43- Somos uma família

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Eu nunca estive em um enterro. Quando minha vó morreu, fiquei em casa com meus irmãos e a empregada. Meus pais diziam que o cemitério não era um ambiente para crianças. De lá para cá, graças a Deus, ninguém mais foi embora.
Agora que eu estou em um, entendo o que ela quis dizer. Esse ambiente com tanto choro e ressentimento, saudade e raiva. Acho até que o cemitério não é lugar para adolescentes e adultos. Ver a pessoa que você ama sendo enterrada; alguém que ocupou um espaço tão importante em seu coração sendo tratada pelo o que ela realmente é agora, um cadáver sem utilidade. É difícil nos convencer de que quem amamos não é o material e sim o espírito. Por isso dói tanto. Entender que o laço entre o corpo e a alma se desfez. Entender que tudo acabou de vez.
Sarah estava com seu visual escuro, que usava sempre que possível nos fins de semanas e feriados. Mantivera os olhos cerrados por toda a cerimônia, provavelmente tentava controlar as lágrimas, escondendo as que escapavam com a delicada redinha que pendia do chapéu. Basicamente, era impossível termos contado sincero com suas expressões. Luana por sua vez não se importava com que pensariam dela. Estava mais próxima do caixão, com suas duas amigas ao redor.  estava sem reação, já  a abraçava com força. A cerimônia acontecia em uma área envolta por árvores altas, e alguns arbustos. O vento fazia questão de derrubar as folhas secas, atrapalhando nossas visões. Peguei Lucas diversas vezes distraído com elas. Ele estava desconfortável desde que chegamos, o semblante carregado. Sentia-o longe. Evitei que Matt o "embebeda-se" na primeira oportunidade. "Lucas, não acho que seja uma boa ocasião para isso. Vamos, vou estar com você!"
Tenho certeza que a lembrança de sua mãe está vagando por sua mente agora.
Liza e Lena estão ao meu lado, ambas encaram Sarah preocupadas. Lena, que sempre manteve em minha perspectiva a imagem de alguém equilibrada emocionalmente e bem resolvida, teve que ser acalmada por Liza quando viu Luana em prantos. Já eu, mantenho uma expressão congelada. Sinto que enfrentei muitas emoções em apenas uma semana. Não sei como reagir a tudo isso! Pensei ir até Sarah dar um abraço diversas vezes, mas achei que seria inconveniente pois ela poderia estar querendo lidar isso em seu tempo, sozinha. Já com Luana, tive medo dela simplesmente me empurrar para longe. Por isso me mantenho junto ao Lucas, o que ele fizer, dependendo do que for, eu farei.
Depois de algumas palavras do pastor, chega o momento do discurso. Por mais surpreendente que possa ser, quem irá falar é Luana. Isso me choca por que Sarah é a pessoa que aparentemente é a mais bem preparada psico e fisicamente.
Sua postura é endireitada e as lágrimas cessam.

"Ainda consigo ouvir... gotas de chuva que pingam na grama já úmida, essa melodia que me leva a tempos antigos... Sinto que agora não tenho mais aquele guarda-chuva que me protegia. Estou completamente encharcada, aquecida pelo vento forte que desmorona as árvores e apavora os animais indefesos. Estou no meio desse caos, observando você ao longe. Sei que você se foi achando que fizera tudo errado. Isso é o que dizem. Mas para mim, você foi importante papai. Me segurou nesse mundo por todo esse tempo, me fazendo acreditar ser importante... importante para você, mesmo que só um pouco. Com seus recados na geladeira ou lembretes deixados ao motorista me dizendo que hoje o dia seria bom, dizendo que havia comprado um presente ou até mesmo me lembrando de tomar os meus remédios. Saber que alguns minutos do seu dia eram preenchidos por mim revigorava minha alma.
Depois que você me deixou, senti que deveria ir junto com você... mas deppis entendi que não. Eu devo ficar mais um pouco. Quero ser importante para alguém também. Esperarei que a melodia se torne doce, aprenderei a dançar na tempestade. Mesmo que agora eu não tenha forças para abrir o guarda-chuva que está em minhas mãos..  acredito que outra pessoa possa me ajudar com isso. Serei o seu orgulho papai, como você sempre quis que eu fosse!" Luana tem seus lábios trêmulos, eles que levemente se elevam, formando um sorriso frágil que libera algumas gotas de seus olhos. "Eu... amo você papai!" Sua mão descansa sobre o caixão. "Amo muito... adeus!" A mão se torna em um punho apertado. E dois passos são dados para trás.

PassarinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora