Com Phillip, o apartamento da Pflügerstraβe rapidamente mostrou suas limitações. Nada
havia além do mezanino, o qual podia machucar um bocado se alguém sofresse uma queda.
Eu então dormia no sofá de couro e o bebê, no berço. Mas ele cresceu. E eu precisava de ajuda
e também precisava conversar com outras mães. Em 2000 me mudei então para Spandau,
graças a um programa administrado pelos serviços sociais, reservado às mulheres que
seguiam um tratamento de substituição.
O programa ocupava um edifício inteiro, com apartamentos de quarto e sala, alugados
por 350 euros mensais. Havia apenas quatro banheiros para dezesseis mulheres e vinte
crianças — tínhamos inclusive que atravessar o pátio interno para usar o chuveiro e fazer
nossas necessidades.
Após poucos meses as disputas entre os moradores começaram a me dar seriamente nos
nervos. Rolavam brigas o tempo todo. Quem vai limpar isso e quando? Como organizar o
lixo? Pode-se usar para a louça a mesma esponja que foi usada para os sapatos?
Mulheres precisam ter seu próprio canto, seu território pessoal. Não funcionam de outra
forma. Para mim não foi possível. E Phillip ia fazer 6 anos. Já era tempo de partir. Comecei
então a procurar um apartamento. Como minha mãe morava em Stahnsdorf, não muito longe
de Teltow, com o terceiro marido, achei que por lá teria a calma de que precisava.
Circulamos de carro pela região e acabamos descobrindo um lugar recém-construído e
ainda inabitado. Liguei para um número de telefone que havia numa janela. Quatro semanas
depois estava me mudando para um quarto e sala novinho em folha, em cima da Casa das
Belas Coisas, uma lojinha em frente ao ateliê de Markus Lüpertz. Os vizinhos e o proprietário
eram simpáticos, o local era limpo, o apartamento tinha 60 metros quadrados, com cozinha
integrada e janelas de vidros duplos. E Phillip, é claro, teria um quarto só para ele, à esquerda
da entrada, ao lado do banheiro.
Em Teltow, passei certo tempo sem metadona. A dosagem tinha sido reduzida a
1 mililitro, ou seja, quase nada. De vez em quando eu fumava um baseado. Em geral fumava
abertamente, sem esconder de Phillip, e concretamente acho que com isso afastei dele o gosto
pelo proibido. Nunca perguntou se podia também dar uma tragada. Nem cigarros ele fuma.
Confesso que, quando encontrava velhos conhecidos no caminho que fazia indo ao
médico, eles tinham heroína para cheirar e, infelizmente, nem sempre neguei. Mas não era
frequente.
O que a maior parte das pessoas não compreende é que não se volta à dependência com
uma simples picada ou uma simples cheirada. No início não tem problema, é assim mesmo.
Só depois que as coisas se decidem e você se torna junkie ou apenas alguém atravessando um
mau período. No meu filme, a frase “está sob controle” se tornou o bordão de todos que
estavam mais na merda do que queriam admitir. E, sem dúvida, é como se passam as coisas.
Mas, para quem já é junkie, com dez, vinte anos de heroína, já tendo enfiado pra dentro todas
as merdas possíveis e imagináveis e passado por dezenas de desintoxicações, não vai ser uma
cheirada que vai te fazer cair da cadeira. Não é a mesma coisa para quem tem a vida inteira
girando em torno da droga e para quem a droga só acompanha perifericamente.
Graças a meu filho, perdi o hábito de ser pássaro da noite. Sabia perfeitamente que de
manhã cedo ele ia estar de pé, ia querer seu chocolate e, nos finais de semana, seus desenhos
animados. Aos sábados estava acordado a partir das seis e meia, querendo de qualquer jeito
assistir Tom e Jerry, Ursinhos Carinhosos ou Power Rangers. Nunca achava cedo demais,
mesmo que não estivesse completamente desperto. E se eu me espantasse: — Mas Phillip,
não está cansado?
Ele me olhava surpreso e respondia: — Não, mas se você estiver, pode voltar pra cama!
As crianças são tão bonitinhas entre 2 e 7 anos! Depois disso os meninos ficam brigões e
as meninas se acham princesinhas, o que é tão chato quanto. Mas à noite, todos são
bonitinhos. Ficávamos sempre nos fazendo carinho, até Phillip estar grande demais para
continuar querendo isso. Quando dormia vendo desenho animado, eu o pegava no colo e
levava para a cama, para uma sessão de cafuné.
Ele acordava e pedia:
— Mamãe, me prepara um chocolate?
É claro que me levantava, mesmo que ele fosse estar dormindo quando voltasse com a
xícara. Sobrava para mim tomar o chocolate, e até hoje gosto.
A gente se sente útil quando tem uma rotina assim. Ter um filho me fazia bem, fazia de
mim uma pessoa melhor. Deu-me vontade de viver durante o dia, respeitar horários, ser
confiável, coisas que eu conhecia e sabia cumprir antigamente, pois havia aprendido na escola
e durante minha formação, mas de maneira bem diferente. Tudo isso passava a ter muito
mais sentido, e o meu ganho era enorme. Phillip foi o mais belo presente que a vida me deu,
formávamos uma ótima dupla.
