5 - PLÖTZENSEE, PRISÃO FEMININA

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Setembro de 1985. A polícia de Berlim me flagrou com cinco gramas de heroína e me
prendeu. Aparentemente a casa do traficante estava sendo vigiada. O fato é que fui pega logo
depois. É incrível como os caras sabem jogar você no chão. Muito brutos. Ainda mais se
levarmos em consideração que a maior parte dos junkies é só pele e osso.
Para que tanta brutalidade? Comigo nem exageraram tanto, por ser mulher e saber me
defender. Mas fico louca vendo como tratam os viciados.
O que também é horrível são as celas de detenção provisória. Em alemão se abrevia como
“GeSa”. São miseráveis, ladrilhos velhos e mofados, camas de madeira suspensas por
correntes de ferro na parede. Um fedor tremendo de gente que não se lava. Ninguém merece
o inferno da GeSa. Você entra e jogam no piso seu colchão e uma coberta de cavalo que não se
sabe quando foi lavada pela última vez.
No fundo da cela tem poças, porque nem todo mundo tem vontade ou disciplina para
mijar numa vasilha. Então fede também a mijo.
Tentei me abstrair de tudo isso e esperei o interrogatório.
O chefão da brigada de antitóxicos se chamava dr. Brecht. Já havia esbarrado no meu pai
na primeira vez que me prendera e interrogara. Eu tinha 13 anos e não podia ser questionada
diretamente, já que era menor. Um responsável legal precisava estar presente. Tinha sido
presa em plena noite, na rua. Estava com LSD e haxixe, então me fizeram urinar num vidro.
Na época, um exame positivo bastava para que te levassem em cana. Então me carregaram, se
dizendo: ótimo! A menina vai se entregar.
Encheram-me de chocolate e de doce, como se também fossem do meio. Deram a
impressão de saber exatamente como as coisas se passavam. Depois tiraram um fichário
grande de dentro de uma gaveta velha e mostraram algumas fotos. Na época, eu ainda
buscava afirmação, mas estava muito assustada e, é claro, entreguei tudo que queriam.
Mas, de repente, meu pai entrou. Não cumprimentou nem coisa alguma. Só disse que ia
me levar e que nada que eu dissera tinha valor. E estava certo, tudo foi apagado. De qualquer
maneira, ainda sou muito grata pelo que fez. Nem esperou que dessem permissão e foi
entrando.
Dez anos depois, estava na mesma sala da brigada de antitóxicos e não tinha mais
ninguém para vir me buscar. Mas nesse espaço de tempo, havia aprendido a maquiar a
verdade a meu favor. Expliquei então à polícia que não tinha intenção de vender, havia
assaltado um esconderijo para meu uso pessoal. Tinha visto dois árabes no parque de
Hasenheide e entrei no depósito deles quando se foram.
Era algo que de fato eu já fizera, mas, naquele momento, não era verdade. Esperava ser
acusada por porte de drogas e não por tráfico. Porém, meu advogado cometeu um erro.
Deveria saber que quem me vendera a droga já estava ali para testemunhar contra mim.
Tive então que passar pelo tribunal e fui mandada de volta à cela nojenta da GeSa, na
Gothaerstraβe. Na manhã do dia seguinte, Brecht chegou, entrou na cela e disse: — E aí,
Christiane, como vai o seu pai, aquele cabeça-dura?

Nunca vou esquecer. Em seguida, se agachou ao lado do meu colchão e disse: — E o que
vai fazer agora, Christiane?
Direto pra cadeia, é o vai acontecer.
— Que seja, se é o que quer.
— Já era tempo. Senão nunca vai aprender.
Pequenos delinquentes como você sempre imaginam que são durões. Mas na prisão a
realidade é outra, querida.
Não respondi. O processo foi rápido, é claro: não era o primeiro naquele ano. No mês de
maio tinha sido flagrada com droga e condenada a pagar uma multa de 3 mil marcos.
De novo na mesma situação, eu me perguntava: “Droga, por que não vão atrás de
criminosos de verdade? Já é a segunda vez aqui e sou apenas uma viciada. Que idiotice!’’
E foi assim que cheguei ao tribunal. Estava vestida como se fosse a sexta integrante dos
Rolling Stones ou a noiva do roqueiro, com meu jeans rasgado e um casaco de couro branco
com franjas. Entendo hoje que meu visual não ajudava muito. Com a cara que eu tinha, é
claro que não podiam deixar de me trancar numa cela.
O veredito veio em poucas horas. Quando ouvi o juiz dizer que estava condenada a um
ano de prisão, afundei no banco sem nem esperar que os outros se sentassem. Pensava: “Puta
merda, mas que coisa! Meu vício não faz mal a ninguém, só a mim mesma. Puta merda, que
diabo estão querendo?”
Mas, em seguida, o juiz propôs uma alternativa. Pelo menos isso. Eu podia fazer uma
terapia. Mas não gosto de ser chantageada: prisão ou terapia? Comigo isso não funciona
assim. Então fui para a prisão e ponto final.
Quando soube de tudo, Anna pirou. Eu nunca tinha vivido algo assim: na mesma hora ela
pegou um avião e chegou da Suíça como louca. Enquanto isso, fui transferida para a prisão de
Moabit. Ela foi me visitar e prometeu que me tiraria dali. E de fato, dois dias depois, os
guardas me chamaram e fui solta.
