jogavam apenas
carne crua: fígado, rim, vísceras… Coisas que estavam por ali há dias, e o cachorro nem era
tratado com vermífugo.
Lembro-me ainda de algo que aconteceu logo que nos mudamos para o grande
apartamento do conjunto Gropius e minha mãe retomou o emprego de secretária. No terceiro
dia, ela desmoronou e se desmanchou em lágrimas. Uma verdadeira crise de nervos: — Deus
do céu, não aguento mais! Vejam só isso. O que andaram fazendo? — gritou, como se
tivéssemos posto fogo na casa.
— O que fizemos? Brincamos!
Nada demais, o que fazem todas as crianças.
Alguma sujeira, alguma bagunça. Minha irmã tinha 7 anos, e eu, 8.
Pouco tempo depois, conhecemos Gundula Köstner, de 12 anos. Morava no terceiro
andar e tinha duas irmãs, Anne e Victoria. As três
meninas cuidaram muito de nós, principalmente quando meu avô morreu.
Quando isso aconteceu, meus pais nos deixaram sozinhas em casa. A família da minha
mãe morava na região de Hesse, e Anette e eu tínhamos que ir de manhã sozinhas à escola.
À tarde, quando voltávamos, as filhas dos vizinhos tomavam conta de nós — isso quando
podiam. Dá para imaginar? Em qual tipo de família algo assim acontece?
Éramos completamente abandonadas. As meninas é que nos ensinaram também como
cuidar da casa.
Como regar as plantas, descer com o cachorro, lavar a louça. E havia também os pombos-
correio que meu pai criava na varanda. Uns vinte ou trinta que faziam uma sujeirada danada.
Era muita responsabilidade para nós.
Agora, já há vários anos, meu pai vive na Tailândia. Conheceu Phillip quando veio com a
mulher tailandesa e a filha morar em Berlim.
Nessa época trabalhou como motorista de táxi por algum tempo. Mas depois voltou para
lá com o dinheiro da aposentadoria.
Provavelmente quem não tem muito dinheiro vive melhor na Ásia do que na Alemanha.
Não sei quantos irmãos e irmãs tenho por parte de pai. Acho que três. Conheço uma
meia-irmã semitailandesa que deve estar perto dos 30 anos agora. Se nada mudou desde a
última vez que nos vimos, deve viver do seguro-desemprego, como todos, ou quase, da minha
família. Mora em Berlim. Meu pai, que não quer mais ouvir falar de mim, proibiu qualquer
relação comigo. Mesmo assim, há pouco tempo, fui à casa dela no dia de ano-novo e deixei na
caixa de correio meu número de telefone num pedaço de papel. Ela não ligou.
Meu pai era alcoólatra e violento, mas também era muito protetor. Ninguém podia tocar
num fio de cabelo meu. Nem a polícia podia se meter a me prender, como o tal doutor
Brecht, da delegacia de entorpecentes, descobriu por conta própria. Quando éramos crianças,
um dos nossos vizinhos do conjunto Gropius também passou por isso. O sujeito disse alguma
coisa desagradável a Anette e a mim na entrada do edifício. Meu pai estava comendo quando
contamos o ocorrido. Ele jogou o garfo para cima e tudo mais: — Cadê a chave? Onde está o
cara?
O homem, com seus 45 anos, barrigudo e desempregado, morava dois andares abaixo de
nós. Papai foi diretamente até lá, tocou a campainha e deu-lhe um soco no nariz. A partir daí,
o sujeito tomava todo cuidado para nem passar perto de nós.
Mas tinha ainda outras qualidades. Todas as minhas colegas de escola eram apaixonadas
por ele. Era charmoso, inteligente e sabia exatamente o que queria. O que significa também
que quem não obedecia corria riscos.
Inclusive eu. Fazia projetos ambiciosos que sempre fracassavam e provavelmente me
considerava meio responsável por isso.
Ele tentou abrir uma agência de casamentos em Berlim, com fotos que seriam enviadas
às pessoas, perfis personalizados e tudo mais. De maneira geral, era uma boa ideia, mas, por
uma falta de sorte, lá pela metade dos anos 1960 era avançada demais. Hoje em dia muita
gente utiliza esse tipo de coisa, mas na época era ousado. Não deu certo. Foi preciso deixar o
apartamento de cinco cômodos, que dava diretamente para a margem Paul-Lincke do canal e
que custava 500 marcos, uma fortuna para nós.
