Aparentemente os funcionários do serviço de apoio à infância acharam que havia alguma
escassez de droga em Berlim e que por isso eu tinha ido a Amsterdam, para poder continuar a
me drogar com maconha, heroína e haxixe.
— Se realmente fosse o que queria — disse mais tarde à imprensa —, teria ficado em
Berlim. Ou ido a Hamburgo. São lugares em que posso ter quanta droga quiser, a qualquer
hora do dia. Não precisaria ir a Amsterdam!
No fundo, eu é que tinha me atolado na merda sozinha.
Mas não deixei que tomassem meu filho sem reagir.
Era pouco depois de meia-noite quando nos fizeram descer do trem. Começaram
revirando as cinco malas que eu carregava e havia arrastado sozinha pela cidade: pegava duas,
depois mais duas e, em seguida, meu filho e a última. Não resisti, mas foi, de qualquer forma,
uma cena terrível. Phillip chorava loucamente, se contorcia e se agitava, pedindo aos policiais:
— Só cinco minutos, por favor!
Dois dos quatro policiais também se desmancharam em lágrimas. Era horrível, o menino
estava morto de medo. Um dos homens pegou-o pela mão. Abaixei-me, olhei Phillip bem nos
olhos, dei o chocolate que tinha comprado e disse:
— Fique tranquilo, logo vamos estar em casa. Por enquanto esses homens vão tomar
conta de você porque mamãe tem algumas coisas a fazer, mas tudo isso logo vai acabar.
E nos levaram à delegacia para o interrogatório. Phillip foi enviado a um serviço de
recepção emergencial para crianças. Levaram junto seu Game Boy e o celular. Tivemos que
nos separar. Muitos anos depois, foi ele que me contou, pois até hoje não sei exatamente o
que aconteceu naqueles dias. Ficou trancado por quatro dias, até que Thorsten, o assistente
familiar de apoio à infância de Potsdam-Mittelmark, enfim tivesse tempo de ir buscá-lo.
Enquanto isso, depois do interrogatório, quiseram me mandar embora. Implorei: para
onde iria? Não tinha um centavo! Já era tarde da noite. Então me levaram, com minhas cinco
malas e Leon, meu cachorro, até um abrigo de sem-teto, onde pude dormir três horas. De
manhã, consegui que um funcionário me emprestasse 10 euros, deixando minha bagagem de
garantia.
Em seguida fui procurar o banco mais próximo e pedi por telegrama uma remessa de
dinheiro pelo correio. Não tinha sido possível em Amsterdam, mas eu agora estava em
território alemão, na Renânia do Norte-Vestfália. Eram onze da manhã, em duas horas teria
meu dinheiro. Enquanto isso, com as últimas moedas que tinha, quis comprar uma
garrafinha de vodca. Mas faltavam 50 centavos e expliquei ao proprietário da loja: — Não
estou me sentindo bem, me separaram do meu filho hoje à noite. Preciso muito beber alguma
coisa.
Ele imediatamente abriu mão do que faltava, mas voltei quando meu dinheiro chegou.
Foi com prazer que paguei o que devia, pois, sinceramente, quem hoje em dia aceita dar
gratuitamente alguma coisa a alguém?
O lojista foi realmente uma boa pessoa e, certamente, o único a confiar em mim.
Aproveitei para comprar uma garrafa grande de vodca e uma caixa de suco de laranja.
Chovia a cântaros em pleno mês de julho. Não tinha mais a menor importância. Protegi-
me debaixo de uma árvore do jardim sob o metrô aéreo de Wuppertal. Leon e eu estávamos
molhados até os ossos, mas eu não estava nem aí. Como uma sem-teto, me agachei ali e,
tranquilamente, bebi um copo atrás do outro de vodca com suco de laranja, num recipiente de
papelão branco.
— Acabou, está tudo acabado — dizia a mim mesma. — Tudo aquilo para nada.
Ninguém vai te ouvir. Fez tudo errado.
Tinha vontade de morrer. Depois me reanimei: não, Phillip está me esperando em algum
lugar. Comecei a fazer planos: e se fosse buscá-lo? Se o sequestrasse de novo?
