Capitulo 10

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"Quando eu era criança, eu tinha medo de andar de bicicleta, pois a primeira vez que andei eu caí e me machuquei, chorei por horas, mamãe estava em uma viagem a trabalho, ela estava dando palestras, então fiquei com papai, e ele estava cuidando de mim, e no dia que caí estávamos apenas ele e eu. Papai cuidou bem de mim, do meu machucado.
Quando fiz 8 anos eu era a única garota em meu bairro que não sabia andar de bicicleta, mamãe tinha viajado para outra palestra e papai ficou comigo, ele ainda não tinha virado um grande empresário, então suas horas livres eram dedicados a mim e a mamãe, e nesse dia ele tirou o dia para me ensinar a andar de bicicleta.
— Uma hora você terá que aprender, Anne.
— Não quero cair novamente, papai.
— Se você cair, eu te levanto, querida, você já tem 8 anos, já deveria saber andar de bicicleta.
Fiz bico para o papai, ele não entendeu que meu medo não era cair e sim me machucar. Papai se ajoelhou a minha frente e segurou minha mão.
— E se eu me machucar feio?
— Eu curo, seu dodói.
Abri um sorriso tão grande para ele que até minhas janelinhas ficaram abertas.
— Tudo bem, papai, eu confio em você.
— Você sempre pode confiar em mim, Anne.
Papai pegou a bicicleta e me fez montar nela, então ele segurou o guidão e o banco e foi me ajudando a andar enquanto eu pedalava. No final da tarde, eu já tinha aprendido a andar, mas tinha me machucado. Na hora do banho, foi horrível, meus machucados ardiam muito. Quando saí do banho, meu pai me colocou no sofá e pegou remédio para passar e bandeides.
— Ai, papai.
— No começo, arde, mas depois passa.
Fiquei impressionada com a delicadeza de meu pai comigo e naquele momento vi que eu realmente poderia confiar nele porque ele sempre cuidaria dos meus machucados. Acabou que toda vez que eu me machucava eu corria para ele e não para mamãe, meu pai gostava disso, sabia que no momento da dor eu o procurava.
Quando cortei meu dedo, cheguei chorando em casa, minha mãe se desesperou ao ver sangue em mim, mas meu pai foi mais calmo, limpou meu corte, passou remédio e colocou um bandeide colorido.
— Pronto, querida, passou.
— Onde você cortou seu dedo, meu anjo?
Mamãe colocou o meu cabelo atrás da orelha.
— No portão da senhora Suzana.
— Estava a ajudando novamente, não?
Meu pai diz ao tocar meu nariz.
— Gosto das flores dela.
— Só tome cuidado para não se machucar, querida.
Mamãe fala sorrindo.
— Sim.
Ela beija minha testa, papai me tira de cima do balcão e me põe no chão.
— Então, vamos jantar?
Sorrio para mamãe, vamos até a cozinha e ela coloca a comida nela.
Mamãe nunca gostou de empregada, mesmo meu pai podendo pagar uma, ela gostava de fazer as coisas em casa.
— E como foi o trabalho hoje, querida?
Papai pergunta ao se servir.
— O mesmo de sempre, alunos, provas, gosto de dar aula na faculdade. E você, querido?
— Estamos começando uma nova planta para uma construção que fará a empresa se expandir.
— Isso é bom, meu amor.
— Isso é, mas sabe o que é bom de verdade?
— O que, papai?
— Bom é estar com as duas mulheres da minha vida.
Mamãe pega a mão de papai e acaricia.
Toda vez que me lembro desses momentos, eu me pergunto onde meu pai foi parar, será que a perda de mamãe foi tão impactante assim para ele? Não era essa a hora para nos unirmos mais? Mas não, ele decidiu ir para longe de mim.
São nesses momentos diários, nesses momentos que percebo como uma lembrança pode ser tão dolorosa, porque as lembranças continuam aqui, mas o momento nunca volta."