Anna tinha conseguido comprar minha liberdade por 15 mil francos suíços —
responsabilizando-se por mim e me fazendo seguir uma terapia em Zurique até o início
oficial da detenção. Três meses depois, em 2 de janeiro de 1986, voltei à prisão. Durante esse
período, estava proibida de ir a Berlim.
Anna então me levou para casa. E acreditou nas mentiras que contei, dizendo que as
acusações da polícia eram falsas. Como ninguém me controlava tanto assim, rapidamente fiz
meu amigo Greg ir para lá e nos picamos o tempo todo. E obviamente não fiz terapia
nenhuma.
Quando fui me entregar à polícia, em janeiro de 1986, me esperavam na saída do avião.
Absolutamente desnecessário! Fiquei superenvergonhada, com todos os passageiros vendo.
Foi muito desagradável.
— Pra que isso? Estava indo me entregar!
— reclamei.
Era 1o de janeiro e eu estava chegando um dia mais cedo para poder passar no meu

apartamento.
Tinha algumas malas na casa dos Keel e, como não sabia o que ia acontecer depois da
prisão, estava carregando tudo. Mas não me algemaram, só reviraram minha bagagem.
Entre outras coisas, descobriram uma caixa de sex toys. Greg e eu tínhamos alguns
consolos e algemas. Foi constrangedor. Para piorar as coisas, estava menstruada. Fui
transportada algemada, voltei à GeSa, Gothaerstraβe e, mais uma vez, à salinha nojenta
daquele mesmo dr. Brecht com sua perversa gentileza. Em primeiro lugar, revista geral:
tiraram tudo!
Como disse, estava menstruada e, como não me adapto com absorvente interno, usava
externo.
Apesar disso, tive que ficar completamente nua e me agachar. Você é obrigada a se
agachar, afastar as pernas e tossir. É como verificam se não tem algo escondido na vagina. As
policiais insistiam:
— Tussa mais uma vez.
— Estão querendo que eu deixe uma poça de sangue no chão?
— Tussa mais uma vez, por favor!
— Chega! Isso é o quê? Não vou dar a vocês o prazer de ainda me ver lavar a sujeira.
E vesti minha calça. Uma das funcionárias riu. Não tinha parado, durante toda essa cena,
de comer um sanduíche de patê.
Voltei para a cela nojenta da GeSa, esperando ser transferida. E o que aconteceu?
O motorista do camburão era o pai de uma colega de escola da minha irmã. No passado,
proibia que eu chegasse perto da filha, achando que podia ser má influência. E foi logo quem
me levou para a prisão.
O reconhecimento foi imediato: aos 23 anos eu tinha a mesma cara que aos 15. Mas não
nos cumprimentamos e fomos em silêncio por todo o caminho.
Em Plötzensee, não fui tão má. Não gosto de dar ordens, castigar, xingar e bater. Não
como a Tollkühn. O nome já diz tudo: em alemão significa mais ou menos “temerária”.
Era o diabo em pessoa, como se lê nos livros.
Anna Tollkühn. Grande, morena, compacta.
Machona, traços do rosto muito duros, pés enormes e cabelos encrespados que ela
raspava de forma diferente a cada vez que voltava para a cadeia. E a cada vez aprendia uma
língua nova, a começar pelo inglês e o espanhol. Era tão agressiva que a faziam entrar na cela
antes de todo mundo. Daquela vez, estava aprendendo russo. Vivia tão tensa que tinha
sempre os ombros retraídos, preparados para o ataque.
Com frequência era presa por droga, agressão, homicídio voluntário e violência seguida
de morte. Mesmo depois de sair da prisão, continuei por muito tempo com medo dela. Se por
acaso a visse em Berlim, em qualquer lugar que fosse, saía de perto para que não viesse falar
comigo. Com ela, resposta nenhuma era boa o bastante. No refeitório, a mesa número um era
da Tollkühn e suas capangas, uma dúzia de mulheres do mesmo tipo. Faziam reinar o terror
na prisão inteira.

A mesa número dois era a mais interessante.
Juntavam-se ali as mais bonitas traficantes, receptadoras, prostitutas etc., das quais as
chefonas esperavam algo: droga, tabaco, contato ou qualquer outra coisa.
Quem fosse obrigada a sentar na mesa três era a idiota de plantão. Era melhor nem sair
da cela, ou estaria indo à enfermaria com mais frequência do que gostaria. Tollkühn e
companhia não saíam do pé de quem se sentava ali. Não tinham limites, podiam esconder
cacos de vidro na sua comida ou lhe enfiar uma faca.
E não paravam de dar ordens, castigando com brutalidade qualquer desobediência.
Mas bem mais sutil era a violência psicológica. Mantinham o terror, ameaçavam
seus filhos, seus homens, sua saúde.
Provocavam vexames, humilhavam, iam te destruindo até que aceitasse fazer o que
esperavam. Servir as chefas era questão de sobrevivência. Ou então era melhor que se
matasse logo.
Entendi no primeiro dia qual era o meu lugar.