Mas o que faria em seguida? Acabei voltando ao abrigo de sem-teto e chamei um táxi que
nos levou, Leon e eu, à estação com toda a minha bagagem. À noite, já em Berlim, enfiei as
malas em guarda-volumes na estação central e saí em busca de heroína. Umas horas mais
tarde eu estava de novo mergulhada na droga. E por um bom tempo.
Perdi todo o controle. Chorei tanto que tive que ficar em casa por semanas inteiras. Meus
olhos ficaram tão inchados de chorar e não dormir que tinha vergonha de sair. Só juntava
coragem à noite, quando não via mais jornalistas na minha porta, para comprar tabaco, álcool
e heroína. Desde o nascimento de Phillip eu não havia chegado perto de uma seringa. Aquele
menino era a minha vida, eu não faria nada daquilo com ele por perto. Mas tinham-no levado.
Meu peito doía muito forte, como se fosse explodir. Estava cheio de raiva e desespero e,
ao mesmo tempo, com uma sensação de vazio inimaginável. Raciocinava tentando me
acalmar e resolver a situação. Quem sabe poderia convencer o serviço de apoio à infância.
Quem sabe me devolveriam meu filho.
Mas logo em seguida tinha consciência de não poder fazer nada e me desesperava.
Depois de tantos anos consumindo muito pouca heroína, botar para dentro uma alta
dosagem de uma só vez pode matar uma pessoa. Não via mais motivo algum para continuar
aguentando. Não conseguia mais dormir nem comer. Nem sei se me banhava naquele
período. Quando não estava deitada num canto, completamente arrasada, andava de um lado
para outro do apartamento, até não saber mais se eram seis horas da manhã ou da tarde.
Na longa lista de decisões idiotas que tomei, voltar à heroína foi a pior de todas. Um dia,
Kai Hermann, um dos autores de Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída… me disse:
— Se for capaz de dar uma amostra limpa de urina, podemos contestar a decisão do serviço
infantil e processar a imprensa em seguida.
Mas eu estava impossibilitada de fazer qualquer coisa.
Por dias inteiros jornalistas sitiaram meu apartamento em Teltow. A Spiegel TV
permaneceu de plantão por três dias, puxando inclusive eletricidade da casa de vizinhos.
Os repórteres se informavam com moradores do edifício e esperavam qualquer saída minha
para apontar as malditas máquinas fotográficas no meu rosto inchado de lágrimas e drogas,
perguntando como eu me sentia.
Como me sinto? Estão debochando de mim ou esses babacas são realmente idiotas?
Como se sente uma mãe a quem acontece o que de pior pode acontecer? Porra, por que
ninguém perguntava o que podia fazer para me ajudar?
Estava tão transtornada com aquela cambada de jornalistas que um dia, saindo, esqueci a
carteira com o dinheiro em casa. Só percebi na rua. Foi preciso dar meia-volta e passar de
novo diante deles, que me olhavam como abutres. Não estavam nem aí para mim e meu
sofrimento. Queriam apenas registrar para a eternidade uma imagem minha chegando ao
fundo: “Christiane F. perdeu o filho para sempre”, ou “Christiane F. volta a mergulhar no
inferno das drogas”, eram as manchetes. O que realmente tinha acontecido não interessava a
ninguém.
Ainda hoje não consigo aceitar que tenham tirado meu menino. Sou covarde demais para
me suicidar, mas desde então minha vida parou. Tirar o filho de alguém é como arrancar seu
coração e matar a alma, sem concluir o trabalho. Você se torna um invólucro vazio, e os
únicos sentimentos que ainda consegue ter são a carência e a tristeza. Todos os meios servem
para te imbecilizar. Todos.
Foi idiota da minha parte ter voltado à heroína. Com isso perdi qualquer possibilidade de
recuperar a guarda e o direito de que meu filho morasse comigo. Nada disso estava muito
claro, ninguém havia realmente explicado e, de qualquer forma, nada mais importava.
Que mãe consegue se manter calma e agir racionalmente numa situação assim? Estava
no fundo do buraco, achava ter perdido tudo para sempre. Havia-se construído uma imagem
da mãe que eu era e, de qualquer maneira, não tinha como mudá-la.
