"A mentira em que nos acomodamos acabou de ser movida do lugar (...). "Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece uma entrada nova no desconhecido (...). Bem sei, experimentaríamos enfim e em pleno a dor do mundo e a nossa dor, aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar."
– Clarice Lispector (editado)
É sexta-feira e eu fico preocupado... É o primeiro fim de semana que passarei sem a companhia do Lucas desde que a gente começou a namorar. Eu não estou com o mínimo de ânimo para sair e por isso, talvez, eu faça outra maratona-do-sofrimento com o Cássio.
— Oi, Ju! – Falando no diabo... Ele aparece saltitante a minha frente e essa empolgação toda só pode insinuar uma coisa: favor. O encaro desconfiado sem dizer nada. Ele sorri. Touché! — Eu estava aqui pensando e faz tempo que não saímos para um programa de verdade de melhores amigos. A última vez foi tipo... – Ele pensa um pouco e eu já sei a resposta, não me contendo em sorrir. — Nunca. – Como estamos no intervalo, eu estou sentado no chão do corredor encostado em uma das pilastras que há por ali comendo biscoitos. Cássio se senta ao meu lado, pegando uma das minhas bolachas sem pedir, porque ele já tem permissão para isso. — Então, como terceiro item da nossa lista, a gente precisa intensificar nossos laços de amizades. – Ele faz uma cara de "estou certíssimo" e eu reviro os olhos.
— E o que você sugere para isso, ó sábio das relações humanas? – Apesar de desconfiado, ele me deixa sorridente.
Ele hesita um pouco por estar mastigando, mas tenho quase certeza de que sua demora se deve mais ao fato de estar avaliando a possibilidade de haver arrependimento.
— Que saia comigo e as meninas para um karaokê que abriu no Centro. – Ele fala rápido na esperança de que eu não pegue todas as informações porque sabe que há grandes chances de eu recusar e ele está certo.
— Não.
———
São oito da noite e eu estou no sofá da nossa casa esperando Cássio se arrumar. Para quem disse não... Porém só estou arrumado por culpa do meu-melhor-amigo-não-tão-legal-assim que me persuadiu lembrando de uma pesquisa/artigo que ele havia feito há bastante tempo onde se falava da importância da musica para a sociedade humana. Resumidamente, lá ele defendia a ideia de que, sem a música, ou de forma mais crua, sem o som, nós estagnaríamos e atrasaríamos vários avanços que hoje temos e de forma mais intuitiva, sugeriu que sem música, o índice de suicídio aumentaria drasticamente visto que muita gente encontra refúgio em composições, ritmos e até mesmo ídolos. Enfim, estou indo enfrentar um karaokê exclusivamente porque Cássio fez lavagem cerebral em mim.
— Pronto. — Diz meu melhor amigo colocando um colar de ouro, mas que logo põe para dentro de sua camisa azul-escuro que deixa seus olhos azuis mais ressaltados. — Vamos? – Ele pergunta e já vai saindo. Observo-o mais um pouco. Sua calça jeans justa e com alguns rasgos valoriza bem suas pernas, o tênis marrom dando um leve contraste com o restante e o cabelo castanho-escuro bem penteado em um topete discreto. Ele não está bonito. Ele é bonito.
— Está linda, mana. – Digo antes de cruzarmos a porta e ele se vira, sorrindo.
— Obrigado. – E faz uma reverência feminina que me faz sorrir. — Você está maravilhosa também. Vem cá. – Ele me puxa e estende o celular para tirarmos uma foto e eu sei que todos vão admirar somente ele nas redes sociais, não porque eu sou feio, mas porque as pessoas não são muito autênticas em relação ao senso estético delas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Como superar o EX [EM PAUSA]
Dragoste"Tiro a camisa da cintura e visto-a, tentando cobrir minha insegurança enquanto nos dirigimos à parada de ônibus. Quantas coisas podem ser tiradas de alguém por culpa da ausência de outra pessoa?" Juliano é um adolescente centrado de 16 anos que tem...