Quanto mais os projetos iam por água abaixo, mais ele ficava violento nas suas crises
raivosas. Tinha só 25 anos, era um garoto, e seus sonhos explodiam no ar, um depois do
outro. Acho que o meu nascimento o forçou a deixar de lado seus sonhos e necessidades, e
por isso fui tão maltratada. Não posso reclamar. Era tão vítima quanto nós.
Minha mãe é que ganhava o sustento da família, trabalhando como secretária na editora
Springer. E ele bebia boa parte desse dinheiro ou gastava com seu ridículo Fusca que o
ajudava a manter as aparências. Não era fácil para um homem ver que sua mulher que
garantia as necessidades da família.
As demonstrações de força e os castigos eram a única maneira que sobrava para se sentir
respeitado. E pode-se dizer que sabia como humilhar os outros. Quando minha mãe ganhou
uns quilos por estar grávida, ele começou a chamá-la de “leitoa”. Por causa disso, ela começou
a acreditar que não merecia ser amada e aquilo me marcou enormemente.
Desde então, detesto quem critica o físico dos outros, fico louca com isso. As pessoas não
devem ser tratadas dessa maneira, machuca muito. Provavelmente por isso tomo tanto
cuidado com a silhueta. Quando era mais jovem cheguei a ser literalmente esquelética.
Muitas vezes fiquei sem comer por dias, só bebendo. Podia aguentar qualquer coisa,
menos ser gorda, pois desde pequena me diziam que ser gordo era horrível.
Meu pai sabia também decepcionar as crianças. Não economizava gastos consigo mesmo,
mas já era muito, para nós, ganhar um suéter quente de presente de Natal. Meu maior sonho
era um pequeno bote inflável. Sem nada de extraordinário, só o bote e dois remos.
Devia custar uns 50 marcos.
— Claro, vou comprar — dizia ele antes da Páscoa.
Nada.
— No seu aniversário — prometia.
Mas nasci no dia 20 de maio.
— De qualquer maneira, antes disso não faz calor e não vai poder usá-lo.
Mas até o Natal seguinte nada acontecia.
— Não tem problema, só vai poder aproveitar mesmo quando for verão.
A gente acabava desistindo de pedir, apesar de continuar sonhando secretamente que
papai não tivesse esquecido.
Não vou dizer que tinha razão, mas eu compreendia, mesmo assim. E como muitas
mulheres, sempre procurei homens que se parecessem com meu pai. Que fossem
dominadores, mas com tantos problemas pessoais que precisassem me rebaixar para se sentir
melhor. Todos os homens que conheci tinham menos dinheiro do que eu, como era o caso
entre os meus pais. E todos eram mais ou menos como ele, provocando um misto de medo e
atração, com uma arrogância implacável e um idealismo desesperado.
Sempre caí nessa
— esperando inconscientemente, quem sabe, dessa vez não me sentir tão impotente
quanto diante do meu pai, dessa vez não me decepcionar e finalmente ganhar meu bote
inflável. Mas foi sempre como antes, só dor e frustração.
Minha irmã, aos 16 anos, passou a viver nos squats* de Kreuzberg. Nos anos 1970 e 1980,
centenas de adolescentes e jovens adultos, sobretudo os de esquerda, decidiram ocupar
prédios vazios que seriam demolidos, em reação à política de renovação praticada pelo
Senado e à penúria de moradia.
Quando a polícia tentou evacuá-los, combates de rua estouraram, durando às vezes
vários dias. Muitos dos invasores eram politicamente independentes, vindos da extrema
esquerda ou do anarquismo.
Primeiro se uniram para resistir contra os políticos e a polícia. Em seguida, porém,
vieram também conflitos entre os squatters: o que fazer com o espaço de habitação pelo qual
tinham lutado juntos? Quem concordava em investir algum dinheiro na moradia? Quanto?
Muitos dos que vinham de famílias burguesas voltaram às suas vidas anteriores. Outros
se instalaram de vez nos squats.