Entre as detentas, antes mesmo que eu pusesse o pé na prisão, já circulava o zum-zum-
zum de que Christiane F. tinha sido presa. Não sei se era inveja ou se achavam que eu era
perigosa. Minha chegada, em todo caso, representou uma ameaça para muitas. Por isso
quiseram pôr as coisas às claras logo no primeiro dia, para que eu entendesse quem mandava
ali. Enviaram no meu encontro uma grávida armada com uma pá. Era sórdido: de um lado,
você não quer levar porrada, de outro, nada pode fazer para se defender sem pôr em risco a
vida do bebê.
Eu acabava de sair da cela de isolamento.
Em qualquer prisão começa-se pelo isolamento e pelo exame médico na enfermaria, para
verificação de doenças contagiosas.
Automaticamente são feitos testes de HIV e radiografia dos pulmões, para checar se a
pessoa não é tuberculosa.
Eu gozava de plena saúde e estava preparando um chá naquele lugar em que ia passar
dez meses da minha vida. Bem ao lado da entrada de cada corredor, havia uma pequena
cozinha com dois fornos e oito placas elétricas de fogão, que podiam ser usados à tarde, até o
anoitecer. Havia também geladeiras em que cada uma tinha sua gaveta para os próprios
alimentos.
Era fim do dia e eu fervia minhas folhas de hortelã. De repente, ouvi um barulho atrás de
mim e uma voz com sotaque russo: — Mas o que é isso agora?
Uma mulherzinha de cara achatada, com pelos escuros no rosto, com um aspecto
realmente ruim.
Achei que devia estar voltando de alguma atividade de trabalho na prisão, pois tinha uma
pá numa mão e uma vassoura na outra. Toda suada e os cabelos louros, mas não tão claros,
estavam grudentos de gordura. Tive vontade de rir com aquela calça bege que vestia, parecia
um saco. Tinha o nariz achatado e o corpo extremamente atarracado, mas rapidamente
percebi que ela não estava ali para brincadeira e não tinha o menor senso de humor.

Mesmo assim, não quis ser indelicada e deixei minha xícara e a chaleira, me aproximei e
estendi a mão direita.
— Sou Christiane — quis me apresentar.
Mas bruscamente me dei conta de que ela sabia: jogou a vassoura no chão e ergueu a pá
de forma ameaçadora. Eu estava ainda fora de alcance. O metal bateu com violência na
parede, à esquerda da porta. Vidro blindado, superforte. Não se via o menor estilhaço, mas a
pá teria feito mingau da minha cabeça se a tivesse acertado.
— Olga está grávida.
Era uma voz de mulher, que descobri depois ser Tollkühn. Não sabia o que tinham contra
mim, não tive a menor oportunidade de pensar nisto e menos ainda de compreender.
Olga era da Bielorrússia, estava presa por delito de droga, agravado por agressão. Quando
deu o segundo golpe com a pá, me esquivei. Na terceira tentativa ela lançou a arma: mal tive
tempo de sair da frente e o objeto passou por cima da minha cabeça, batendo nas prateleiras
da cozinha. Fez um estrondo enorme, com panelas e copos caindo no chão de cimento duro.
Os guardas finalmente chegaram, por causa do barulho.
— Estávamos só arrumando as coisas — disse Olga, erguendo as mãos com ar inocente.
E foi embora.
Só então notei que tinha um bom arranhão na têmpora esquerda, mas era tudo.
Evidentemente contei aos guardas o que havia acontecido. O que podiam fazer? Prender
Olga?
O prédio que dá para o Friedrich-Olbricht-Damm se chama hoje JVA Charlottenburg e é
uma prisão masculina. A administração judiciária e as presas tinham se mudado para
aquele local um ano antes do meu encarceramento, que ocorreu em janeiro de 1986, e
passaram da Lehrter Straβe para aquela que se dizia “a mais moderna e segura instituição
carcerária feminina da Europa”. Foi construída porque a prisão da Lehrter Straβe estava
caindo aos pedaços. Além disso, muitas terroristas importantes tinham escapado do antigo
presídio lá pela metade dos anos 1970 e por isso a nova construção, no meio de um imenso
terreno de 40 mil metros quadrados no Friedrich-Olbricht-Damm.
A prisão era protegida por um muro de 5 metros de altura, com cinco postos de vigilância
em que ficavam policiais armados, com ampla visão geral.
Estava fora de cogitação fugir, nem Tollkühn conseguiria. Tinha capacidade para
trezentas prisioneiras, mas a metade dos leitos estava sempre vazia. Eu dispunha de uma cela
individual. Melhor assim, pois não queria me misturar, e sim ter um pouco de paz.
Mas não é tão fácil assim ter paz numa prisão, é preciso pagar por isso. E só consegui em
troca de alguns gramas de heroína.
Uma amiga havia passado 50 gramas para dentro da prisão. A polícia conseguia tomar
um avião das mãos de terroristas, mas não era capaz de revistar direito uma traficante
conhecida. “Por favor, tussa!”, como exigiam naquela merda de GeSa não servia para nada se
você tivesse pacotes inteiros dentro da barriga.
O amadorismo dos encarregados da prisão dessa amiga foi a minha sorte.