Na minha função de mãe eu me obrigava a começar bem o dia. Não queria que
acontecesse com ele o mesmo que aconteceu comigo quando era pequena, no maternal ou no
primário. Às dez para as sete nossa mãe abria brutalmente a porta do meu quarto e do de
Anette: todo mundo de pé! E no restante da manhã meus pais não se preocupavam mais.
Mamãe se preparava para ir ao escritório em que trabalhava como secretária, na Axel
Springer, e papai em geral ainda estava bêbado ou de ressaca. Nós mesmas tínhamos que
preparar tudo. Não sabíamos o que era levar um lanche para a escola. E também o que era um
carinho na cama, por parte de mamãe.
Tivemos uma infância solitária e não queria o mesmo para Phillip.
Por isso tentava fazer com ele o máximo de coisas juntos. Inclusive a limpeza da casa.
Desde pequeno ele aprendeu a arrumar suas próprias coisas. E isso só funcionava se fosse
engraçado: eu jogava um monte de roupa limpa em cima do colchão e deixava que ele pulasse
em cima; dobrasse e arrumasse tudo. Em seguida, virava uma competição:
— Vamos ver quem se sai melhor!
É como se deve ensinar coisas às crianças: de maneira lúdica. Todo dia tomávamos o café
da manhã juntos antes de ir à escola — até os 10 anos de idade, pois depois ele passou a achar
chato ser visto com a mãe. E fiquei contente, pois significava que os amigos tinham
importância. Teria feito exatamente a mesma coisa no seu lugar: ser visto com a mãe aos
10 anos não fica bem. Não era tão fácil para Phillip fazer amigos. Não por causa dele, até
porque era mais do gênero calmo, discreto e silencioso.
E sim por minha causa.
Na época em que ainda morávamos em Spandau, alguns pais que sabiam quem eu sou
proibiam os filhos de brincar com Phillip. Isso me doía muito e a ele também, é lógico,
mesmo que me defendesse e os chamasse de “débeis mentais” e “pobres coitados”.
Estávamos bem contentes de que as pessoas fossem um pouco mais tolerantes naquela
parte do Brandeburgo, mas provavelmente isso se devia ao fato de que meu livro não tinha
sido vendido na Alemanha Oriental e eu não era nada conhecida por lá. Além disso, nesse
meio-tempo aprendemos a não dizer a qualquer pessoa que a nova vizinha, Christiane
Felscherinow era “a moça da estação Zoo”. A franqueza nem sempre compensa, eu sabia
desde criança, porque meu pai, toda vez que eu confessava alguma besteira, me dava surras
terríveis.
Em Teltow, algumas famílias souberam nos conhecer melhor e quando Phillip passou a
jogar no TSV Teltow, elas se deram conta de que não éramos tão horríveis. Meu filho, como
muitos outros meninos, se apaixonou por futebol na Copa do Mundo de 2006, na Alemanha.
Com uma frequência bem maior do que em Kotti, passei a ir ao ginásio esportivo de Teltow,
bem ao lado de onde morávamos, para incentivar.
Quando os companheiros ou amigos de Phillip dormiam em casa, eu ficava muito
contente por ele e preparava batatas fritas e pizzas, deixava que construíssem cabanas com
cobertas e cadeiras, bem no meio do pequeno apartamento. Podiam gritar e correr por onde
bem entendessem — nada era tão grave, contanto que se divertissem.
Era ótimo, só que a treinadora batia à minha porta e entregava as roupas do jogo
imundas para eu lavar. As 11, inclusive as caneleiras. Primeiro pensei que seria um inferno,
mas depois passei a lavar com prazer, pois os pais se revezavam e fazia parte do espírito
comunitário.
Tinha orgulho de Phillip, inclusive por enfrentar impavidamente as tremendas e
repetidas derrotas de seu time. A maioria dos jogos terminava com um placar de dez a zero.
Ele jogava entre os juniores E e os meninos — é normal nessa idade de 10, 11 anos — o
tempo todo entravam de carrinho para roubar a bola do adversário. Queria incentivar Phillip e
era por isso, claro, que lavava os uniformes do time, cheios de lama.
Infelizmente a treinadora teve que parar, por razões pessoais, e houve certa demora até
chegar quem a substituísse. Phillip perdeu o ânimo e, no lugar, tirou uma licença de pesca.
Um dia, uma funcionária do serviço social tocou a campainha. Conhecia-me do programa
de substituição e queria saber como íamos, meu filho e eu.
— Está tudo ótimo, obrigada.
Depois perguntou se eu não gostaria de contar com um assistente familiar.
— Se for um homem, pode ser bom. Tenho medo de que falte uma referência masculina
quando Phillip for maior. Por enquanto tem 6 anos e já quer subir em tudo que é lugar e
brigar. Daqui a pouco na certa vai querer patinar no gelo e ir ver futebol no estádio olímpico.
