Não tenha medo do meu silêncio.
Seis
Chantal
Antes mesmo de abrir os olhos, sei que adormeci no sofá, sinto os músculos do meu pescoço protestarem com veemência enquanto estico meus braços e pernas e me alongo o máximo possível, depois disso me sento e só então abro os olhos devagar.
Caramba! Eu dormi por mais de quatro horas, constato ao olhar para meu celular, já são quase oito da noite. Saio do sofá correndo e escorregando pelo tapete para tomar banho e trocar de roupa, estou atrasada para ir ficar com a vovó.
Quando estou na metade da escada para chegar ao andar de cima, paro abruptamente e tenho a ligeira impressão de ter visto algo que normalmente não veria. Giro a cabeça para trás e lentamente desço os degraus já subidos até ter uma visão completa da cozinha.
Abro minha boca até quase encostar no chão com o que eu vejo, minha mesa está repleta de comida.
— Ele voltou aqui! — exclamo, e ando até a mesa, erguendo os pacotes na mão. — Isso é comida de verdade.
As embalagens transparentes com a etiqueta amarela que diz Restaurante Vale de Lores mostram que ele trouxe comida do melhor restaurante da cidade. Ao menos para mim a comida de lá é a melhor que existe. O restaurante é sofisticado, mas com cara de casa, com gosto de comida de vó. A simplicidade, mas excelência dos ingredientes e preparo, faz daquele lugar o meu preferido. Gostaria de comer sempre lá, mas os preços não condizem com o dinheiro que ganho. E agora eu tenho no mínimo uns dez pratos diferentes em minha mesa.
Adio meu banho por algum tempo, e começo a guardar todas as embalagens na geladeira, deixando duas delas na mesa. Aqueço-os e quando levo a primeira garfada à boca, meu estômago agradece imensamente a gentileza do meu vizinho.
O comum seria eu levar algo para ele comer, é tradição no bairro que todo novo morador — o que não acontece sempre — receba um prato com alguma guloseima do vizinho mais próximo. Mas acabou por ser eu a presenteada com a melhor comida da cidade.
Como tudo, não deixo absolutamente nada para trás e me sinto mais forte que antes, bem mais disposta também, preciso encontrar Pierre para agradecê-lo, mas agora é impossível preciso voar para o hospital.
Volto a correr escada acima para me banhar e trocar de roupa e assim que estou pronta, saio apressada de casa, quando chego à calçada paro por um instante e olho para sua casa, as luzes acesas dizem que está lá, busco por ele, mas nenhum sinal de Pierre.
Puxo minha touca para baixo e o cachecol para cima e deixo apenas meus olhos para fora e inicio minha caminhada fria para passar mais uma noite no hospital.
Andar pela cidade quando o sol já se pôs, é como andar por ruas abandonadas, parte disso se deve ao clima de Lores, que mesmo no verão é ameno e não ultrapassa os vinte e cinco graus. Essa cidade parece existir exatamente onde o vento faz a curva, principalmente durante a noite até o início da manhã, que sempre tem uma rajada de vento esfriando ainda mais a temperatura.
Abraço meu corpo e mesmo toda coberta ainda sinto o gélido ar noturno pinicar no meu rosto, apresso meus passos para poder chegar logo ao hospital, quando ouço uma buzina e uma caminhonete preta do modelo mais novo que já vi para ao meu lado.
— Está indo para o hospital? — Ouço Henri falar do carro, assim que abaixa os vidros.
— Sim.
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ChickLitCompleto na Amazon e Livro físico no site www.daniassis.com.br Pierre sofre um grave acidente de carro que resulta em marcas profundas que ultrapassam as visíveis em sua pele. Desde então, coberto por cicatrizes, Pierre esconde seu corpo e, sobretud...