Cinquenta gramas é mais do que a ração mensal de um junkie hard-core. Mas atrás das
grades você não pode estar desarvorado o tempo todo ou vão perceber logo. Por isso a fulana
me passou quase a metade da heroína e fui esperta o bastante para escolher direitinho a
quem redistribuir uma parte. Na prisão, quase todo mundo consumia drogas pesadas. Há
pouco interesse por maconha ou álcool. São sobretudo dependentes da heroína e do crack,
sem sequer saber o que é uma viagem de LSD ou ecstasy.
Quem faz tráfico de drogas precisa montar uma tática para distribuí-la de forma
inteligente. Atrás das grades, nada de se arranjar sozinha. É morte certa.
Evidentemente, ofereci a Tollkühn. Quer dizer, não diretamente. Ou ela ia achar que eu
estava querendo agradar e abusaria da situação.
Como quem não quer nada, contei à sua melhor amiga, uma mulherzinha da pior
categoria que tinha sido presa várias vezes por roubo e agressão seguida de morte. Disse que
tinha um material e que o distribuiria entre as detentas, antes que a vigilância o descobrisse.
Pouco tempo depois ela me procurou, enviada por Tollkühn, e perguntou quanto eu
queria por 1 grama.
Não me dispus a nenhuma generosidade.
Não queria que ela achasse que ganharia o que fosse de graça.
Pedi 20 paus, que é pouco, mas na prisão ninguém tem muito dinheiro. Na verdade
queria outra coisa: que dali em diante as loucas
furiosas, armadas com uma pá, se comportassem melhor.
Deu certo. Minhas relações com Tollkühn não chegaram a ser simpáticas, mas passaram
a algo parecido com o mútuo respeito.
Na cadeia, mais prisioneiros do que se imagina têm com que se picar. Mas a maioria
acaba fumando ou cheirando. Não se pode negar, porém, que a tensão aumenta quando há
droga circulando na prisão. É óbvio. As pessoas ficam com os nervos à flor da pele quando
sentem a presença da droga. Houve brigas e chantagens. Alguém finalmente avisou aos
guardas. Quase todo o material foi confiscado, exceto o meu, porque tinha ficado só com
2 gramas, que injetei imediatamente. Depois disso, não tinha mais nada a ver com aquilo.
Pelo menos oficialmente, para a administração.
As prisioneiras sabiam, evidentemente, de onde vinha o bagulho, o que me garantia certo
respeito por parte delas. No refeitório, passei para a mesa dois.
O trabalho na manutenção me ajudou também a não cair nos degraus mais baixos da
hierarquia carcerária. Eu é que arrumava, lavava e distribuía a comida. Demorei certo tempo
até me dar conta da função que tinha. Todo mundo me entregava coisas às escondidas —
cartas, drogas, pequenos presentes, doces, tabaco. Era só transportar. Na maior parte do
tempo, a destinatária estava sabendo onde a remetente tinha escondido o que interessava —
por exemplo, debaixo do freio do carrinho, debaixo de uma xícara ou na comida. Eu não ia de
cela em cela, passava de zona em zona empurrando o carrinho com os pratos. Ou então cada
uma vinha buscar comigo seu bandejão na cozinha — e o que fora enviado.
Quando percebi a importância dessa situação, usei-a a meu favor sempre que necessário.
Eventualmente podia dizer a uma ou a outra:

— Tome cuidado, querida, se não me deixar em paz não passo mais suas cartas adiante.
Mas, é claro, não estava sozinha nisso. As diferentes zonas eram separadas por portas
trancadas e não se passava assim tão fácil de uma para outra. Tinha sempre um ou outro
guarda para abrir.
De qualquer forma, era um cargo de confiança, porque entrávamos em contato com
presas de outras zonas. Mas não se deve aceitar tudo. Por exemplo, me recusava a transmitir
cartas das “separadas”. As “separadas” eram mulheres presas pelo mesmo crime, mas
mantidas distantes para que não pudessem se comunicar. Quando elas queriam me passar
alguma encomenda, eu precisava me livrar dela, deixando que caísse do carrinho num
esbarrão ou coisa assim. Se os guardas das chaves me pegassem, perderia a função e o
respeito das colegas, pois fazer um favor a troco da própria cabeça era visto como sinal de
incompetência.
E os cães de guarda que abriam as celas não chegavam também a ser completos idiotas.
Na prisão, eu acordava pela manhã e nunca sabia exatamente como seria o dia. Contra a
monotonia, havia sempre alguém que se virava para que algo excitante acontecesse. Uma
briga, uma chegada de droga ou um suicídio. Nunca, em todo caso, as pessoas se entediavam.
No referente aos esconderijos e malocagens, eu era das melhores, mas isso chegou a me
dar muito trabalho. Uma vez, pedi por telefone a Miriam que me enviasse um pouco de
haxixe de Hamburgo. Quando o pacote finalmente chegou, uma ou duas semanas depois,
achei que ia pirar de tanto procurar o bagulho.
Comecei até a achar que Miriam tinha amarelado na hora do envio, pois nesse tipo de
coisa o remetente também pode ter problemas com a justiça.
Mas continuei a procurar e, com minha colega Liane Mayer, desdobrei cada pedacinho de
papel e desfiz meticulosamente cada embalagem. Miriam tinha colocado no embrulho
caramelos Toffifee, chicletes, chá Earl Grey, um pacote de Marlboro e absorventes adesivos.