Acharia ótimo que um homem fizesse essas coisas de menino com ele e servisse de modelo.
E assim, em 2005, Thorsten, um cara nem alto nem baixo, cabelos mais ou menos louros
e que era mais ou menos divertido, entrou em nossas vidas. Após duas ou três semanas e
alguns formulários de apoio à infância preenchidos, ele veio nos ver pela primeira vez — e
não foi absolutamente como eu tinha imaginado.
Ele se sentava à mesinha da cozinha e perguntava como tudo estava indo. De duas em
duas ou de três em três semanas vinha nos ver e nada fazia além de perguntas a mim e a
Phillip.
Era simpático, mas sem propor construções com Lego, patinações no gelo ou idas ao
estádio. Acho que só uma vez foi assistir a uma partida de futebol com meu filho.
Dois anos depois da aparição do assistente familiar, conheci
Dragan, um sérvio superbonitinho e charmoso, num café da Oranienstraβe. Devia ter na
época cerca de 35 anos, ou seja, mais de dez anos a menos que eu — sempre me relacionei
com homens mais novos. Todos, menos Panagiotis. E Dragan também vinha dos Bálcãs, o
que me agradava.
Era o primeiro homem com quem saía na última década, mais ou menos.
Até ali, não havia lugar na minha vida para outro homem além do meu filho. Mas a parte
mais trabalhosa estava feita e, passado tanto tempo, tive de novo vontade de namorar.
Como tudo estava indo bem, acabamos conhecendo nossos amigos recíprocos. E entre os
de Dragan, havia Beckermann, que era magro e da mesma idade que ele, com cabelos louro-
escuros.
Na verdade, não se chamava realmente Beckermann e era uma das raras pessoas que
conheci das quais ainda tenho medo. Por isso não dou seu verdadeiro nome. É um mau-
caráter.
Beckermann é filho adotivo de um chefão das drogas berlinense com péssima reputação.
A mãe tinha sido paga para se casar com o padrasto, que era libanês — não sei se
continua vivo — e precisava legalizar a residência na Alemanha. Na época, nos anos 1970 e
1980, era mais fácil do que hoje em dia fazer um casamento desse tipo.
Beckermann era criança quando foi adotado e, como todo pai, o libanês ensinou o que
pôde. Não sei se a mulher estava a par do seu negócio. Eu, em todo caso, só soube tarde, tarde
demais, de qual meio vinha Beckermann.
O padrasto era uma referência no mundo berlinense da cocaína e das metanfetaminas.
Com isso tinha enorme poder, visto que, ao contrário da heroína, que é a droga do povo, a
cocaína é a dos deputados do Bundestag, dos produtores de cinema, dos músicos e dos
advogados — sei por experiência própria, adquirida durante as filmagens de Eu, Christiane F.,
13 anos, drogada e prostituída.
Beckermann era um usuário crônico, mas, de início, não notei. Diariamente cheirava e
inclusive perguntava a Phillip, que me contou mais tarde, se não estava com restos de
“neve” no nariz. Como a coca é branca, muitos a chamavam de neve. Isso, porém, o menino
de 11 anos não sabia ainda, graças a Deus. Achava que Beckermann perguntava apenas se o
nariz não estava sujo. É um ator dos mais competentes. Pode enganar as pessoas em volta de
maneira alucinante, representando o sujeito bem correto, em quem se pode confiar, e
encantando as pessoas para roubá-las. Foi o aconteceu entre nós.
Dragan começou a estar cada vez menos presente, enquanto Beckermann aparecia o
tempo todo. Naquela época, achei que Dragan não estava mais a fim de mim e fui chorar no
ombro de Beckermann, que até então era apenas amigo. Só mais tarde, depois que soube
quem Beckermann realmente é, entendi: o jovem sérvio não teve escolha. Beckermann o
havia aconselhado a sair fora — supostamente fez isso por mim: Dragan não era uma boa
pessoa e não era bom para mim que me vissem muito com ele. Na verdade, provavelmente o
convenceu de me deixar de lado, caso não quisesse ter problemas.
E mais vale não ter problemas com a família de Beckermann. Quando o filho do chefão
diz “sai fora”, é melhor sair sem perguntar por quê, o mais rápido e para o mais longe
possível.
Na época, nada disso estava claro no meu entender. Para ser franca, esse cara até hoje
tem algo de misterioso para mim. O tempo todo se fazia passar por outra pessoa e exagerava:
uma vez inclusive falsificou um artigo do Spiegel Online para me impressionar. Deu-me duas
páginas em formato A4 com a logo do site, descrevendo como o padrasto e ele eram
poderosos.
Entre outras coisas, lia-se que ele, como filho adotivo, tinha mais de quinhentos
membros dos clãs árabes às suas ordens e possuía uma casa de mais de trinta cômodos e
piscina na região Renânia do Norte-Vestefália.
