Capitulo 09

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"Quando você constrói um laço muito forte com alguém, é crueldade pensar em quebrar esse laço, porque acaba que esse laço te sustenta. Acho que todas as pessoas da minha vida realmente têm um laço comigo, mas há um laço, o laço mais forte que tenho, que está se partindo.
— Mas só faz seis meses!
Grito chorosa.
— Sim, e eu tenho que seguir a minha vida.
— Você não pode querer colocar outra em seu lugar, eu não aceito!
— Você não tem que aceitar nada!
Limpo minhas lágrimas de raiva.
— Se você fizer isso, eu nunca vou te perdoar e eu vou te odiar para sempre!
Nos encaramos por longos minutos.
— Então, você quer que eu fique sozinho, para sempre?
— Não, papai, eu só acho que agora é muito cedo, não é a hora.
— Sua mãe morreu, Anne, ela está morta, você tem que superar isso, porque estou...
— Isso não tem que ser superado, ela não tem que ser superada, ela é minha mãe!
— Ela está morta, ela nos deixou, ela me deixou!
Suas palavras me partem.
— Essa não é a hora de outra mulher vir para cá, quer uma namorada? O problema é seu, mas aqui na casa da minha mãe você não a trará para morar, nunca!
Saiu correndo para fora de casa.
— Anne, volte aqui agora!
Saiu correndo em disparada para casa de Betty. Corro os sete quarteirões que normalmente ando de bicicleta.
Continuo chorando quando chego em sua casa, a mãe dela abre a porta.
— Anne, querida.
— Betty, esta?
— No fundo, o que houve?
Saiu correndo para os fundos da casa e a encontro sentada no banco velho de madeira.
— Anne, o que foi?
Nos abraçamos, choro em seus braços, soluço.
— Ele quer colocar outra em casa.
— Anne...
— Na casa da minha mãe! Ele quer colocar outra mulher, Betty.
Choro para aliviar a dor em meu peito. Ela me abraça com força.
— Venha aqui.
Vamos até o balanço, me sento em um e ela em outro, encosto minha cabeça na corrente, fico me balançando.
— Sei que ela morreu, mas ele tem que entender que não é fácil para mim acordar todos os dias e ver que ela não está aqui.
Betty estica a mão e eu a pego, sua textura com a minha. Ela diz que ela é a noite e eu sou o dia, gosto disso.
— Cada um lida com o luto de uma maneira diferente.
— Ele foi o homem que jurou amá-la e agora está com outra.
— Ele só está seguindo em frente, Anne.
Encaro seus olhos verdes que se destacam na pele negra.
— Eu sei.
Seus dedos seguram firmes os meus.
— E talvez esteja na hora de você seguir também.
— Às vezes, seguir em frente é mais difícil do que se imagina.
Limpo uma lágrima que escorre.
— Você tem a mim.
— Mas preciso dela, Betty, eu preciso da minha mãe.
Então choro novamente.
— Você tem a mim, Anne. — Ela repete determinada. — Prometemos nunca abandonar uma à outra e assim será.
— Sim.
— Você é minha casa, Anne, você precisa ficar bem para que eu fique bem.
Assentiu e respiro fundo. "Meus olhos vão para as estrelas que iluminam o céu e ficamos ali em silêncio, às vezes as palavras não são necessárias."

~∆~

Vim pegar minha mãe no aeroporto, saio direito do hospital e vim para cá, passei a manhã com Anne, ela lá deitada imóvel e eu lendo seu diário. Durante esse tempo que venho fazendo, isso é como se Anne estivesse falando comigo, literalmente, durante esses 13 dias. Ao lado de Anne, eu me peguei perguntando qual é o tom da sua voz, e o som da sua risada, a real temperatura das suas mãos.
— Você só foi passar alguns dias e volta com Seattle inteira em sacolas.
Falo para minha mãe que coloca suas malas no carro, ela ri.
— Seattle tem muitas coisas lindas.
Fecho a porta do carro e passo o sinto de segurança.
— E você, como uma boa compradora, resolveu comprar essas coisas lindas.
— Não enche, Jamie, você vai amar os presentes que trouxe para você. Pensei em comprar muleta para seu pai, mas não cabia na mala.
Ligo o carro e parto para casa.
— E como está minha tia?
— Está bem, foi apenas uma torção, como eu disse. E seu pai?
— Em casa, lendo jornal.
— Que ótima maneira de se aproveitar o domingo. — Abro um sorriso e paro no semáforo, fico vendo os pedestres atravessando a facha. — E como estão as coisas em casa?
— Bem, papai reclamando e fazendo suas brincadeiras como sempre.
— Nenhum acontecimento novo?.
Oh, sim, papai sofreu um acidente, conheci há 13 dias uma garota em coma e estou lendo seu diário, e estou a visitando todos esses dias, às vezes três vezes no mesmo dia, ah, também conheci sua amiga que a abandonou.
— Não.
Quando o sinal fica verde, sigo em frente, viro o quarteirão que leva em direção à minha casa, e nesse momento me pergunto qual dessas ruas leva para a casa da Anne?
Paro em frente em casa e desço, ajudo minha mãe com as sacolas e entramos em casa. Meu pai está sentado no sofá com sua perna operada esticada em cima da mesa, minha mãe para e o encara.
— Já disse para não ficar com o pé em cima da mesa, querido.
— É bom te ver também, meu amor.
Minha mãe vai até ele e lhe dá um beijo, meu pai e eu nos encaramos.
— Bem, eu vou dar uma volta e já volto.
— Volte para o jantar.
— Sim, senhora.
Saiu de casa e entro no carro, pego meu celular quando uma ideia se passa em minha cabeça, procuro no Google o endereço da família de Adam Evans, e por incrível que pareça eu acho, mas o que me surpreende é que a casa dele fica apenas há dez quarteirões da minha. Coloco a marcha ré no carro e volto para a estrada, em direção à casa de Anne.