Só depois de abrir o último maço de Marlboro, tirar e examinar cada cigarro, descobrimos: em
quatro deles o tabaco tinha sido substituído por haxixe na ponta mais interna.
Num tempo normal, essa quantidade teria durado no máximo uma semana, mas em cana
não era possível fumar quando dava vontade, e o bagulho durou dois meses. Com isso, fazer
fumaça se tornava um momento especial, e Liane e eu esfregávamos as mãos desde cedo
quando víamos que haveria possibilidade.
Além do mais, adorávamos nos sentir mais espertas do que os guardas, encontrando
truques para que ninguém notasse que fumávamos. O haxixe é feito a partir do cânhamo:
quando secas, as folhas são chamadas marijuana, maconha ou erva, fumadas como cigarro,
enquanto o haxixe é extraído da resina, que é transformada em óleo ou imprensada
para fazer blocos, chamados shit ou simplesmente pedra.
Pode-se esmigalhar para fazer um baseado ou fumar num narguilé. Nenhuma das duas
possibilidades era discreta o suficiente para a prisão e por isso usávamos uma caneta.
Colocávamos um pedacinho da pedra na cinza quente de um cigarro e a esferográfica sem
o miolo servia para inspirar a fumaça.
Se não escondesse minhas reservas na cela, elas desapareceriam rapidinho. Também não
guardava bagulho nenhum comigo, preferia malocar no caixilho de uma janela. Naquele

tempo, vários corredores da prisão ainda estavam desocupados, pois o prédio era recente.
Mas, de vez em quando, as alas vazias eram limpas. De quinze em quinze dias, com uma
segunda faxineira que trabalhava comigo, eu lavava os corredores e tirava a poeira dos móveis
de madeira compensada que ficavam nas celas não utilizadas. Os guardas não nos
acompanhavam, simplesmente nos trancavam nas áreas a serem limpas. Com isso pude
tranquilamente esconder minha droga.
Tínhamos direito de levar conosco um radinho. Eu o ligava e, assim que a colega
estivesse de costas, abria uma das janelas, enfiava meu pacotinho de haxixe embaixo de uma
junta de borracha e fechava de novo a janela.
Não sou uma pessoa com necessidade de possuir coisas, detesto gente assim. No entanto,
era importante para mim saber que tinha alguma droga escondida onde só eu sabia. Isso me
tranquilizava. E assim não pirava quando me impediam de fumar, mesmo que apenas
cigarros. Podia ter paciência sem problema. Só que precisava saber que o bagulho estava ali
me esperando.
Fabricávamos também nosso álcool.
Desatarraxava-se uma placa de gesso do teto e as reservas ficavam escondidas lá em
cima. Para a maceração, utilizavam-se garrafões de plástico vazios que eram enchidos com
água, fermento de cozinha, fatias de maçã ou cerejas. Após uma semana, podia-se beber a
mistura. Eu era a única que podia fornecer os garrafões, sendo faxineira.
E de repente houve Chernobyl. Achei que ia morrer. No entanto, lá dentro, quase nem
fomos informadas. Às oito da noite as celas deviam ser fechadas, toque de silêncio. Eu tinha
direito de circulação das seis da manhã às oito da noite, o que significava que, durante o dia,
podia deixar minha cela e ir trabalhar ou praticar esporte. No fim de semana, isso se estendia
até as dez da noite e, nos dias de sol, as mulheres tinham inclusive o direito de se bronzear no
pátio. Quando ouvimos dizer que um acidente nuclear havia acontecido na Ucrânia, sem
maiores precisões — não havia televisão nas celas, naquele tempo −, houve quem entrasse
em pânico.
Imaginamos que o pessoal todo da carceragem ia dar no pé nos deixando ali, trancadas. O
que iam fazer conosco? Com certeza não nos soltariam.
A agonia começou a reinar em Plötzensee, pois não sabíamos de nada. Poucos dias depois
da catástrofe, eu deveria varrer lá fora, mas começou a chover e fiz greve:
— Não vou trabalhar debaixo de chuva radioativa. Não mereço uma pena dessas só por
ter traficado um pouco.
Foi o que aleguei à direção do presídio.
Tendo em vista a situação, não criaram caso.
Com o salário que ganhava, comprei litros de leite. Meu dinheiro todo se foi nisso, pois
diziam que sobretudo os legumes e o leite fresco estavam contaminados. Achei que o leite de
caixa não corria risco, por causa da pasteurização. Anos depois soube que isso não era
verdade. Resumindo, achei que estava sendo esperta e guardei vinte caixas na minha cela. Por
duas semanas, fiz um regime à base de leite.
Mas o fim do mundo acabou não acontecendo, mesmo que por vários anos não se
soubesse exatamente a gravidade daquela catástrofe. Não se comia mais nada e nem

cogumelos se colhiam. A comida da prisão também se adaptou às medidas de segurança.
Para nós foi uma surpresa. Achávamos que com aquela crise a sociedade iria aproveitar
para se livrar dos indesejáveis, dando-nos comida contaminada.
Para beber, apenas café e chá. Não dava para pagar outra coisa. Havia Coca-Cola e
apfelschorle, mas eram caros. Água da torneira era de graça, e o café solúvel e o chá eram bem
baratos. Uma Coca custava 3 marcos. Quem não tivesse um trabalho na prisão, não tinha
como pagar.