Nessa matéria, que guardei, está escrito: “Após uma discussão com a polícia, que o havia
parado com sua Mercedes 500, bastou um telefonema para que mais de trezentos membros
dos clãs árabes o viessem socorrer: em menos de quinze minutos eles chegaram, fortemente
armados, vindos de todos os bairros de Berlim.” E mais adiante: “… (Beckermann) deixou o
local sem maiores problemas, dizendo: ‘Nessa cidade, a polícia somos nós: eu, e não vocês, é
que decido quem pode me parar para controle, bando de parazitas’.” Parasita estava escrito
com “z”.
Hoje sei que o cara é uma espécie de Félix Krull, do romance de Thomas Mann, só que
violento. No entanto, a imagem que procurava dar de si não me atraía muito. Não me
interessava nada e foi precisamente o que, em seguida, causou minha desgraça. Deveria ter
imediatamente notado que Beckermann era somente um pilantra.
Desde que meu advogado analisou o caso, tenho mais elementos da sua biografia, mas
ainda não consigo juntar muitas peças do quebra-cabeça. Por exemplo, não entendo como
pôde estar foragido por anos, viajando por vários países e tendo cofres e contas em bancos
nos quatro cantos do mundo. A última vez que ouvi falar de Beckermann foi por meu
advogado, que me contou haver um mandado internacional de prisão contra ele.
Era sempre pelo mesmo tipo de coisa.
Beckermann havia estudado web design, informática ou algo assim. Era desinibido e
esperto, tinha cursado boas universidades, inclusive no exterior. Bom, pelo menos era o que
dizia. Nunca se sabe bem o que é verdade ou não nas suas histórias. Em todo caso, é muito
ligado à internet. E, graças à sua boa formação, consegue piratear sites de venda e redes
sociais.
Recepta também cartões de crédito roubados, que usa para comprar e revender objetos
de valor. As falhas de segurança da internet facilitam incrivelmente as coisas para gente
assim, como depois descobri às minhas custas.
Beckermann tinha outros truques: ganhou centenas de milhares de euros na ilha
Grã- Canária se fazendo passar por agente imobiliário ou proprietário, vendendo casas que
não tinha. Simplesmente alugava um imóvel e o propunha a ricaços, convencendo-os de que
se tratava de um bom negócio.
Pessoas que possuem muito dinheiro podem ser incrivelmente idiotas.
Nunca me deixei levar quando tentava me empurrar a fazer alguma coisa. Quando lhe
contei que estava pensando em deixar Berlim, ele evidentemente sugeriu que partíssemos
juntos à Grã-Canária. Não desistia. E olha que nos conhecíamos há apenas seis semanas.
— Phillip e eu não nos sentiríamos bem lá, é um lugar para turistas. Não estou querendo
farra, tudo que quero é paz! — expliquei a ele.
Em 2008 Phillip entrava na adolescência e eu não queria que levasse aquela vida estreita.
Precisava de espaço para seus anos de juventude, problemas e centros de interesse.
Minha juventude de merda estava longe e eu queria ser capaz de me dedicar ao meu
filho.
Por isso quis deixar Berlim. Conversei demoradamente com ele e expliquei tudo.
Phillip é bom em geografia. Quando era pequeno, gostava de tirar o atlas da estante e
descobrir o mundo. Sentei-me então com ele na cama, com mapas e um chocolate quente,
como sempre fizemos, e perguntei em qual lugar preferiria viver.
— Quero um com o mesmo clima que aqui. Que tenha primavera, verão, outono e
inverno — respondeu ele. — Nada que tenha apenas palmeiras ou neve. E que não seja muito
difícil me adaptar na escola.
Então pensei: bom, talvez seja menos difícil na Holanda, já que ele é alemão. Mas me
lembrei também de Pasadena.
Mesmo antes das eleições americanas, eu tinha certeza de que Barack Obama ia ganhar,
e eu o achava um cara bem legal.
— Se ele for eleito, a gente vai para lá — brinquei por um instante.
Mas sabia que não seria tão fácil conseguir um Green Card, sobretudo para uma ex-
viciada com ficha policial e filho a tiracolo.
Como não queríamos uma cidade menor do que Berlim, finalmente nos decidimos por
Amsterdam.
Primeiro fui sozinha com Beckermann.
Queria ver como a cidade havia evoluído desde a última vez que estivera por lá. Na época
em que morei em Zurique, tinha feito farra com meu junkie viciado em speed, numa ocasião
em que Anna havia nos mandado a Paris. Mas com isso tinha visto a cidade pelo olhar da
adolescente drogada que eu era e só havia procurado discotecas e sex shops.
Agora eu era mãe, estava limpa e queria me informar para saber quais eram as boas
escolas e o que seria necessário para morar lá.
— Queremos vir morar aqui, pode me dizer o que fazer?
— Precisam de um número de seguro social — explicaram no ofício de registros da
cidade.
O restante das informações conseguimos pela internet na biblioteca municipal.
Soubemos, por exemplo, que para pedir um número de seguro social era preciso antes
cancelar a matrícula de Phillip na escola da Alemanha. E foi o que fiz assim que voltei a
Berlim, depois de quatro dias de viagem.
