Eles viviam em harmonia. Passeavam todos os domingos no parque, fazendo piqueniques sobre a toalha xadrez, branca e vermelha. Os melhores lanches eram os de geléia de morango e pêssego. Os bolos grandes e circulares eram os mais esperados, possuíam um recheio único e especial.
Quando papai chegava do trabalho recebia de sua filha um colorido desenho, que grande parte das vezes ficava como decoração na porta da geladeira.
A noite, mamãe contava uma história sobre príncipes e dragões, que se entrelassavam nos sonhos de sua filha e os tornavam mágicos e saudosos.
Tudo foi muito bom! Pena que acabou tão cedo.Pobre família.
Papai começou a chegar mais tarde. Quando entrava pela porta trazia com ele um cheiro ruim e forte que agredia o ambiente tornando-o podre.
Logo, começou a bater em sua esposa com a intenção de descontar sua raiva, por conta das contas que não eram pagas há 2 meses, já que todo dinheiro era gasto com seus amigos bebendo e se divertindo.
No começo ela acabava apenas com alguns machucados leves, mas ao longo do tempo se transformaram em profundos hematomas. A figura doce e carinhosa de mamãe havia se esvaído, a única coisa que restará foram suas lágrimas, escondidas por um sorriso falso que consolava sua filha todas as manhãs.
Pobre garotinha!
Os gritos de dor de sua mãe e a imagem desespero que ela exalava a cada golpe que recebia, eram os novos habitantes de seus pesadelos.
Ela nunca contaram a ninguém o que via em casa. Sua mãe a fez jurar que manteria silêncio. Tudo o que acontecia ali deveria permanecer ali.
Conforme o tempo passava, a pequena garotinha também começava a virar alvo de xingamentos e agressões. Noite após noite um novo machucado entrada para sua coleção.
A casa se tornava cada vez mais escura.
Quando entrou na escola virou alvo de provocações das meninas mais velhas. Diariamente era humilhado em frente a seus colegas. Os professores nunca faziam nada eles apenas riam comedidos em suas mesas. Analfabeta! Apenas uma demente como você para viver cheia de hematomas. Por acaso sua mãe não te ensinou a andar? Estúpida! Pobre coitada, tão feinha! Deus realmente deve odia-la. Vá para lá verme nojento, não chegue perto de mim. Eu tenho nojo de você!Como foi na escola?
Bem.O seu único passatempo era observar as crianças da rua brincando, já que elas nunca chamavam para participar.
A geladeira encontrava-se vazia. Não havia nada na dispensa. A única refeição da família era o jantar.
Cada vez mais papai encontrava-se nervoso e irritado.
A pior hora do dia era quando ele chegava em casa. Sempre ansioso para agredir alguém. A única coisa que o acalmava era encher sua esposa de socos e deixar o nariz de sua filha sangrando.
O tempo passava e a garotinha ia ganhando curvas e formas, o que causava em seu pai certo interesse. Já não estava mais interessado em sua esposa querida. Ele queria algo novo!
A pequena foi arrastada para um quarto mal iluminado, onde ninguém poderia escutar seus gritos e pedido de socorro. Por favor... alguém... Eu preciso acordar desse pesadelo... Não posso mais aguentar isso...
Escuro. Os pedaços se desfazem. Ela estava sozinha agora. À espera de uma luz. A inocência escapava por uma pequena fenda na parede.
Ir à escola não era algo que ela fazia com frequência. Da última vez havia se metido em uma briga onde se defendeu de um soco e acabou torcendo o braço da adversária.
Porém faltar às aulas geravam a ela muitos problemas. Acabou pegando 10 dias de detenção. Seu pai a deixara de castigo presa em seu quarto. Mamãe tentou protestar, mas também acabou com problemas.
No escuro do seu quarto, a garotinha pensou em fugir. Ir embora e nunca mais voltar. Ninguem sentiria sua falta. Nunca se importavam com ela.
Naquela noite a garota dormiu no chão frio de sua prisão. Ela não tinha mais forças para fazer nada.
Insônia. Choro. Noite fria de verão.
A garotinha voltará da escola com um grande corte na bochecha. Tão profundo. Sangue encontrava-se por todo rosto. Aquelas garotas eram tão frias. Mas ela não chorava. Isso era algo que ela nunca fazia. Não se importariam com a sua dor.
Ela desviou o caminho de sua casa e entrou em uma floresta. Precisava ver o seu amigo. Um vira-lata que a fazia companhia todos os dias no intervalo. Os dois eram separados apenas por uma grade. Ela o alimentava e em troca, ganhava alguém para conversar. Longe dos olhares de todos.Aqui é bem melhor que em casa. Você deve viver bem George. Queria poder ficar com você aqui. Eles não viriam me procurar. Eles não precisam de mim. Eu apenas trouxe bagunça a eles. Eu sou má George? Talvez eu não devesse existir. Não acho que eu sirva para alguma coisa, no fim das contas.