Acho que a imprensa teve realmente uma parcela de culpa nisso. Escreveu que eu tinha
alcançado o nível mais baixo possível, sendo minha fraqueza com as drogas a causa de tudo.
Senão, qual seria o outro responsável? Ou quem? Ou seja, é evidente, não é?
Eu era mãe, não ia me afundar de novo.
Mas coisas assim não interessam! Nem à minha própria mãe. Ela aceitou expor meu
sofrimento numa entrevista em seis partes ao Berliner Zeitung, e foi como eu soube, no exato
momento em que perdia meu filho, que minha mãe não queria mais ser minha mãe. E que
inclusive disse à jornalista:
— Nada do que posso controlar e resolver por conta própria me assusta. Sempre me
esforcei para ter em mãos minha vida, tentando usufruir o máximo, e consegui. Exceto com
Christiane. Com ela fui atropelada sem ter nada que pudesse fazer. Não é ótimo, mas é como
são as coisas. Sou obrigada a aceitar.
Pensei: “Será que entendi errado? Tudo gira sempre ao redor dela! Está pouco se
importando que a filha esteja no fundo do poço. E pra piorar ainda dá a todo mundo a
impressão de que sou um fardo contra o qual ela nada pode e que destrói a sua vidinha
absolutamente perfeita. Inacreditável!”
E uma vez mais fez a caveira do meu pai — trinta anos depois do livro, continuava a
contar, a torto e a direito, como ele batia nas filhas, e como uma vez tentou jogá-la do
19o. andar.
— Chega um momento em que não dá mais — fui informada através da Berliner Zeitung
—, eu queria te ajudar, mas, após tantos anos, sinto-me completamente incapaz.
É como estava escrito e foi a última coisa que minha mãe me disse.
E Beckermann quis também se aproveitar e vendeu informações à imprensa.
Deu entrevistas e espalhou mentiras a meu respeito em todas as mídias possíveis e
imagináveis.
Pelo que soube, a maioria dos jornalistas não lhe pagaram nada, mas os absurdos que
contou foram impressos. Inventou que vivíamos como casal e que eu teria “pisado na bola”
em Amsterdam, deixando meu filho “às soltas por dias inteiros”.
Desde o início tinha armado o seu jogo: o depósito que fez na minha conta e bloqueou
meu cartão de débito deu a ele acesso às minhas informações bancárias. Nos dois últimos
meses ele se servira copiosamente do meu dinheiro.
Como com suas demais vítimas, havia encomendado em sites de venda objetos que
revendia. Trinta mil euros foram sacados para pagar um monte de material eletrônico.
Rapidamente contratei um advogado, sócio do conselheiro jurídico de um bom amigo
meu, e que em seguida também me representou junto ao serviço de apoio à infância, além do
processo contra Beckermann. Fui reembolsada, mas no final tudo me custou ainda mais caro.
Não consigo entender por que esse cara não é perseguido pelos delitos que cometeu.
Graças a meu advogado, não recebo mais cobranças, mas nunca reavi os 30 mil euros. Certas
pessoas têm o direito de fazer o que é proibido. Foi o que infelizmente acabei compreendendo
ao longo dos meus 51 anos de existência.
Beckermann acha que sou completamente estúpida. No momento em que entrou na
minha vida, eu tinha preocupações demais para perceber quem ele realmente é. Pois mesmo
depois de me fazer passar tudo aquilo, teve a cara de pau de me mandar uma carta da prisão,
em dezembro de 2008.
Só que ele foi o idiota, fazendo confissões por escrito, sem se dar conta: “Fui pego. Há
quatro semanas estou de novo na prisão de Wuppertal.” É como começa a carta, que
continua: “Como sei que não é rancorosa, espero que perdoe meus erros.” E mais adiante: “…
sobretudo minhas falcatruas financeiras.”
Foi graças a isso que meu advogado conseguiu que eu não arcasse com outras dívidas.
Mas Beckermann não pagou pelas fraudes das quais fui vítima; estava na prisão por outro
motivo, e ainda tentava me comover.
Um cara que arruinou minha vida. Devia se dar por satisfeito: melhor para ele que eu o
ignore!