Mas os professores não estavam com paciência para conversar, só porque o havia deixado
com minha mãe e o material da escola foi esquecido em casa. Teve que ir às aulas a semana
inteira sem seus cadernos e lápis. Foi chato para ele — e para mim.
Avisei também o assistente familiar sobre nossos projetos holandeses, e ele
imediatamente disse:
— Ai, ai, ai! Isso é preocupante.
Talvez a reação não fosse essa se Beckermann não estivesse conosco, não sei. No que me
concerne, sei que posso me virar no exterior, pois várias vezes já havia feito isso. A única
coisa que faltava esclarecer era como o serviço de apoio à infância ia receber minha ideia.
Tudo então estava pronto. Beckermann ficou com Phillip enquanto fui ao médico.
Parei num supermercado no caminho de volta e estava de pé no caixa, tentando manter
em equilíbrio vários alimentos, quando meu telefone tocou. Enganchei-o entre o ouvido e o
ombro. A voz de Beckermann estava esganiçada e em pânico:
— Pode me dizer o que aconteceu? — perguntei duas vezes.
Com o choque, deixei tudo rolar pelo chão.
Não me lembro mais o que se passou nas duas horas seguintes. Apenas as palavras de
Beckermann continuaram gravadas na minha cabeça:
— Christiane, venha rápido, eles levaram o menino.
Não fui para casa. Peguei a linha 25 até Teltow e, chegando à estação, fui direto ao ponto
de táxi, esperando encontrar Klaus.
Felizmente ele estava lá. Entrei no carro dele e gritei:
— R ápido! Para o serviço de apoio à infância de Potsdam-Mittelmark!
No caminho, expliquei o que estava acontecendo. Chegando, saltei do táxi e disse: —
Assim que ele chegar, feche a porta.
Entrei no prédio, subi a escada e encontrei Phillip aos prantos na sala de espera. Há pelo
menos duas horas estava abandonado ali, sem ninguém mais além de duas secretárias. Disse
a elas:
— Por favor, quero apenas me despedir do meu filho.
Abracei Phillip e cochichei em seu ouvido: — Desça a escada o mais rápido que puder.
Logo à esquerda há um táxi esperando.
Continue no mesmo ritmo e entre. Chego logo depois.
Queria vigiar a saída da sala, para o caso de alguém tentar atrapalhar a fuga. Quando vi
que tinha chegado ao táxi, fui atrás. Ninguém do serviço de apoio à infância se deu conta do
que estávamos fazendo. E era gente assim que queria sequestrar meu filho!
Estávamos na autoestrada há apenas quinze minutos quando o chefe da empresa de táxi
ligou.
— Uma criança foi sequestrada no serviço de apoio à infância de Potsdam-Mittelmark. A
polícia diz que o menino e a mãe fugiram de táxi, numa perua.
A voz vinha com falhas e chiados pelas ondas radiofônicas, pois estávamos numa
daquelas semanas de verão com tempestades e chuvas fortes.
— Estão pedindo a ajuda de todas as companhias de táxi. Está sabendo de alguma coisa,
Klaus?
O nome do motorista foi pronunciado não como se uma pergunta estivesse sendo feita,
mas sim como um ultimato. Meu coração ficou paralisado no peito: “Meu Deus, como são
rápidos, foi ainda agora”, pensei tomada de pânico.
Olhei para Phillip e pus um dedo nos lábios fechados:
— Psiu!
Na verdade, o sinal não era necessário.
Phillip é um menino inteligente e nem pestanejou. Mas com a tensão que pairava no ar,
não sabia se suas ideias continuavam claras.
Ou melhor, as minhas é que pareciam bem confusas, sentia-me completamente perdida.
Queriam tomar meu filho, nunca tivera tanto medo na vida.
Por um breve instante o carro ficou em silêncio. Klaus deu uma olhada no retrovisor para
ver o banco de trás, onde estávamos sentados, enquanto os limpadores de para-brisa iam e
vinham à sua frente. Não diminuiu a velocidade e respondeu no rádio: — Não estou sabendo
de nada.
Dei um suspiro profundo e me dei conta de que estava prendendo a respiração há vários
segundos. O chefe de Klaus também suspirou, sem que parecesse uma demonstração de
alívio.
Afinal, conhecia o motorista pelo menos tão bem quanto eu: Klaus não era nenhum anjo.
— Onde você está nesse momento, Klaus?
Está com passageiro no carro? — perguntou ele.
— E stou na autoestrada. Está tudo calmo por aqui — respondeu Klaus.
Mais tarde, com tudo isso terminado, revi Klaus e dei a ele 30 euros. Era apenas um
conhecido e eu tinha pedido que nos ajudasse.
Mas nada garantia que fosse se manter calado.
Poderia ter problemas graves. Nunca vou esquecer o quanto foi leal.
A mulher na casa de quem me escondi era uma conhecida do mundo das drogas. Com
9 anos de idade, o filho ainda fazia xixi na cama.