Ficar aqui seria o melhor. Estaríamos juntos. Você é o único ser que sabe da minha existência. Eu não sou invisível pra você não é George?
Papai me bate todas as noites. Depois ele me coloca para dormir e diz que me ama. Ele nunca espera meus machucados cicatrizarem, ele nunca me pergunto se estou bem. Mas mamãe diz que ele me ama.
Todas as manhãs, eu acordo com o choro da minha mãe vindo do banheiro. Ela nem consegue mais esconde-lo de mim. Ela era melhor nisso antes. Quando eu sou arrastada pro quartinho, A mamãe chora muito, ela grita para que papai tenha piedade de mim. Ele não se importa.
As vezes eu acho que já estou morta George. Talvez ainda haja um resquício de vida em mim, papai tem a mania de me matar aos poucos. Ele faz questão de deixar alguns pedaços inteiros.Tão lentamente. Tão doloroso!
Melhor seria se eu estivesse morta. Acho que essa é a única saída para a dor. Mas eu não tenho coragem, eu não posso deixar mamãe sozinha.
Lágrimas. Elas a afogam. Seria possível morrer em um tsuname?
George...Eu não consigo nem ao menos morrer. Eu só queria morrer George! Você acha que eu estou pedindo muito?! Eu só...não aguento mais.Após dois dias fora de casa a menina decidiu regressar ao seu lar. Ela já imaginava o que a esperava, mas não se preocupava com as consequências, ela sabia que não podia viver sem eles, de qualquer forma. Eles eram as únicas pessoas que ela tinha, ela não conhecia mais ninguém. Ela não tinha mais nada.
Ao entrar em casa a garotinha percebeu que tudo estava em completo silêncio. Papai deve estar trabalhando e mamãe foi ao mercado. Ela foi até o quarto dos pai, eles poderiam estar ali por algum motivo.
Lentamente a porta foi aberta.Mamãe estava ali. Jogada no chão com um tiro na cabeça. Havia muito sangue. Em suas roupas e no chão.
Pobre garotinha.
Mãe...mãe!
Tentava inutilmente acorda-la, não obtinha resultado. Chorar era a única coisa que ela podia fazer da forma certa.
Mãe por favor! Não me deixe aqui com ele. Não me abandone. Mãe!!! Você não pode fazer isso comigo! Mãe...
Essa dor era maior que todas as outras. Era como uma bomba relógio que acabará de explodir, expelido todos os seus gases mais fatais e atrocidantes. Destruindo qualquer resquício de vida existente. Acabando com tudo. Colocando um ponto final na história.
Ela já não tinha mais chão. Ela estava no fundo do mais profundo abismo.
A garota fechou os olhos de sua falecida mãe, acariciou os seus cabelos e deu a ela um beijo de boa noite.
Em busca do culpado, buscou-o por toda a casa. Ele estava no banheiro. Caído em cima do carpete, antes branco, que agora apresentava um vermelho vinho. Com a arma em suas mãos, voltada para a parede.
Eles haviam a abandonado. Ela finalmente estava morta de verdade. Eles conseguiram!
Pobre garotinha.
Era possivel escutar seu choro por toda vizinhança. Ela tentara aliviar sua dor a mandando junto com as lágrimas. Inútil.
Estava abandonada. Estava com medo.
Talvez ela tivesse feito aquilo. Ela irritara seu pai por sumir e ele acabou descontando tudo em sua mãe. Tudo era culpa dela, afinal ela era um obstáculo para todos. Um objeto sem nenhuma utilidade. Fútil. Miserável. Ou como seu pai a chamava, uma desgraça em sua vida.
No fim, tudo era verdade.
A garotinha correu para a floresta onde morava seu amigo. Foi em direção a um riacho, localizado no mais profundo das árvores e plantas. Um riacho cheio de rochas e pedras afiadas.
Era isso. Ela estava decidida. Ela já estava morta, só precisava conseguir dormir. Um sono sem preocupações ou dor. Onde ela realmente poderia estar feliz.
Um simples pulo.
Olá, nascer do Sol.
Adeus, pobre garotinha.
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Passarinho
FanfictionAo chegar em um lugar totalmente diferente da sua realidade, Malu tenta se acostumar com o novo ambiente que terá que viver os próximos dois anos da sua vida. Após sua chegada, lembranças já esquecidas retornam a sua mente. "_Seremos eu e você cont...