Mas é algo que ele, evidentemente, não suportou. Na primavera seguinte enviou outra
carta que não respondi. Para mim, é como se estivesse morto. Chegou inclusive a dar meu
endereço a outro preso. O sujeito me escreveu dizendo ser meu fã.
Infelizmente, Anna também foi vítima de suas mentiras. Certo dia recebeu um
telefonema dele dizendo que eu estava muito doente e que fora obrigado a telefonar da minha
parte para pedir dinheiro. Anna só me contou isso mais tarde, quando me procurou ao saber
pelos jornais o que havia acontecido. Na época, tudo que fiz foi chorar, contando minhas
desgraças, e nem perguntei quanto havia enviado ao canalha. Também sequer me preocupei
em saber como estava. Novamente, só pensei em mim e nos meus problemas.
Como da última vez, numa ocasião em que precisei com urgência de muito dinheiro.
Ligar para Anna foi a única ideia que me veio à mente. Quando, do outro lado da linha, ela
disse que encontraria alguém para fazer a transferência em seu lugar, porque não podia mais
sair de casa, a ficha devia ter caído para mim. No entanto, isso não aconteceu; estava
preocupada demais pensando em mim, como sempre. E Anna já estava gravemente doente.
Lamento infinitamente não ter podido me desculpar nem agradecer de verdade. Anna
morreu em 2010. E Daniel se foi um ano depois.
Certa manhã, recebi uma correspondência avisando que tiravam de mim a guarda do
meu filho e o direito de tê-lo em casa. O processo aconteceu alguns dias depois e durou no
máximo meia hora. Meu advogado fez o que pôde, mas ele também não é nenhum Rolf Bossi,
o midiático advogado alemão. Além disso, eu voltara a me afundar nas drogas e com
isso estupidamente estraguei qualquer possibilidade de reaver meu filho.
Fui idiota, incrivelmente idiota, e talvez tenha mesmo merecido tudo o que aconteceu.
Tendo-se resolvido que Phillip não voltaria para casa e iria morar com uma família que o
aceitasse, deram-me o direito de ir vê-lo no serviço de apoio à infância, de duas em duas
semanas, para começar. Ficamos sentados com oito pessoas em volta, sem que eu tivesse a
menor ideia de quem eram. Pensavam, é claro, que eu fugiria com ele se não me vigiassem.
E era o que teria feito! Teria ido para a Tailândia ou coisa assim, do outro lado do mundo.
Mas naquele momento não era mais possível.
Se quisesse passar algum tempo com meu filho, não havia escolha: tinha que ficar
plantada ali, no meio daqueles olhares, num cômodo vazio.
Choramos uma imensidão nas primeiras semanas de separação.
Para ser franca, confesso que fumava sempre um pouco antes de ir, só para ficar um
pouco mais calma. Porque naquele tempo estava completamente fora da realidade. Mas só
fumava um pequeno baseado antes para que ele não visse o quanto eu estava mal.
De qualquer forma, quando ele entrava na sala, as lágrimas inundavam meu rosto. Com
Phillip acontecia o mesmo. O pior naquilo tudo era que nele a tristeza se misturava à raiva —
raiva de mim.
Para ele, o que havia acontecido era culpa minha. Nunca disse claramente, mas sei que
ainda hoje ele se pergunta por que o fiz passar por tudo aquilo. E tem todo direito. Por minha
causa teria que morar com desconhecidos, se acostumar com outra escola e encontrar novos
amigos. Nunca vou me perdoar por isso. E nem ele.
É claro, estava fora de cogitação ficar de braços cruzados. Fiz tudo que o serviço de apoio
pedia. Dentre as muitas obrigações, devia retomar o programa com a metadona. Segui-o
durante o ano inteiro, com bons resultados, sem nunca reclamar, para que no final Phillip
pudesse novamente me visitar em Teltow, primeiro somente durante o dia e depois pelo fim
de semana inteiro.
Na época não pude escolher para onde Phillip iria, mas sei que deu sorte com a família
com que esteve desde então. Primeiro fiquei aliviada de ver que não o enviaram para uma
família normal, que teria dito: — Aqui as coisas não são como está acostumado, terá que fazer
assim ou assado.