Roubava e era agressivo, provavelmente por ter sido muito espancado por um grupo de
homens que “oficialmente” eram seus clientes.
Com 45 anos, ela continuava se prostituindo para sustentar o vício, mas não como se
imagina que façam as putas normalmente.
Detlev e eu, quando éramos crianças, às vezes dormíamos também na casa de clientes e
até passávamos o dia. Mas com ela a história era outra: os caras se mudavam por um tempo
para a casa dela. Pagando, é claro. Com o dinheiro ela comprava drogas e um monte de
esculturas e objetos de vodu africanos. Adorava essa região do mundo e sempre usava umas
tranças que não acho muito higiênicas, pois realmente não podem ser lavadas.
Naquele momento, porém, dada a situação em que estava, era a única pessoa em quem
podia confiar. Com as outras, a gente nunca sabe, poderiam falar com a imprensa para
levantar algum dinheiro ou contar coisas à polícia para conseguir uma redução de pena.
Ela nunca tinha sido presa nem havia procurado um médico para o programa de
substituição. Por isso não estava na mira da administração, e aquilo era tão importante para
ela que nem sequer foi à polícia quando os tais “amigos” bateram no seu filho. Quando me
contou essa história, precisei me controlar para não entregá-la.
Mas agora a polícia estava em nosso encalço com todas as centrais de táxi e aquele
apartamento era o local mais seguro que eu podia encontrar.
Os meninos, que tinham a mesma idade, brincavam juntos. Ficamos sentadas na cozinha
emendando cigarro após cigarro, até o momento em que pudemos sair para encontrar
Beckermann, quase cinco horas depois. Nesse intervalo de tempo, ele havia feito minhas
malas com seu meio-irmão libanês.
Fez todo um teatro do tipo: “Te encontro em tal ou tal lugar.” Em Neukölln, onde ficava o
apartamento em que eu estava, havia polícia demais nas ruas. Ele então pediu que fôssemos a
um lugar e depois a outro. Em seguida tinha uma nova crise de paranoia e mudava
novamente o ponto de encontro porque o local, no seu entender, não era seguro — até que eu
tive uma crise e lhe pus, por telefone, a faca na garganta:
— Ouça! Tenho um menino de 11 anos comigo, não posso ficar andando pela cidade
inteira só porque está com medo da polícia. De uma vez por todas, diga onde podemos nos
encontrar ou vamos embora sem você.
Nunca tinha me perguntado por que Beckermann queria nos acompanhar. Dizia ter um
apartamento em Viersen, perto da fronteira holandesa, e achei que simplesmente procurava
nos ajudar. Nunca me passou pela cabeça morarmos juntos. Estava a ponto de explodir com
todos aqueles problemas e, francamente, achava bom não estar sozinha.
Beckermann finalmente foi nos encontrar na frente do cassino da Potsdamer Platz. Ou
melhor, seu meio-irmão Mustafa, pois Beckermann não tinha carteira. Mustafa precisou
cancelar as férias previstas com a namorada, em Maiorca, para, em vez disso, servir de
motorista numa caminhonete alugada e nos levar a Amsterdam. A namorada em questão
estava furiosa, como se pode imaginar.
A viagem durou exatamente sete horas.
Fugíamos há quase 24 horas quando Mustafa nos deixou na pensão que Beckermann e
eu havíamos encontrado dez dias antes, quando tínhamos vindo fazer os preparativos.
Na verdade, foi a proprietária da pensão que nos encontrou.
Uma mulher não mais tão jovem, bruta de aparência, mas mesmo assim simpática, nos
abordara na estação. Desde a Grécia conhecia esse tipo de atuação. Os helenos se plantam no
porto com cartazes e aos gritos: “Hotel! Hotel!”
Na maior parte do tempo são pessoas que não têm hotel nenhum, mas apenas alguns
quartos vazios à disposição e procuram ganhar algum trocado com isso. Na época, a mesma
coisa acontecia em Amsterdam.
Logo de início notei que tinha mudado completamente de atitude desde nossa estadia
anterior, duas semanas antes. Resmungava que estávamos fazendo barulho demais para tirar
as malas do carro e não imaginava que fôssemos trazer tanta bagagem. Tínhamos pegado
inclusive a televisão e o Playstation de Phillip, panelas e roupa de cama. Ou seja, a casa
inteira.
Mas, recebendo o dinheiro adiantado que dei, para seis noites, sua expressão acabou se
relaxando. Tínhamos reservado dois quartos, um com duas camas de solteiro e outro para
Phillip.
Eu só podia pagar em dinheiro vivo porque meu cartão de débito tinha sido bloqueado
desde que Beckermann fez um depósito de 300 euros, me reembolsando gastos da primeira
viagem a Amsterdam. Depois disso o banco me notificou que alguém proibido de fazer
operações financeiras tinha transferido dinheiro para a minha conta e que, para evitar que eu
fosse vítima de algum roubo, eu só poderia fazer retiradas me apresentando pessoalmente no
caixa, até receber um novo cartão pelo correio. Mas não pude esperar o cartão chegar. Por
precaução, saquei 5 mil euros que carregava comigo.