Frequentemente saíam no tapa. No meio disso tudo, estava minha irmã, que não
suportava o menor estresse. Por causa das brigas generalizadas, estava com os nervos à flor
da pele, mas também não queria ir embora, pois não tinha para onde ir. Mas acabou
encontrando um lugar em que se sentia em casa.
A área ocupada em Waldemerstraße tinha centenas de metros quadrados. Havia um
edifício principal, onde hoje em dia moram turcos, e duas alas com um depósito que servia de
abrigo para ferramentas e toneladas de comida, como queijos e charcutaria. Mesmo dentro do
prédio tinha-se a impressão de estar ao ar livre. Plantas cresciam por todo lugar em grandes
bacias, os cômodos eram imensos e havia uma escada caracol levando ao segundo andar.
Embaixo ficavam a sala de estar e a cozinha. Em cima, quartos individuais, dormitórios e
banheiro. A maior parte dos lugares de dormir tinha como divisória apenas panos estampados
bem finos.
Anette morou ali uns dez anos com o companheiro e a filha. Quer dizer, mais ou menos
isso, pois no fundo era uma espécie de vida comunitária em que as pessoas defendiam um
ideal de amor livre. Depois de se separar do cara, continuou a viver sob o mesmo teto que ele,
sua nova mulher e os filhos deles por quase dois anos. Fez isso por amor à filha. Depois, o
cara foi para a Itália, onde administra uma criação de gado orgânico, que funciona muito bem.
A filha de Anette também acabou indo embora. Estuda Letras. Herdou da mãe o gosto
pelas línguas. Deve ter hoje mais ou menos 30 anos, a mesma idade que minha meia-irmã da
Tailândia. Tem também algo de exótico: o nome. É um magnífico nome indiano que não vou
dizer, pois é a única em toda a Alemanha a se chamar assim. Deixa claro que nasceu ao
amanhecer e que minha irmã viveu plenamente a época hippie.
Quando eu era adolescente e morava em Hamburgo, recebi um dia uma carta da minha
irmã, em que dizia que havia começado a circular heroína entre os seus amigos. Eram hippies
como os que Panagiotis havia conhecido e tinham também ido à Índia com o Magic Bus,
ocultando ópio puro em bolotas de cera que engoliam. É menos nojento do que engolir
camisinhas de vênus, como também fazem. De qualquer forma, as pessoas não estão nem aí
para saber como a droga que as interessa chegou a Berlim: o principal é que ela esteja ali.
Muitas moças em seguida se prostituíram em pequenos bordéis imundos da cidade para
comprar a droga. Isso porque não recebiam percentual da vendagem de um livro, como eu.
Exibiam-se vestidas de qualquer jeito atrás de vitrines, tendo que se remexer sem cair
dos sapatos de salto agulha, apesar de completamente dopadas. Os proxenetas pouco se
importavam que mal se aguentassem de pé, contanto que dessem o dinheiro. E elas, por sua
vez, faziam qualquer coisa para conseguir.
Conosco, na estação do Zoo, era diferente.
Eu não precisava ter relações sexuais nem fazer sexo oral se não quisesse. Às vezes só
ficava ali e os caras se masturbavam sozinhos, dando 25 ou 30 marcos em troca. Mais tarde,
nos anos 1980, é que a coisa mudou, sobretudo por causa dos proxenetas.
No mundo dos squatters, a heroína não circulava tanto. Mas minha irmã estava a par do
que acontecia no reduto da droga com as prostitutas e os drogados. Não tenho ideia do que
fazia por lá. Alguns anos depois ela se afastou daquela gente. Acho que no início da década de
1990. E desde então leva sua vidinha no seu canto.
Não abre a porta se não estiver esperando alguém. Nem a mim, se batesse sem ter
avisado, ela abriria. Detesta, ainda mais do que eu, ser incomodada caso não esteja disposta.
Por isso diz a todo mundo: “Se quiser passar, telefone antes! E, se eu não atender, é porque
não estou a fim!”
Por vários anos fui visitá-la algumas vezes por semana. Mas agora faz mais de dois anos
que não a vejo. Na época, dei a ela um celular.