Phillip mora com cinco outras crianças entregues a uma família em Brandeburgo, os
Peters. Tirei um peso das costas quando vi que poderia continuar dando palpites e ter um
papel em sua vida. Se meu filho um dia me dissesse: “Você não é mais minha mãe, ela é”,
ficaria com o coração partido. Isso me destruiria completamente.
Os Peters são gentis. Entramos em acordo quanto a certos pontos da educação e decisões
a tomar. Por exemplo, os projetos e as viagens escolares de que ele poderia participar ou
coisas que poderia comprar.
Creio que são educadores, provavelmente aprenderam e foram formados com essa
finalidade, não sei bem. Têm amor a dar e vender e não são frios como as pessoas do serviço
de apoio à infância.
As outras crianças também são adoráveis.
Desde o início, Phillip se relacionou com Maya — claro que não num sentido sexual,
tinham só 12 anos. Entendiam-se bem e se sentiam próximos um do outro. Nesse primeiro
momento, ficou muito afetado pela minha ausência. Precisava de pessoas a seu redor, é
compreensível, era apenas um menino.
Maya não tem pais, uma história terrível. O pai e a mãe morreram num acidente quando
era recém-nascida. Ao chegar à casa dos Peters ainda engatinhava. Acho que não tinha irmão,
irmã, nem parentes próximos que cuidassem dela. Pelo que entendi, as outras crianças vão
para a casa de suas famílias no fim de semana ou nas férias, e apenas Maya continuava com
os Peters.
Há não muito tempo, duas crianças difíceis que machucavam as outras, brigavam e
quebravam tudo tiveram que deixar a casa, e os Peters receberam dois bebês para cuidar: uma
menininha de 1 ano e o irmão de 2. A mãe era gravemente alcoólatra e tinha inclusive bebido
durante a gravidez.
Aparentemente as duas crianças não tiveram sequelas físicas, mas guardaram marcas
psicológicas. Um dia, por telefone, perguntei ao pai adotivo de Phillip como estava, pois pela
voz parecia exausto, e ele disse que quase não dormia mais, por causa das duas crianças
pequenas que choravam o tempo todo. Meu Deus, elas realmente davam pena.
Há também Steffi, que acabou de completar 18 anos, mas as crianças não são obrigadas a
irem embora assim que atingem a maioridade.
E o pequeno Benjamin, com apenas 10 anos, para quem Phillip é como um irmão mais
velho.
Os dois dormem no mesmo quarto e se entendem bem. Quando tem um problema,
Phillip dá todo apoio a Benjamin, mesmo que às vezes também se irrite. A verdade é que o
menino não é dos mais espertos, pois a mãe também continuou a beber durante a gravidez.
Fica o tempo todo na cola das pessoas puxando-as pela manga para lhes dizer: “Não
tenho nada pra fazer.”
Mas Phillip é muito paciente com ele. Nisso ele é melhor do que eu, que faria um
escândalo se alguém, às seis da manhã, derrubasse uma caixa de Lego no meu quarto, com a
barulheira que isso faz. É claro que meu filho não adora ser acordado assim, mas diz:
— De qualquer maneira eu já ia acordar, mamãe. Que importância tem?
Os dias são tremendamente longos. Phillip leva quase uma hora e meia de ônibus para
chegar à escola em Potsdam e muitas vezes só volta para casa às seis da tarde. Além do mais,
acha a escola horrível.
Queixa-se da organização catastrófica e dos professores que se acostumaram a só dar
aula para uns poucos alunos, já que o restante, de qualquer forma, não ouve o que se diz. Em
vez de tentar tornar as aulas mais interessantes, preocupam-se apenas com os alunos que as
acompanham.
Fica então cada vez mais difícil para os outros pegarem o bonde andando.
— Um monte deles tem pais ricos que pagam por aulas particulares depois do horário —
explicou Phillip, e isso é preocupante.
O serviço de apoio à infância, que remunera a família adotiva, não dá dinheiro extra para
aulas particulares. Por isso propus pagar, se ele
prometesse passar menos tempo no computador.
Pago também intercâmbios ou outras coisas que o façam aprender se divertindo. São
despesas não previstas no orçamento dos Peters, que não recebem tanto para criar seis
crianças. Na verdade, é vergonhoso, pois assumem enorme responsabilidade.