Raramente tive tão boa saúde — física e moral — quanto naqueles meses de prisão. A
abstinência da heroína e da erva não foi difícil.
Tudo ali era diferente.
As preocupações não eram as mesmas que se tinham do lado de fora. Não havia um
professor gritando no seu ouvido às oito horas da manhã por você não estar acordada e
precisar das duas mãos para apoiar a cabeça. As pessoas não se limitavam aos erros que
cometiam, porque esses erros eram o motivo de estarmos ali. Em cana você não precisava
tomar o café da manhã sozinha porque os seus pais não tinham tempo para isso, não
precisava dar explicações a vizinhos, à imprensa, à polícia. Não tinha que pagar imposto, não
tinha falso amigo bêbado, não tinha crítica, não era observada nem julgada por todo mundo.
Na prisão, me sentia mais livre do que em liberdade.
Se pudesse ter levado comigo meu cachorro Poncho, teria inclusive ficado mais tempo.
Estar presa podia ser um pesadelo para muita gente, mas para mim foi ótimo!
Reconheço que Tollkühn tentou estragar a festa algumas vezes. Sempre encontrava
alguma coisa de que não gostava, de maneira totalmente imprevisível. Um dia, enquanto
limpava a cozinha, eu estava ouvindo rádio alto demais para o gosto dela. Tive direito a um
processo expeditivo: o radinho foi jogado no balde de água.
Mas não bastou. Ela me pegou pela gola e me mandou nunca mais irritá-la com a minha
música de merda. Era Land of Confusion, do Genesis, que estava tocando. Era bem recente.
Só mais tarde prestei atenção na letra e reparei no que Phil Collins dizia: que na Terra há
gente demais disposta a criar problemas e gente de menos para fazer amor. Não sei se foi o
texto que a incomodou tanto ou se a canção era boa demais para ela.
Na prisão eu trabalhava com boa vontade, mais do que do lado de fora. Não havia pressão
para provar o que quer que fosse, para quem quer que fosse. E tampouco precisava atender
exigências, seguir normas e me submeter a avaliações.
Esse tipo de coisa me paralisava, por não ter autoconfiança suficiente.
Na prisão ninguém me obrigava a trabalhar, sequer propunham espontaneamente uma
tarefa. Você que tinha que pedir um emprego, repassar seu currículo e passar por uma rápida
entrevista de admissão. Eu tinha aprendido essas coisas na formação de livreira, e foi fácil.
Postulei o trabalho por querer sair da minha cela, ou ficaria de saco cheio.
É claro, eu tinha dinheiro na minha conta, lá fora. Minha mãe, que na época tinha uma
procuração minha, poderia me trazer. Mas era importante me ocupar. E se, além disso, ainda
pudesse ganhar uns trocados, melhor!

Meu primeiro trabalho foi na oficina de carpintaria. Meu chefe era muito gentil, mas o
trabalho era terrível, pois realmente não tinha habilidade com as mãos. A primeira atividade
foi a de fabricar uma fruteira, o que podia ser bem legal. Mas não para mim. Recebi um bom
bloco de madeira que devia ser escavado, lixado e polido. Poli tudo por horas e horas, até as
mãos doerem. Mas por mais que me esforçasse, minha fruteira ficou troncha e capenga.
Se quiserem ser legais comigo, podem dizer que era arte. Na verdade, porém, só servia
para a lata de lixo.
Os potes, caixas e prateleiras fabricados na oficina da prisão podiam ser vendidos no
mercado das pulgas das vizinhanças. Minhas “obras”, no entanto, não iam interessar a
ninguém. Então, foram jogadas fora.
Também não tive sucesso com as paletas de pintura. Tinha que aprender as cores, as
transições, as misturas etc. Mas sou capaz de julgar quando tenho aptidão ou não para algo.
No final de três semanas, reconheci: isso não vai dar em nada! Como todo mundo ali
estava bem contente de ter uma ocupação, não me demiti da oficina de marcenaria até ser
aceita na manutenção. E mantive o trabalho até ser solta.
Minha sucessora no ateliê foi uma recém-chegada. Diziam que ela tinha os dentes
amarelos por causa das mordidas que dava no marido, até os ossos.
Dois dias antes de sua chegada, tínhamos lido no jornal que uma mãe de Moabit estava
em prisão preventiva por ter, com a ajuda dos quatro filhos, matado o marido, se livrando
dele no subsolo da casa. Havia dois jornais na prisão, Berliner Zeitung e Tagesspiegel; lendo
as páginas policiais, sabíamos com antecedência quem em breve desembarcaria entre nós.
A matéria do BZ contava que uma família inteira havia liquidado o pai. Devia ser um
porco alcoólatra que os maltratava. Em todo caso, o cadáver começou a feder, e isso chamou a
atenção dos vizinhos. A mãe, que acabou virando uma de nós, de fato tinha os dentes
incrivelmente amarelados.
— Porque roeu os ossos — disse uma das moças para fazer graça e as outras
aproveitaram.
Mas a tal mulher era firme na resposta e se defendeu bem das piadas. Apenas dizia: —
Vocês não fazem ideia, nem o cachorro ia querer aquele velho, de tão nojento que ele era!