Fico encarando a faixada da casa, uma casa chique para um figurão dono de empresas de arquitetura, desço do carro e por impulso. Atravesso a rua e entro em sua calçada, subo os poucos degraus e bato na porta vermelha. Poucos minutos depois, uma mulher de meia-idade aparece.
— Pois não?
— O senhor Evans está?
Ela sorri.
— Oh, não, o senhor Evans não mora aqui há um ano.
— Ah! A senhora sabe por que ele se mudou?
— Acho que porque sua filha foi embora.
— A filha foi embora?
Repito suas palavras sem entender.
— Desculpe, você é o que dele?
— Sou amigo da filha dele e precisava falar com ele.
— Por favor, entre.
— Com licença.
Entro na casa e vejo a enorme sala que me recebe.
— Gostaria de algo para beber?
— Um café seria bom.
— Vou pegar.
A senhora vai até a cozinha, vou até a janela, abro um pouco a cortina e vejo que essa parede é a da lareira que Anne falou, a parede cor de vinho que sua mãe obrigou seu pai pintar.
— Aqui está. — A senhora coloca a bandeja com duas xícaras com pires e um açucareiro. — Por favor, sente-se. — Me sento no sofá de frente para ela. — Qual é o seu nome, querido?
— Jamie e a senhora?
— Sou Suzana.
— Me desculpe, mas a senhora disse algo sobre a filha de Adam Evans ter ido embora.
— Oh, sim, é a história que sabemos, após a morte de sua esposa, Evans se isolou do mundo, então acabou que sua filha foi embora.
— Embora para onde?
Meu coração martela.
— Ele a mandou para o colégio mais caro da Suíça.
Fecho meus olhos e respiro fundo, volto a encarar Suzana.
— A senhora está mesmo falando que Anne Evans foi embora para outro país.
— E o que ele mesmo falou quando vim comprar a casa, meu marido queria renegociar o preço e o senhor Evans veio com sua esposa até aqui para isso.
— A senhora já morava por aqui?
— Oh, sim, conheci Chloe, a mãe de Anne, as duas eram um amor de pessoas. Anne sempre me ajudava a cuidar do jardim da minha antiga casa, ela amava minhas flores.
— E os avós maternos de Anne, a senhora os conhece?
— Conheço Katherine.
— E o que ela diz de Anne?
— Ela está decepcionada com a neta por ter ido embora sem ao menos se despedir.
— Meu Deus!.
Exclamo horrorizado com a mentira que criaram.
— Aconteceu algo com Anne?
— Não. — Respondo sem titubear. — A senhora tem o endereço dos avós de Anne, queria muito conhecê-los.
— Claro, tenho, sim, só um minuto.
Sorrio e ela se levanta, fico olhando para meu café intocado. Como ele pode ter sido tão podre a esse ponto?
Meu Deus, Anne não foi totalmente abandonada.
— Aqui está o endereço.
Pego o pedaço de papel que contém o endereço dos avós de Anne.
— Obrigado, tenho que ir, e obrigado pelo café, estava uma delícia.
— Imagina.
Ela me leva até a porta, sorrio e vou em direção ao meu carro, entro nele, bato a porta com força e fico encarando o endereço.
— Vamos lá, Jamie, você precisa decidir.
Respiro fundo e ligo o carro.

"Tomar decisões em sua vida nunca é fácil, ainda mais quando essas decisões implicam em magoar uma pessoa que você ama muito. Minha mãe era boa em tomar decisões, ela dizia que, mesmo que elas fossem dolorosas, elas precisavam ser tomadas. E meu pai tomou a decisão dele e ele acabou comigo. Lá estava ela entrando em minha casa com três malas e algumas caixas, fiquei no topo da escada o vendo destruir tudo.
— Finalmente, é bom conhecê-la, Anne.
Não a encarei, mas o encarei, seus olhos estavam presos nos meus, havia um pedido de desculpas neles, não quis suas desculpas. Quando tomamos uma decisão, sabemos das consequências dela, e eu era a consequência do meu pai. Dei as costas a eles e fui para o meu quarto, tranquei a porta e fui até a janela, fiquei vendo uma família andando pela rua. Sorri ao lembrar que há um tempo atrás era meus pais e eu andando na rua assim.
É como minha mãe disse, não importa a decisão que você tome, terá que estar pronta para lidar com as consequências dela depois."

Não Me Deixe IrOnde histórias criam vida. Descubra agora