Fico vendo Nora cortando as unhas de Anne, ela penteando seus cabelos, Anne acabou de tomar um banho, seus lençóis foram trocados, ela está nova em folha, como disse Nora.
— Nora?
— Sim.
Seus olhos estão fixados nas unhas de Anne.
— Os avós de Anne nunca vieram?
— Não, os paternos, se eu não me engano, não moram aqui, agora os maternos nunca vieram, nem deram notícia, pode ser que eles não estejam vivos.
— Quem vinha ver Anne?
— Apenas o pai, com a madrasta, e a melhor amiga dela, mas ninguém.
Faz um mês que descobri que os avós de Anne provavelmente não têm ideia do que está acontecendo com a neta. Fico me perguntando se devo ou não ir contar. Mas qual direito tenho que partir seus corações?
Ah!
— Por quê?
— Por nada não, curiosidade mesmo. — Vou até a parede de fotos e fico vendo os sorrisos dela, sua família, a maioria é foto de Anne com Bethâny, ou então com a sua mãe. — O que será que fez parar de vir?
Percebo que falei alto.
— Não sei, mas quando ele vinha, ele ficava bem perturbado e chorava muito, ficava pedindo perdão a ela.
— Serio?.
— Sim, a dor dele era visível, acho que ele só não vinha mais vezes devido à esposa.
— O que tem ela?
Pergunto ao me virar.
— Era visível que ela não gostava de Anne, e muito menos daqui, ficava o apressando para ir embora, ficava de um mau-humor terrível, ela não é o tipo de pessoa que faria bem à Anne, tenho certeza.
— Algumas pessoas não têm noção do amor que têm até perdê-lo.
— Que bonitas palavras, Jamie. — Abro um sorriso. — Nunca te perguntei, quantos anos tem?
— 21 anos.
— Apenas três anos mais velhos que Anne. Quando você faz aniversário?
— Em junho.
— Coincidência, a Anne também, ela faz dia 6.
— E eu dia 11.
— Esse ano dei a ela um colar de rosas, quando ela acorda farei questão que ela use.
— Lindo gesto.
— Eu tenho esperança.
— Eu também.
Mexo nas flores que Nora trouxe para Anne.
— Estuda?.
— Curso publicidade, mas já estou perto de terminar.
— Que ótimo, um universitário.
— Meu pai odeia universitário, mesmo tendo sido um. — Ela ri do que falo e suspira. — O que foi, Nora?
— Vou ser sincera com você querido. Toda vez que olho para essa garota fico com tristeza e raiva. Tristeza porque ela perdeu a mãe e porque sua vida foi interrompida dessa maneira. Era para Anne está na faculdade, namorando, saindo para festa, não aqui nessa cama. Tenho raiva porque as pessoas que ela ama a abandonaram, aposto que se sua mãe estivesse viva nada disso estaria assim. Agora me diga Jamie, como um pai pode abandonar a própria filha?.
E dizer para os vizinhos que ela viajou. Penso comigo mesmo.
— Eu não sei Nora, eu realmente não sei.
— Sabe, Jamie, eu fico muito feliz esses dias todos que você tem vindo ver Anne.
— Eu prometi que iria vir todos os dias, e, além disso, gosto dela.
— Todos gostam de Anne. — Nora olha para o relógio e suspira. — Tenho que ir, mais tarde eu volto.
— Tudo bem.
Ela sai do quarto, vou até a cadeira que ela estava sentada e me sento, seguro a mão de Anne.
— Queria falar com você, mas estava esperando Nora ir embora. — Acaricio seu pulso. — Anne, acho que você não foi abandonada totalmente, acho que teve um equívoco e queria poder conserta-lo, mas estou em um dilema, não sei o que devo fazer, se fosse você o que você faria? — Fico olhando para ela, sem resposta. — Eu queria algum tipo de sinal, sabe? Tipo, as estrelas se alinharem escrevendo, vá falar com eles, mas as estrelas não farão isso.
Bip, bip, bip, bip, essa é a resposta que tenho, então tuuuum, arregalo os olhos, o sinal de monitoramento cardíaco está caindo, aperto o botão ao lado da cama e em seguida Nora aparece correndo.
— Chame o doutor Jack agora.
Saiu correndo e procura de Jack, o encontro no caminho.
— Jamie, o que foi?.
— Anne...
Não consigo terminar a frase, mas minha expressão deve demonstrar meu desespero porque ele saiu correndo e chamando outros enfermeiros. Os vejo correndo em direção ao quarto de Anne, eles passam por mim e eu fico aqui parado com minhas lágrimas caindo e com meu coração descompensado.
Forço meus pés voltarem para perto dela, chego na porta e vejo seu peito sendo exposto.
— Coração?.
— Batimentos abaixa de 50.
— Pressão?
— 60x40.
— Saturação?
— 85.
— Aumente o oxigênio.
— Aumentado.
— Desfibrilador. Afastem!.
O aparelho e colocado no peito de Anne e então ela impulsionado para cima.
Por favor, Anne fique, não vá!.
— Novamente.
Seu corpo é impulsionado para cima novamente. Minhas lágrimas caiem.
Jack acende uma lanterna e abre o olho direito de Anne.
— Sem resposta!.
— Você não vai embora querida!.
Nora fala decidida.
Eles grudam alguma coisa laranja no peito dela. Engulo em seco, o medo me consome, vejo que Nora olha para mim, então a porta do quarto é fechada, separando Anne e eu.