Não havia propriamente um ponto de venda na prisão, mas sim uma lista de artigos,
escrita num papelão, como um cardápio de restaurante. De volta à cela, eu tinha todo o tempo
do mundo para calcular quantos cigarros podia comprar com o meu salário. É
preciso pensar bem, pois só fazíamos compras duas vezes por mês. Os vendedores
vinham a cada quinze dias: os preços eram um verdadeiro roubo. Por isso eu pensava bem no
que ia comprar.
E acabou acontecendo o que devia acontecer: me apaixonei por uma mulher.
Chamava-se sra. Blume, que significa “flor” em alemão… O amor precisava fluir por
algum lugar. Meu coração batia ao vê-la. Era pequena, delicada, bem em forma, cabelos
curtos louro-escuros. Mas não masculinizada. Tinha olhos amendoados muito meigos e
feições finas.
Fazia mais o tipo jovem mãe dinâmica. Dava a impressão de mimar, de não julgar e de

tratar cada um individualmente, segundo suas necessidades.
De vez em quando, era a vez da sra. Blume me acompanhar no meu turno, e eu passava
então algumas horas com ela. Como o nome indicava, ela cheirava maravilhosamente bem,
como um buquê de flores frescas. Toda vez que trabalhava comigo me dava um comichão na
barriga e no final eu só tinha um pensamento: quando ela vai voltar?
Na prisão, todo mundo se agarrava a alguma coisa. Entre a maior parte de nós não
haveria laço nenhum se não estivéssemos trancadas juntas.
E inconscientemente estabeleciam-se laços, criava-se a ilusão de realmente haver algum
sentimento com relação àquelas pessoas, que se tornavam sua família e seus amigos. Pelo
menos foi como se passou comigo, mas acho que era assim para a maioria.
A sra. Blume sorria o tempo todo. Acho que teria gostado dela mesmo lá fora. Era uma
boa pessoa. Severa, naturalmente. Mas boa. Isso me agradava. Apesar de, a princípio, eu não
gostar de pessoas que trabalham em prisões.
Era desgastante. Precisávamos ouvir cobras e lagartos, e isso, para a maioria das
mulheres, nunca deu bons resultados. Somos seres sensíveis e acho que nos tornamos outra
coisa quando temos que reprimir essa sensibilidade.
As emoções é que nos dão beleza.
Apesar da profissão, a sra. Blume era muito
sensível e, evidentemente, notou meus sentimentos por ela. Talvez não fosse a primeira vez
que isso acontecia, dada a maneira como reagia. Não me evitava nem me obrigava a falar; não
me tratava bem nem mal.
Era atenciosa comigo por respeitar a maneira como eu reagia à solidão carcerária.
Nada mais.
Mas com isso eu me sentia menos idiota do que se tivesse friamente me deixado
plantada ali ou se me induzisse a falar. Não era má a esse ponto.
É só o que posso dizer. Nada aconteceu. Em liberdade, eu ainda poderia ter tentado me
aproximar. Mas do lado de fora tudo é diferente. Em todo caso, foi legal da parte dela não me
humilhar. Na sua posição, teria sido fácil.
Na cela, à noite, eu escrevia páginas e páginas de cartas. Ao todo, recebi 425 cartas na
prisão e enviei cerca de quinhentas. Havia cartas de fãs, mas principalmente de amigos e do
namorado por correspondência, Gode Benedix.
Tínhamo-nos conhecido na Dschungel, a boate delirante de Berlim-Schöneberg, cultuada
até que a onda techno berlinense se ampliasse, no início dos anos 1990, depois da queda do
Muro. Naquela época, dizia-se que a Dschungel era a equivalente berlinense do Studio 54 de
Nova York. No inverno, muitas pessoas faziam fila batendo os dentes e esperando que as
deixassem entrar. Iggy Pop frequentava a Dschungel, assim como Carlos Santana, Romy Haag
e David Bowie, de quem eu era fã desde os 14 anos.
Evidentemente, Bowie não ia com tanta frequência quanto eu — ele não morava mais em
Berlim, mas em Nova York. Nós nos conhecíamos, mas infelizmente trocávamos poucas
palavras insignificantes, e nunca pareceu possível passar disso. Eu não falava bem inglês e
tinha medo de que ele não gostasse de mim.

Recentemente, para seu 66o aniversário, ele lançou uma canção sobre Berlim e a
Dschungel: Where are we now. E tenho vontade de responder: no mesmo lugar de sempre, ali
onde estávamos.
Na época, Ben Becker, o genro de Sander, ia frequentemente à Dschungel. Otto também
aparecia, mas em geral caía debaixo da mesa.
Com Gode era diferente: por vários anos ficou na entrada da boate, perto do caixa, de
terno e gravata. Segurança e caixa ao mesmo tempo. E era amigo de Ben.
De início, não ousei me aproximar de Gode, dizendo para mim mesma: o cara é coisa
demais para você. Gostava de vestir Vivienne Westwood e viajava a Londres com os amigos
para dar uma olhada nas novas coleções.
Estavam sempre na moda, no que havia de mais cool. Gode também era DJ e tocava
numa banda.