Ela nunca atendia o telefone fixo, com medo de que fosse uma ligação de gente com
quem não queria falar — polícia ou alguém do reduto. Ou uma prostituta. Ou nossa mãe.
Com o celular, sabe quem está ligando, por isso lhe dei um. E depois expliquei como
funciona: o que é um cartão SIM, como colocá-lo e como gravar os números. No dia seguinte,
recebi sua primeira mensagem: “É o meu primeiro SMS”. Com o desenho de uma carinha no
fim!
Anette, na verdade, queria ser intérprete. É muito boa em línguas, fala correntemente
francês, inglês e também um pouco de português. Mas por absoluta falta de confiança,
quando era jovem, seguiu um curso de assistente em veterinária que, infelizmente,
abandonou em seis meses.
Assim que sua instrutora, uma mulher corpulenta e imponente, a sacudia um pouco por
alguma emergência ou por esperar que fosse mais decidida e segura, Anette só tinha vontade
de chorar. Não aguentava que lhe dissessem o que fazer, sobretudo se fosse num tom seco.
Eram coisas que lembravam demais os momentos difíceis com meu pai.
Das últimas vezes que enviei SMS para ir vê-la, não tive resposta. É mais esperta do que
eu e fica quieta no seu canto quando não está bem.
Não tem mais relação alguma com minha mãe há quase trinta anos. Na época, nossa mãe
acabara de conhecer Gustav.
Gustav apareceu quando tínhamos cerca de 20 anos. Dirigia, em Moabit, uma firma de
limpeza em que minha mãe foi trabalhar como estenodatilógrafa. Todas as secretárias ali
giravam em torno do chefe. Eram cinco ao todo e não havia uma que não se interessasse por
Gustav, que entrara na empresa em 1963 como estagiário e acabou se tornando o braço
direito do dono. Com o desenvolvimento da economia terciária, o negócio cresceu. Como o
dono não tinha filhos, Gustav herdou a empresa.
Diga-se também que é um homem com muito charme e poder de sedução. Minha mãe
falava sempre, com os olhos brilhando, de como ele escondeu flores na gaveta dela. Foi como
começou o namoro entre os dois. Ter um caso com o chefe não é algo que eu faria, e muita
gente no escritório não gostou disso.
Ela passou por poucas e boas, pois todo mundo sabia que era amante do chefe. Os dois
tinham cerca de 40 anos e, aparentemente, a história entre eles valia a pena: construíram
juntos uma casa em Stahnsdorf. Gustav e minha mãe eram novos-ricos e comiam com todos
os seus bichos de estimação à mesa.
De qualquer forma, ela mantinha uma boa relação com Klaus, seu ex, que inclusive
ajudou Gustav a construir uma sauna na casa de Stahnsdorf. Minha mãe sabe como lidar com
os homens!
E há também Sebastian, o pai de Phillip.
Ainda nos falamos, sobretudo por causa do nosso filho, é claro. Phillip o vê regularmente.
De vez em quando fazem uma pequena viagem juntos ao sul da Alemanha, por exemplo,
onde moram os pais de Sebastian. E pescam também.
No Brandeburgo, por 12 euros, podem pescar peixes brancos. É um tipo de peixe que não
ataca os outros e se alimenta com larvas de insetos, lesmas e plâncton (ao contrário do lúcio e
do zander, por exemplo). As carpas e os barbos estão entre os peixes brancos. Como os
arenques e outros peixinhos de água doce.
Phillip comprou com seu próprio dinheiro o material de pesca. Passava horas com o pai,
sentado à beira do lago, e à noite o resultado acabava aterrissando na minha frigideira. Por
outro lado, a geladeira estava sempre cheia de milho e de minhocas, que serviriam de isca
para os peixes brancos. Um dia, fisgaram uma carpa gigante, tão grande que precisaram unir
forças para puxá-la. Tinha quase a mesma largura que o comprimento, entre 40 e
50 centímetros e 3 ou 4 quilos. Já fora da água, o bicho se sacudia com tanta força no chão
que me apavorei:
— Façam alguma coisa, não está morto!
Fica abrindo a boca e olhando para mim!
Phillip e o pai evidentemente morreram de rir com meu pânico.
