"Nada parece machucar mais do que o sorriso em seu rosto (...). Eu não estou tranquila. Continuo te observando de perto. Estou rezando para te pegar sussurrando e para você me pegar escutando"
– Beyoncé (editado)
Eu acordo abruptamente e analiso o ambiente onde estou. Percebendo que é o meu quarto, eu deixo meu corpo relaxar sobre a minha cama e agradeço aos céus por estar aqui, em casa. Sinto minha cabeça doer e isso me motiva a levantar e procurar o banheiro, o que me faz descobrir que eu estou sem roupa. Busco e visto a primeira calça de moletom que eu acho, tentando ser o mais rápido possível com mil teorias na cabeça de como eu acabei ficando desnudo. E percebo, antes de sair, que o quarto está organizado. Não fiz bagunça dessa vez, isso é bom.
Adentro o banheiro e depois de urinar, olho para o meu reflexo no espelho acima da pia. Meus olhos castanhos estão vermelhos e com alguma sujeira, meu rosto está amassado e isso desvaloriza minha pele negra, mas, aparentemente, estou ileso. Lavo meu rosto e escovo os dentes indo para a cozinha logo após.
— Oi, neném. – Digo com um sorrisinho.
Desta vez não temos uma grande produção, mas isso não quer dizer que esteja ruim, pelo contrário, sem o Cássio, todas as manhãs seriam sem café e isso as tornaria ruins. Mas lá está ele concentrado em não derramar o café no fogão, na mesa temos pães e alguns recheios como manteiga, geleias, queijo e presunto.
— Oi. – Ele me responde desanimado e sem olhar para mim enquanto passa o café.
— Está tudo bem? – Me sento a sua frente e pego um pão, pondo o recheio favorito dele, pois quero mimá-lo. Ele vê isso e sorri, o que me deixa menos preocupado.
— Na verdade... não. Você lembra de alguma coisa de ontem? – Ele pergunta pondo a garrafa de café na mesa e as nossas xícaras. Ele estabelece contato visual.
— Claro. – Sorrio para ele e ele entende que eu não estava levando a sério sua pergunta. — De ontem a noite, eu lembro até a parte em que eu apaguei. — Ele revira os olhos.
— Eu estou falando sério, Ju! – Fico confuso com sua falta de humor, por isso acho melhor ser honesto e direto.
— Eu lembro até a hora em que você foi falar com aquele cara lá. – Digo sem muita emoção na voz, como quem conta algo cotidiano.
Ele fica calado e nem toma seu café ou morde seu pão com geleia de goiaba.
— Sabe, você pode me falar para eu não ficar tão preocupado. – Digo um pouco divertido ainda, mas não surte efeito nele. — Eu dei trabalho? – Agora sim pareço ter acertado o ponto certo, pois ele ri.
— Não, não. Você foi um bêbado bonzinho. Na verdade, nem parava de chorar e de falar do Lucas, como sempre, né? – E sinto que meu menino está de volta, então, relaxo um pouco mais enquanto sorrimos. — A parte que me deixa preocupado é o porquê você se embebedou dessa maneira. — Ele sustenta o meu olhar e eu faço um esforço para lembrar. Sua expressão é de medo e isso me faz sentir o mesmo, principalmente quando me recordo do seu estado quando me encontrou.
— Eu fiquei triste. – Começo, tentando analisar bem a maneira como ele reage ao meu lado da história. — Não porque o cara deu em cima de você...
— Você viu o que ele fez? – Ele me interrompe parecendo estar em um turbilhão de emoções e isso tudo o deixa ansioso e desconfortável.
— Ele parou de olhar para mim e ficou te secando. Ele fez algo a mais? – Digo, começando a ficar muito preocupado agora.
— Depois eu conto. – Ele diz, parecendo levemente aliviado, mas em seu rosto ainda há preocupação, medo e tristeza. — Continua. O que te fez ficar triste?
Hesito um pouco, mas o encaro bastante antes de responde-lo, para alertá-lo de que não esquecerei do "depois".
— Eu fiquei triste pelo o que eu pensei. Eu lembro de começar a achar que só o Lucas fosse me querer em toda a minha vida, porque, bem, quando eu estou do teu lado, ninguém me olha. – Um sorriso desanimado brota no meu rosto e meu amigo balança a cabeça em negativo. — Eu sei que não é legal pensar por esse ângulo, mas aconteceu e eu já estava muito tonto, então resolvi desgraçar tudo logo. – A gente ri disso, mas não demoro muito a ficar sério. — O que que aquele satanás fez contigo?
Ele fica meio hesitante e parece se concentrar para falar, pois observa sua xícara por bastante tempo e respira fundo várias vezes.
— Ele tentou me forçar a ficar com ele. – E como prova, ele mostra seu braço direito onde, no pulso, há um hematoma com formatos que lembram dedos. Cássio é branco e sua pele se irrita fácil, mas o roxo que eu estou vendo me deixa preocupado e com raiva ao mesmo tempo. Aquela escória humana havia usado muita força para fazer isso. — Eu cheguei para falar que você queria ficar com ele, mas ele disse que queria ficar comigo e já começou a me agarrar e me apertar e tentar me beijar a força. Eu não queria. – Eu o olho nos olhos e imagino a cena, ficando com raiva de mim mesmo por não ter estado lá para ajudar meu melhor amigo. Essa sensação de impotência não é nova para mim. — Graças a Deus, as manas que estavam por perto perceberam que eu não estava confortável com a situação. – É inevitável não sentir raiva dos seus eufemismos nessa hora. — Elas me ajudaram a me livrar dele. Eu já estava gritando! – Ele sorri, irônico. — Mas aí eu fui te procurar e não te achei. Achei que tivesse visto a cena, sabe? Fiquei com medo de você dizer que fui eu quem procurei ou que eu estava te traindo... sei lá! Você sumiu! – Ele está chorando e eu não me contenho. Me levanto e dou colo para ele, abraçando-o forte e chorando junto.
— Se você diz que não – digo soluçando, mas me afasto com carinho dele e o faço olhar para mim. — O imbecil, qualquer que seja, tem que entender que é não! Lembra? – Ele assente. — A culpa nunca vai ser sua. – E volto a abraça-lo.
Pode parecer besteira para quem nunca viveu isso, mas não se trata de uma questão física. Ter sua dignidade e seu direito de escolha roubados ferem mais que a nossa integridade, ferem a nossa alma.
———
Pela manhã, quando acordo, pego o meu celular para atualizá-lo, pois passei o sábado em off-line ajudando o meu bebê a se sentir melhor. Fizemos receitas novas e vimos séries que nos trouxeram ótimas reflexões e discussões. Agora é domingo e tudo o que eu tenho para fazer é adiantar várias coisas para que eu não fique sufocado durante a semana.
São nove e vinte e oito da manhã e vou rápido checar as minhas mensagens para ver se consigo, ao menos, duas horas para fazer nada no fim do dia. Depois de responder alguns contatos, em sua maioria família e colegas do trabalho e da escola, visualizo as postagens dos meus amigos e eis que eu me deparo com as do Lucas que são uma série de fotos sorridentes com legendas de músicas de amor.
Acho que eu irei cometer um crime.
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Como superar o EX [EM PAUSA]
Romansa"Tiro a camisa da cintura e visto-a, tentando cobrir minha insegurança enquanto nos dirigimos à parada de ônibus. Quantas coisas podem ser tiradas de alguém por culpa da ausência de outra pessoa?" Juliano é um adolescente centrado de 16 anos que tem...