No banheiro do nosso quarto da pensão, enquanto escovava os dentes e lavava o rosto,
tive a impressão de sair da pior bad trip que já fiz, sem tomar drogas. Tínhamos conseguido
chegar até ali e atravessar a fronteira. Não poderiam nos pegar tão cedo. No momento em que
a água fria entrou em contato com minha pele, senti o ritmo dos meus batimentos cair.
Quem não tem filho não pode compreender.
Tirar o filho da própria mãe! É de enlouquecer.
Pirar para sempre. Meu garoto! Meu garoto, meu garoto! Posso ir a qualquer lugar, mas
não sem o meu garoto.
Beckermann não diminuía a pressão.
Insistia para que continuássemos até a Espanha: — Lá vai ser mais difícil nos descobrir
— alegava.
Para mim, no entanto, a Espanha era algo vago demais, desconhecido demais. Tenho
tendência a querer controlar tudo e estava fora de cogitação partir com meu filho para um
país estrangeiro em que nunca tinha pisado antes e cuja língua eu não falava. Então
continuamos em Amsterdam.
Mas os problemas estavam apenas começando. Meu dinheiro não parava de evaporar
misteriosamente. O tempo todo desapareciam notas, às vezes de 50, às vezes de 100, da
minha carteira. Beckermann insinuava ser o simpático grego do quarto ao lado que nos
roubava.
Soube depois que ele chegou a esconder o próprio porta-níqueis no quarto do rapaz
enquanto a camareira fazia a limpeza. E depois o acusou na minha frente de ser ladrão. Mas
eu sabia que o grego não era desonesto: estava em Amsterdam para responder a um processo
contra ele por ter batido, um ano antes, num carro holandês com uma moto alugada.
Poderia ter ficado em Atenas sem ir a Amsterdam. No entanto, estava ali — e de forma
alguma para roubar o porta-níqueis miserável de Beckermann.
A proprietária da pensão, uma velha alemã que tinha morado na região de Sonnenallee e
a deixara antes da chegada de Hitler, rapidamente começou a achar os três berlinenses um
tanto suspeitos. No quarto dia ela nos mudou de quarto: perdemos o que era ao lado do de
Phillip e fomos para o sótão. Aparentemente estava tão assustada conosco que havia chamado
alguém para protegê-la. De um dia para outro um sujeito grandalhão apareceu por lá e não
saiu mais. Talvez Beckermann a tivesse ameaçado, não sei.
A mim ele dizia apenas haver algo de errado com a velha, que parecia implicar conosco.
Desconfiava dela e do leão de chácara, que talvez eles tivessem roubado a nossa grana.
Na verdade, há tempos eu já não sabia mais em quem confiar. Quando, além de tudo, a
mulher veio dizer que 10 mil euros seus haviam desaparecido, nos acusou e nos expulsou da
pensão, eu já estava completamente esgotada.
Tínhamos deixado a Alemanha há apenas uma semana.
A proprietária não podia nos denunciar, visto que o dinheiro supostamente roubado não
fora declarado. Foi minha única sorte naquilo tudo. Estava desesperada, pois não tinha para
onde ir. Além disso, carregávamos uma tonelada de bagagem, não sobrava muito dinheiro e
eu não podia pagar 200 ou 300 euros por dia só para dormir.
Perguntei a várias pessoas, na estação de Amsterdam, se podiam me indicar alguma
coisa, e acabamos indo parar num camping perto do aeroporto de Schiphol, muito distante do
centro da cidade, num chalé de madeira.
Estávamos no mês de julho, mas fazia um frio de matar, e logo nos primeiros dias
começamos a ter problemas porque, em princípio, não se admitiam cachorros no camping.
Depois de conversar por horas com o vigia, acabamos combinando que eu deixaria Leon com
amigos em Amsterdam. Amigos que não existiam, é claro.
Eu devia morrer em 100 euros por dia para ter um quarto com beliche, nas quais
batíamos a cabeça o tempo todo. E mais 5 euros de aquecimento e 1 euro por pessoa para usar
o chuveiro. Então me adaptei e logo estava parecendo alguém que realmente acampa: calça
legging, cabelos presos e nada de maquiagem.
Beckermann reclamava e não deixava de repetir que eu estava me deixando levar. Ele
realmente me enlouquecia.
O dinheiro escorria pelos dedos e ao fim de quase quatro semanas restavam apenas mil
euros dos 5 mil iniciais. E Beckermann não queria participar de despesa nenhuma. Eu estava
à beira de uma crise de nervos, vendo que nada dava certo. Fui ver várias escolas para Phillip
e quase uma dúzia de apartamentos, mas sempre me diziam: “Por favor, primeiro resolva
seus problemas na Alemanha.” Graças à livre circulação na União Europeia, pode-se
facilmente declarar residência principal ou secundária na Holanda, é verdade, mas não sem
uma fonte de renda. Eu tinha alguém administrando minhas contas em Berlim, mas o que
fazer para resolver tudo rapidamente?