Nos primeiros anos, sempre festejávamos juntos Natal e aniversários, mesmo quando
Sebastian já estava com alguma namorada há algum tempo. Não chegávamos a ser uma
família de verdade, como as que se veem, porque Sebastian não estava o tempo todo presente,
mas algo nos conecta. E os pais dele sempre se preocuparam conosco. Não ouço mais falar
dos meus próprios pais há anos, mas os de Sebastian regularmente nos mandam, a Phillip e a
mim, pacotes com fotos da família, poemas e guloseimas. Sou muito grata a eles.
Em 2005, Sebastian deixou uma gripe se arrastar por algum tempo. Tinha apenas
30 anos e acabara de terminar um aprendizado de design gráfico, passando a trabalhar numa
pequena empresa alemã em ascensão e se mudando para um apartamento próprio em
Friedrichshain. Mantinha-se desintoxicado, mas trabalhava enormemente durante a semana
e se esbaldava nos sábados e domingos. Não sei se nessas ocasiões usava alguns estimulantes
e, se fosse o caso, quais. De qualquer forma, não se cuidou, a gripe se tornou pneumonia e
virou uma embolia pulmonar. Quando começou a doer muito, procurou um hospital, mas
resolveu não se internar, em princípio por causa de um estágio que queria muito fazer.
Prometeu voltar ao hospital assim que terminasse a tal formação, que era de três dias.
Mas o corpo não aguentou e logo no dia seguinte veio uma crise e ele foi posto em coma
induzido pelos médicos, pois seu estado se tornara crítico. Ficou três meses internado. A mãe
dele, uma mulher adorável de cabelos louros e curtos, além de um sorriso encantador, ficou
no apartamento com a nova namorada do filho, que por acaso era enfermeira e lutou para
mantê-lo vivo. Revezávamo-nos para ficar com ele no hospital e tomar conta de Phillip. Não o
levava comigo, pois tinha somente 9 anos e não era bom que visse o pai naquele estado, com
um monte de aparelhos em volta. Presenciar uma cena dessas marca a vida de qualquer
criança. Só no dia 31 de dezembro deixamos que desse um rápido telefonema ao pai.
Sebastian precisou da cânula traqueal para falar.
Depois de ser tirado do coma pelos médicos, ele ainda foi operado por causa de um
abcesso que se formara nos pulmões. Para a retirada, foi preciso extrair três costelas e, depois
disso, nada mais protegia seu coração.
Levou uma eternidade até que pudesse se colocar mais ou menos de pé. E, no momento
em que finalmente foi para casa, autorizado a ficar sozinho e andar um pouco, foi atropelado
por um ônibus e novamente ficou entre a vida e a morte.
Temíamos que algo assim pudesse acontecer, pois Sebastian é dessas pessoas que leem
andando na rua. Nem sei quantas vezes já teve a vida salva no último segundo, no momento
em que um carro ou um desses ciclistas loucos — como há centenas de milhares em Berlim —
passava bem debaixo do seu nariz. E pronto! Foi o que aconteceu em 2006, um ano depois da
gripe que havia degenerado.
Com a pancada, as costelas que restavam foram esmigalhadas.
Houve hemorragias internas. O ônibus o pegou em cheio na Alexanderplatz. Depois do
acidente, ele teve que se tratar com opiáceos e, é claro, voltou a mergulhar no vício.
Com todas essas coisas, ficou sem poder trabalhar por um bom tempo, e a relação com a
namorada infelizmente também não se aguentou. Mas o apartamento em que ele mora é
realmente bonito. É desses com que muita gente sonha, com piso antigo, estuques e tudo
mais. Várias vezes por ano Phillip vai passar um fim de semana lá. Às vezes partem também
por alguns dias em viagem. Sebastian está agora com 40 anos e faz o que pode para se safar.
Nunca conseguiu realmente se recuperar, tanto profissionalmente quanto com relação à
saúde.
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Eu, Christiane F., A vida apesar de tudo
Non-Fiction13 ANOS, DROGADA, PROSTITUíDA. MAS E DEPOIS, O QUE ACONTECEU? A história de Christiane F. deu a volta ao mundo. Milhões de pessoas cresceram com as confissões dilacerantes da adolescente alemã de 13 anos, drogada, prostituída. Mas e depois disso, o...