De qualquer maneira, há pouco tempo Phillip partiu para o País de Gales por dez dias,
com um pequeno grupo da escola, em intercâmbio.
Podia escolher se ia participar, não era uma viagem escolar tradicional, mas Phillip
queria melhorar o inglês e achei bom. É claro que custou 700 euros, mas, se não fizer isso por
ele, por quem mais faria? Fico muito feliz de ainda poder fazer esse tipo de coisa!
Phillip ainda não se interessa muito por meninas, acho. Ou então não diz. Não falamos
de meninas quando conversamos. Eu mesma acharia estranho. É esquisito falar de coisas
assim com a própria mãe. Além de pescar, ele adora informática, jogar e navegar na internet.
No início fiquei preocupada, vendo-o o dia inteiro grudado no computador e no celular.
Depois, pouco a pouco, ele me explicou e mostrou o que fazia. Continua jogando on-line
com amigos mesmo quando está na minha casa em Teltow.
Com a internet, os jovens estão ligados entre si, conversam e jogam em tempo real.
Claro que não é como antigamente, quando tínhamos tabuleiros de damas ou bolinhas
de gude para brincar com outras crianças, mas, afinal, mantém-se o contato com os amigos.
Acho bom. Sempre tive medo de que se tornasse um solitário, mas, pelo contrário,
vendo-o jogar, acho que realmente tem espírito de equipe.
Pensando em tudo isso, dei-me conta de uma coisa: mergulhar nos jogos é uma espécie
de terapia para ele. Testa seus próprios limites, se exprime e cria coisas. Para os meninos em
particular, é importante poder criar algo. Faz com que se tornem melhor em estratégias e se
exercitem em história e ciência política. Pois nesses jogos de computador fala-
se frequentemente de história colonial, de grupos religiosos ou de economia planificada. Ele
até ganha dinheiro, jogando no computador.
Recebe apenas 25 euros por mês do serviço de apoio à infância, para despesas pessoais.
Não é muito para um rapaz de 17 anos. É verdade que tem tudo de que precisa e pago sua
conta de celular. Mas todo o material que é necessário para jogar no computador custa uma
grana. E ele persistentemente economizou por anos para juntar os 600 euros que custou o
seu computador. Mas deu um basta, achando que aquilo estava tomando tempo demais.
E começou a oferecer ajuda aos vizinhos da família adotiva e a um clube de terceira idade não
muito distante, ensinando a usar computadores e a navegar na internet. Para ganhar algum
dinheiro. Com isso, há pouco tempo pôde dar a sua mãe adotiva um celular de segunda mão,
com acesso à internet, que custou 80 euros.
— Novo, teria custado 500 euros — contou, cheio de orgulho.
Atualmente, economiza para comprar um notebook e passa um tempo enorme se
informando sobre qualidade e preço. Fico contente de ver que administra bem o dinheiro que
tem. Ganha também uns trocados escrevendo críticas de jogos on-line. Não tenho ideia do
que tanto interessa os jovens, mas aparentemente há na internet um importante mercado
para jogos comentados. Pelo menos é o que Phillip diz.
O que acho bom é que, jogando, ele fala de mil coisas e não somente da partida. Não sei
quem se interessa e paga por isso, mas, segundo ele, pagam 4 centavos de euro por cada
seguidor. Phillip sonha em ser como os jogadores profissionais, com 150 mil ou mais
seguidores. Esses, sim, fazem um bom dinheiro.
Ele ganha apenas mixarias, mas aproveita também para botar coisas para fora. Durante a
partida, fala-se de tudo que passa pela cabeça.
Há pouco tempo, enquanto jogava, contou estar irritado por não ter sido eleito
representante dos alunos no colégio. Ele já é delegado de turma, mas queria muito ser
representante dos alunos também. E foi o outro delegado de turma — no colégio eles são
sempre dois — que afinal foi escolhido.
Aparentemente o representante dos alunos que deixava o cargo fez mil elogios ao outro
candidato em seu discurso de fim de mandato.