Levaria semanas até receber minha declaração de imposto de renda e extratos bancários.
Infelizmente não sei mexer no computador e também não queria que Beckermann
tivesse acesso. Se as informações chegassem a ele, eu com certeza estaria arruinada.
Sem um número de seguro social não era possível sequer seguir um programa de
metadona, e então fui obrigada a interrompê-lo. Sentia-me mal o tempo todo, suava muito,
tinha calafrios e estava deprimida. Parar com a metadona realmente não é nada divertido. Na
verdade, precisava com toda urgência procurar um médico, mas tinha uma única ideia em
mente: o que fazer para dar uma vida decente a meu filho naquele país? Não era possível
continuar daquela maneira!
Cada dia se passava sem novidade alguma, cada tentativa se concluía com fracasso — só
faltava uma coisa: não ter mais um tostão.
Tomei então uma decisão: precisava ir buscar dinheiro. Com o coração aflito, deixei
Phillip com Beckermann e comprei uma passagem para Berlim. Seis horas para ir, mais seis
para voltar e, entre elas, um pulo rápido no banco.
Voltei a Amsterdam com mais 3 mil euros.
Mais eram minhas últimas reservas, pois havia aplicado o principal a prazo fixo. Levaria
semanas até conseguir liberar uma soma maior.
Passei a esconder o dinheiro dentro da calcinha e dormia toda encolhida. Em posição
fetal, para que Beckermann não pudesse roubar o que restava. Realmente não sei como, mas
mesmo assim ele conseguiu. É verdade que naquele momento eu já não tinha muita noção do
que fazia: estava completamente tomada pelos problemas da abstinência e tão desesperada
que várias vezes corri à noite a Amsterdam para tomar uns gins-tônicas e comprar um pouco
de maconha e haxixe. Sem isso não teria aguentado.
Beckermann me assustava cada vez mais e passava o tempo todo me criticando. Para o
filho do rei da cocaína, o haxixe era uma droga de quem não sabia o que queria. A gente
brigava o tempo todo por isso. Eu estava tensa todas as horas do dia: tinha medo da polícia,
de Beckermann, de perder a guarda do meu filho.
Tendo em vista nossa situação, pouco a pouco também me conscientizava de que, para o
meu filho, talvez fosse melhor estar em qualquer lugar, menos comigo.
Certa noite, depois de uma áspera discussão porque, pela enésima vez, eu dizia que ele
tinha que me ajudar com a grana — o que lhe parecia absurdo, pois, afinal, era do meu filho,
do meu cachorro e da minha fuga que se tratava, sendo tudo culpa minha —, Beckermann
finalmente saiu fora. E quando, não muito tempo depois, vi que não tinha mais um tostão, ou
quase, joguei a toalha.
Liguei para Thorsten, disse onde estava, contei os problemas que tinha e que estava
voltando para Berlim. Finalmente entendi o que significava ter sequestrado meu filho.
Enquanto tudo não estivesse acertado, eu não tinha como construir para ele uma
existência normal. Nenhuma escola, nenhuma repartição pública, nenhum proprietário de
imóvel nos aceitava.
Meu único objetivo passou a ser tentar convencer o serviço de apoio à infância de
Potsdam-Mittelmark a não tomar meu filho, e estava certa de que me entregar pesaria a meu
favor.
Enquanto isso, deixei de atender as chamadas de Beckermann, que ligava para o meu
celular quase que de hora em hora. De táxi, levamos todas as nossas coisas à estação e, no
final da tarde, seis semanas depois de fugir da Alemanha, estávamos num trem para Berlim.
Com as passagens no bolso, restavam ainda 7 euros e 50 centavos.
— Não saia daqui, Phillip, vou ver no vagão-restaurante o que posso comprar com isso.
Quem sabe um chocolate e uns pãezinhos — disse a ele, depois de atravessada a fronteira,
sentados nas nossas poltronas.
Há semanas não conseguia engolir nada.
Com o estresse e a falta da metadona, meu estômago estava revirado: passei de 66 a
apenas 47 quilos.
Mas se tratando do meu filho, podia ter a energia de uma leoa! Antes de ir ao vagão-
restaurante, expliquei a Phillip que não atendesse meu celular, pois poderíamos ser
localizados. Mas mal saí, Beckermann ligou pela 34a. vez e Phillip quis pôr os pingos nos is:
— Não vamos mais ver você!
Procurava apenas me proteger.
Quando notei quatro policiais de pé na plataforma da estação de Wuppertal e os vi
subindo em seguida no trem, soube imediatamente o que procuravam e que era o fim.
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Eu, Christiane F., A vida apesar de tudo
Non-Fiction13 ANOS, DROGADA, PROSTITUíDA. MAS E DEPOIS, O QUE ACONTECEU? A história de Christiane F. deu a volta ao mundo. Milhões de pessoas cresceram com as confissões dilacerantes da adolescente alemã de 13 anos, drogada, prostituída. Mas e depois disso, o...