"Eu me lembro do dia em que descobrimos que mamãe estava com câncer. Estávamos em casa, ela arrumando a árvore-de-natal, mesmo o Natal estando longe, e eu e papai sentados no chão assistindo filme velho e comendo pipoca caramelada. Vi mamãe cambalear um pouco para trás, papai também viu tanto que se levantou.

— Esta tudo bem, meu amor?
— Uma tontura.
Ela coloca a mão na cabeça, então amolece e meu pai a segura.
— Chloe.
Nesse momento, já me levantei.
— Está tudo bem, meu amor, é só uma...
Arregalei os olhos quando ela desmaiou.
— Anne, pegue o casaco da sua mãe, agora!
Saiu correndo para o quarto e pego o casaco da mamãe e do papai. Vou até o meu quarto e pego um casaco para mim, saio correndo e meu pai já estava a levando para o carro.
Quando chegamos no hospital, fomos diretos para a emergência, então, em seguida, minha mãe fez uma bateria de exames. Estávamos os três na sala do médico e ele fez uma cara de tristeza, então olhou para meus pais.
— Como a senhora teve uma forte tontura, resolvemos fazer uns exames, também fizemos tomografia e o resultado deu que a senhora tem uma massa no cérebro.
Minha mãe começou a chorar e meu pai ficou pálido, franziu a testa.
— Câncer?
Minha mãe pergunta.
— Teremos que fazer mais exames, mas o resultado dá tomo, é claro.
— Mas ela ficará bem, certo?
Pergunto, o encarando.
— Infelizmente, o estágio já está avançado.
Balanço a cabeça sem entender. Mamãe ergue os olhos e me encara fixamente.
— Mas e a quimioterapia? Tem tratamento?
Meu pai pergunta.
Mamãe e eu ficamos nos encarando. O que está acontecendo?
Depende do resultado do exame, mas a massa está grande. Às vezes, a quimioterapia...
Não estou ouvindo direito. Mamãe está me encarando.
— Vamos até o último, Chloe ficará bem.
Papai fala firme.
Por que sinto que meu coração está quebrando?
Ela não ficou bem diário, a quimioterapia só a deixava muito cansada e para baixo, todos sabíamos a verdade, mas ninguém quis enxergar, até que ela veio e bateu em nossa cara, e esse tapa, ah, ele doeu, e ainda dói."





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