Phillip achava que até então tinha mais intenções de voto, mas muitos alunos votaram
no outro, já que o ex-representante o apoiava.
Ficou realmente decepcionado, estava supertriste. Pois queria fazer um monte de coisas
na escola. Por exemplo, mobilizar os colegas para pedir aulas melhores aos professores. Aulas
que fossem divertidas e instrutivas ao mesmo tempo. Achava a sua a “pior escola de
Potsdam”. Era o que sempre dizia.
Há pouco tempo se irritou por causa de uma nota baixa em matemática. Quando me
contou, achei mais do que razoável e ele continuou furioso:
— Mamãe, ninguém teve nota melhor.
Realmente ninguém. Ou a prova era difícil demais ou o professor tem alguma coisa
contra nós.
Como não foi eleito representante dos alunos, postulou transferência para um centro de
formação profissional, que funciona apenas em Brandeburgo e em Berlim.
São estabelecimentos que oferecem especialização em determinada profissão, mas nos
quais se pode também fazer a prova de admissão às faculdades. Phillip estava no intercâmbio
ao País de Gales quando chegou a confirmação.
Por Deus, como ficou contente quando contei a ele!
Depois me disse que pensava permanecer com os Peters até os 20 anos de idade.
Reclamei:
— Que belo projeto! Viver à custa do Estado sem precisar fazer nada.
Mas ele se justificou:
— Muitos pais estariam bem contentes de ver o filho ter um aprendizado assim. Mas é
impossível trabalhar ao mesmo tempo.
Não pude negar que tinha razão. Ele sabe o que dizer para me convencer nesses casos.
Para não fazê-lo trocar mais uma vez de escola, não fiz nada para que voltasse para casa
quando recuperei o direito, em 2010. Pois agora inclusive acho que as coisas estão bem, da
maneira como se encaminharam. Os Peters oferecem vantagens que não tenho como
oferecer. Para começar, fazem com que ele aprenda a cuidar dos outros, dos irmãos e irmãs
menores na família adotiva.
Mesmo sem ser perfeito, pois ninguém é, Phillip é um ótimo menino. Confesso, porém,
que de vez em quando realmente me dá nos nervos. Por exemplo, quando não consigo fazer
com que ponha o nariz fora de casa, estando aqui.
Quando ligo a televisão, acabo sempre vendo documentários — sobre países, animais,
viagens. Já ele, só assiste a programas totalmente idiotas. Ou comédias. Adora rir.
Antes, era obrigada a uma vez por semana ver com ele um programa tipo
videocassetadas, mas achava engraçadas as situações com crianças e animais.
Frequentemente leio biografias. A vida me interessa. Gosto de saber como as pessoas
funcionam. E fico contente de ver que Phillip também está lendo. No momento da separação,
com todos os problemas pelos quais passou, ele se refugiou no mundo dos livros. Leu os sete
volumes de Harry Potter, todos muito rapidamente.
Não leu Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída… Para quê? Os Peters e eu
conseguimos uma dispensa da aula quando a professora de alemão teve a ideia, para nós não
muito apropriada, de falar do meu livro em aula — era dispensável ouvir os colegas dizerem o
que pensavam de sua mãe. E como ele poderia analisar o livro objetivamente?
Realmente falta sensibilidade a certas pessoas que lidam com crianças!
Mas contei a Phillip tudo que há no livro. E ele sabe, evidentemente, o que se passou
entre o seu pai e eu. Não é nenhum idiota. Sempre tomei o cuidado de tratá-lo como alguém
inteligente, pois Phillip merece. Sempre mereceu que eu fosse sincera com ele.
A última vez que esteve aqui, eu me sentei atrás dele no colchão e alisei seus cabelos.
Depois contei que sua mãe não duraria mais muito tempo e que queria tornar os
momentos que passávamos juntos os mais bonitos possíveis.
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Eu, Christiane F., A vida apesar de tudo
Non-Fiction13 ANOS, DROGADA, PROSTITUíDA. MAS E DEPOIS, O QUE ACONTECEU? A história de Christiane F. deu a volta ao mundo. Milhões de pessoas cresceram com as confissões dilacerantes da adolescente alemã de 13 anos, drogada, prostituída. Mas e depois disso, o...