Quando eu era pequeno, meus pais me levavam para ir ao parque brincar com outras crianças. Houve um dia em que brinquei tanto que cansei, vim para casa, tomei banho e em seguida dormi até às 14:00 da tarde, acordei apenas no dia seguinte às 07:00 da manhã. A sensação que tive é que dias tinham se passado, como se uma vida toda tivesse seguindo em frente sem mim. Estava perdido, foi a pior sensação da minha vida, até que minha mãe entrou no quarto e me olhou como se soubesse o que eu estava sentindo. Ela disse estava que tudo bem, que eu só havia dormido demais, mas que o tempo continuava o mesmo.
Meu coração se agita ao pensar em Anne, será que é assim que ela irá se sentir ao acordar? A diferença é que para Anne o tempo terá passado e muita coisa terá mudado.
O sol começa a nascer, respiro fundo e pego seu diário embaixo do meu travesseiro, abro a segunda página que contém a história de Anne."Fiquei horas nessa posição, sentada na cadeira da mesinha do meu quarto, encarando o céu, a caneta está aqui em minha mão dando vida às palavras que escrevo. O sol está para se pôr. O crepúsculo erradia, mudando as cores das coisas. Mamãe e eu sempre sentávamos em algum canto e ficávamos vendo o sol se escondendo atrás dos prédios.
— Amanhã ele voltará, Anne, não importa o que aconteça, o sol sempre volta no dia seguinte.
Ela estava certa, ela se foi, mas o sol continua aqui, está indo para outro lugar agora, mas amanhã ele retornará.
O sol retornará e eu ainda estarei sozinha.
Batty me mandou uma mensagem perguntando como estou, a odiei por fazer essa pergunta, ela sabe como estou, qualquer um sabe como estou, como eles esperariam que eu estivesse após perder a pessoa que mais amo no mundo?
Ninguém perguntou ao meu pai como ele está, nem mesmo eu, até perguntaria se ele estivesse falando comigo, mas por algum motivo ele não está falando, parece que não perdi somente a minha mãe, mas meu pai também.
É assim que são as coisas? Assim que é a vida? Você está ali em algum lugar sorrindo com a pessoa e no momento seguinte ela se vai para sempre?!?. Isso não é justo!
Odeio essa maldita doença que tirou minha mãe de mim. Meu Deus, de onde surgiu isso? Essa doença tenebrosa me pergunto como nunca vimos os sinais?
A vida é irônica, minha mãe, uma das pessoas mais inteligentes que conheço, foi traída por aquilo que ela mais admirava, o cérebro. Minha mãe morreu de câncer cerebral, irônico, não é? Uma professora que usava o cérebro para morrer desse jeito.
Sabe, esses dias que sumi, me desculpe diário, mas às vezes minhas lágrimas não me permitem escrever, porque elas caem e caem e inundam tudo à minha volta, principalmente a mim, esses dias que fiquei longe, sem escrever.
Meus dias foram duros, a começar pelo chamado da diretora.
Presto atenção no que a professora explicar sobre a guerra fria, nunca prestar atenção na aula foi tão confortável.
— Anne Evans? — A expectora aparece na porta da sala. Levanto a mão. — A diretora quer falar com você.
A professora me dá autorização para sair, me levanto e sigo a supervisora, vamos em silêncio, ela abre a porta da diretoria quando chegamos, entro e vejo a diretora sentada lendo um livro, ela sorri quando me vê.
— Por favor, Anne, sente-se. — Me sento na cadeira em frente à sua mesa e a encaro. — Sabe por que te chamei aqui? — Nego com a cabeça. — Anne, sei o que houve com sua mãe. — Fecho os olhos ao ouvir essas palavras. — E eu sinto muito mesmo. — Assentiu. — Por isso te chamei aqui, sei como isso deve estar te afetando. Anne, sei que isso deve estar machucando seu coração e seu psicológico, então queria te propor algo.
A encaro sem entender.
— Como o quê?
— Que tal a escola te disponibilizar uma psicóloga?
Eu sabia que em algum momento alguém iria tentar enfiar um psicólogo em minha vida, eu poderia dizer que não quero porque o tratamento de que preciso é em meu coração, mas, na verdade, não há tratamento que tire essa dor e essa falta aqui dentro de mim.
— Uma psicóloga?
— Sim, a escola mantém a senhora Prince aqui juntamente para casos como o seu.
— Casos como o meu?.
Arqueio uma sobrancelha.
— Perdas grandes, Anne.
— A senhora falou com meu pai? Ele concordou com isso?
— Sim, concordou.
— Então, tudo bem.
— Que bom que concordou.
Discutir e negar não me levariam nada e será bom desabafar com alguém que não me olhe e pense "coitadinha, perdeu a mãe tão cedo, mas pelo menos ela tem o pai." Se soubessem que meu pai está tão distante quanto a lua é da terra, no caso sou a terra.
— Sim.
— Amanhã marcarei um horário com ela e te avisarei.
— Ok.
— Pode voltar para a aula agora. — Me levanto e vou até a porta. — Ei, Anne. — Volto a encarar — Você ficará bem, querida.
Abro um sorriso falso e saio da sala, caminho até o pátio, desço as escadas e paro no segundo patamar que leva ao primeiro andar, não penso, só faço. Corro, desço os degraus como um foguete, passo pelos armários e vejo a porta de saída. Corro para fora e não paro de correr até sair da escola. Quando finalmente viro a esquina, eu paro, me abaixo, coloco as mãos nos joelhos e respiro fundo. Me levanto e inspiro o ar para meus pulmões, olho para o céu azulado e as lágrimas caem lentamente. Essa dor silenciosa é aquela que, com mais altos e fortes os gritos que você dá, permanece com você.
Caminho para o único lugar em que eu realmente sei que ela está...
Meus passos são firmes, eles me levaram até minha mãe, ou pelo menos algo que a represente bem. A biblioteca."Uma batida me tira a concentração, meu pai abre a porta do quarto e sorri ao me ver acordado.
— E aí, vai me ajudar a descer a escada?
— Claro.
Guardo o diário de Anne debaixo do travesseiro.
— Que livro é esse?
Olho para minha cama, então o encaro.
— Um livro da faculdade, vamos, vou te ajudar a descer, e preparo nosso café da manhã.
— Ovos bem mexidos com bacon.
— Vamos ver na sua folha de dieta.
— Que folha de dieta?
— O que os médicos deram.
— Não vou comer porcaria nenhuma do que eles escreveram, se você não fizer meus ovos, eu mesmo faço.
— Tudo bem, pai.
Vamos devagar para fora do quarto, rumo à cozinha para ovos e bacon.~∆~
"Minha mãe amava o café da manhã, dizia ser a hora mais sagrada do dia e importante, porque mostra com quem você escolheu passar o resto da sua vida. Ela dizia que acordar e vir tomar café e ver meu pai e eu na mesa era a afirmação de que ela fez a escolha certa em sua vida.
Como de costume, nos sentamos para tomarmos café. Eu havia acabado de entrar no ensino médio e estava eufórica, foi o ano da doença que a tirou de mim.
— Se você continuar balançando essa perna, assim ela irá voar.
Mamãe fala. Sorrio e começo a batucar os dedos na mesa.
— Estou ansiosa.
— No primeiro dia, fiquei tão ansioso que mijei nas calças.
Meu pai fala rindo, então passa manteiga na torrada.
— Não tão ansiosa a esse ponto. — Faço uma careta.
— Gostei da trança que fez no cabelo.
Mamãe fala docemente e o toca.
— Quero mudá-lo, estou cansada do mesmo corte de sempre, estou pensando seriamente em cortá-lo.
— Apoio.
Meu pai fala ao tomar seu café, então se levanta e vai até o armário, tira uma sacola dele e me entrega.
— O que é isso?
— Abra.
Abro a sacola e encontro um fichário novo.
— Um fichário?
— Anotações e essa baboseira, o ano passado você escrevia tanto nos versos das folhas do seu caderno que a professora confundia suas anotações com as verdadeiras respostas.
Me levanto e abraço papai.
— Obrigada.
Beijo sua bochecha.
— E eu não ganho um abraço? Fui eu que escolhi o fichário.
— Claro, mamãe.
Vou até ela e lhe dou o abraço mais forte do mundo.
Lembrar desses dias me deixa mórbida, em pensar que eles nunca voltarão"Nora coloca o DVD para rodar.
— A melhor amiga dela deixou aqui. Às vezes coloco para Anne ouvir a voz da sua família.
A tela da TV ganha vida.
A primeira é Anne tocando uma música no piano. Uma que ela mesmo escreveu. Seu cabelo está trançado. Acho que ela deve ter uns treze anos na época.
No vídeo seguido, ela está lendo na espreguiçadeira da praia, sua mãe está ao lado fazendo caça-palavras.
— Quem vem à praia para ler livros e jogar caça-palavras?
Acredito que seja o pai de Anne.
— Estamos exercitando o cérebro.
A mãe de Anne diz.
— É, papai, você deveria fazer o mesmo.
Anne sorriu presunçosa.
Agora ela está mais velha. Provavelmente com uns quinze anos.
No vídeo seguinte, ela e Bethânia estão em uma picape azul.
— Tem certeza de que sabe digirir?
Bethâny grava Anne.
— Meu avô me ensinou. E eu já tirei a carta!
— Eu deveria ter trazido um capacete.
Bethâny fala.
— Ninguém vai morrer aqui. Confie em mim. Coloca o cinto.
No outro vídeo, Anne está olhando para uma parede cor vinho. Ela passa a mão em seu rosto. Seu cabelo está curto.
No vídeo seguinte, Anne está na arquibancada da escola, ela está escrevendo em um caderno.
Os vídeos acabam.
Nora seca uma lágrima.
Meus olhos vão para a menina que está aqui dormindo.
Meu coração se enche de amor. Seguro a mão de Anne.
Por favor, acorde.
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Não Me Deixe Ir
RomanceAnne sofreu um acidente de carro há um ano e meio atrás, entrou em coma e por algum motivo nunca acordou. Sua vida foi interrompida bruscamente após sofrer o terrível acidente. Abandonada em um leito hospitalar com apenas os médicos e pela equipe de...