Na prisão, pedi a um amigo que perguntasse a Gode se eu podia escrever para ele. Pedido
aceito, nos aproximamos, mesmo que nunca tenha ido me visitar — eu não queria.
Trocávamos correspondência pelo menos três vezes por semana. Usávamos sempre o mesmo
papel de carta. Aos poucos, pequenos laços começaram a enfeitar os envelopes, coraçõezinhos
ou beijos com batom.
Não havia declarações de amor, só nos mantínhamos a par do nosso dia a dia. Eu
transmitia minhas observações sobre a prisão, que me marcariam para sempre, e ele me
repassava as últimas histórias da Dschungel e falava da vontade que tinha de seguir carreira
de ator, além da música, como Otto Sander.
Quando saí, foi como se tivéssemos passado aqueles dez meses juntos. Tínhamos
realmente nos aproximado.
Sou melhor escrevendo do que falando.
Quando amo, é incrivelmente difícil falar diretamente com a pessoa, pois tenho medo de
ser rejeitada. Intimidada, fico olhando para o chão, balanço muito, gaguejo, é horrível.
Realmente não gosto mesmo de mim nesses momentos e tenho medo de que a pessoa
também não goste. Por escrito tudo é bem mais fácil, pois posso recomeçar do início se
alguma coisa não me agradar. E se não tiver resposta, posso me dizer que foi por falta de
tempo, e não por culpa minha.
Os dez meses em Plötzensee passaram rápido, não foram tão ruins e, além do mais, a
gente se habitua com tudo. O psiquismo tem mecanismos realmente eficientes de defesa e,
nas situações difíceis, a gente se agarra às coisas bonitas. Mesmo que seja só para se iludir.
São mecanismos de recalque que ajudam. Ver o que há de bom no que vai mal torna as coisas
um pouco mais suportáveis.
Tive visitas também. Miriam e Guido, assim como os colegas do apartamento de
Hamburgo e muitos outros amigos que fiz com as drogas, de Berlim e Zurique. Nina Hagen e
até Hector Coggins vieram. Foi incrível! Ele estava na Alemanha para uma exposição das suas
obras e havia perguntado por mim a Alexander Hacke. Quando soube que estava presa, foi me
ver. Achou engraçado eu estar atrás das grades. Deve tê-lo inspirado, de uma maneira ou de
outra.

Quando fui solta, descobri que tinha sido extremamente econômica e ainda tinha
800 marcos para receber. Deixei Plötzensee cheia de energias positivas. Além do novo amor,
era uma nova oportunidade para me virar no futuro sem heroína. Estava clean há dez meses.
Logo de início Gode e eu ficamos juntos e acabei engravidando.
Fiquei realmente surpresa. Quando a ele contei e perguntei o que fazer, ele disse apenas:
— Você que sabe.
Ficou claro que não se interessaria, e então fiz um aborto, pois ainda não me sentia capaz
de assumir aquilo sozinha.
Eu estava com 25 anos, e ele também. Mais tarde, me arrependi desse aborto, mas
quando o cara diz: “Você que sabe”, você sabe o que esperar.
Como Ben e Gode eram inseparáveis, Otto Sander era considerado meio que como um
pai adotivo. Frequentemente íamos à casa dos Sanders, que formavam uma verdadeira
dinastia de atores. Eram mais hospitaleiros do que simpáticos: acho que era difícil para
Monika, mãe de Ben, e para a irmã, Meret, me suportarem. Na época, estava convencida de
que Meret se interessava por Gode. Mas era bem mais nova, e ele a via mais como uma
irmãzinha caçula. E Meret, por sua vez, acabou se casando com o cara de quem eu tinha sido
a primeira mulher: Alexander Hacke, guitarrista e baixista dos Einstürzende Neubauten.
Gode e os outros também andavam com o pessoal do Depeche Mode. Na época, estavam
morando em Berlim e frequentavam o Damaschke Nachtclub, o DMC, uma boate que parecia
um imenso banheiro, todo ladrilhado. Era onde a gente se encontrava.
Havia também Fetisch, músico e DJ de vanguarda. E a irmã dele. Os dois eram órfãos, se
não me engano, e viveram o terror de tantas crianças: os pais foram ao teatro e eles nunca
mais os viram. No caminho de volta, bateram com o carro numa árvore. As crianças ficaram
abandonadas e, pelo que sei, Fetisch até hoje anda às voltas com drogas e outras tendências
autodestrutivas. Mas como bons irmão e irmã, sempre apoiaram um ao outro.
Eu tinha medo que ela (acabei esquecendo o seu nome) roubasse Gode de mim. Era uma
menina genial, com belos cabelos escuros e maneiras bem diretas. Como a vida não lhe fora
gentil, ela pegava o que lhe cabia, mas de maneira franca e honesta.
Para terminar, havia Plez e seu grupo, o Hong Kong Syndikat. Precisavam de um
guitarrista que pudessem exibir num palco — e, sobretudo, de um pretexto para afastar Gode
de mim. Por que não sei, mas tinham a impressão de que eu prejudicava a imagem deles.
Chamavam-no o tempo todo para que participasse de qualquer show do grupo. Foi o que
aconteceu quando viajamos para a Grécia.

Eu, Christiane F., A vida apesar de tudoOnde histórias criam vida. Descubra agora