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     Fryda tivera o mesmo sonho que o anterior. Todas as noites ela tinha aquele mesmo pesadelo, aquela recordação dolorosa
    "-Não...! - sua mãe gritara - Pare!"
     Pare, "ecoava em sua mente".
    Acordara com o coração em saltos, agarrando-se à cama velha do quarto que alugara.
     Finalmente, acabou.
    Uma empregada da estalagem abriu a porta, parecendo assustada.
    - A senhora tá bem? - perguntou ela - Ouvimos gritos.
    - Sim. Estou. - Fryda respondeu -Foi só um pesadelo.
    - Tem um rapaz esperando pela senhora lá fora. - a mulher comunicou - Disse que quer vê-la.
    - Quem é? - Fryda questionou. Será que...
    - Ele não disse. - ela respondeu - Mas pagou um dejejum pra vocês dois. Disse que resolveu o assunto com o pai dele.
     Bryon. Ela concluiu enquanto suas bochechas esquentavam e enrubesciam . Ele não precisava fazer isso.
     -Tudo bem. - Fryda disse, dispensando a moça - Diga que já estou indo.
    
      Bryon a esperava sozinho em uma mesa na estalagem. O lugar estava cheio, e era frequentado por todo o tipo de gente, desde simples habitantes de Fidalporto até comerciantes das terras verdes. Fryda usava suas roupas gastas feitas de pele de foca que sempre usava, enquanto Bryon usava um conjunto comum de tons marrons. Nenhum símbolo Greyjoy ou de nobreza poderia ser visto em seus trajes.
     Chegando até a mesa, Fryda puxou uma cadeira e se sentou.
      - Olá - Bryon começou - Perdoe-me por não ter vindo logo ontem. Passei todo aquele dia em Pyke. Já comeu alguma coisa?
      - Não. - Fryda respondeu. - Acabei de acordar.
     - Certo. - Bryon falou enquanto estendia um prato para ela - Coma um pouco, então.
     Haviam três pequenos peixes e um pedaço de bacon no prato, que Fryda rapidamente começou a comer. Ela achava estranho o sabor da carne de porco. Quando morava em Luz Solitária, a carne de baleia e de foca eram unipresentes no dejejum, no almoço e no jantar, junto com os abundantes peixes.
    - E então, - ela resolveu perguntar, enquanto mastigava o bacon - Como foi se encontrar com seu pai?
    - Melhor do que esperava, - Bryon respondeu -  Mas receio que seja só o começo. Meu pai quer que eu lidere a primeira investida, com pouco mais que dois barcos para comandar! - exclamou indignado - Tenho a impressão que ele quer me ver morto.
    - Talvez ele queira. - ela comentou - Sei como é ter pais difíceis. meu pai já me pendurou em uma vara de pescar em Luz Solitária, deixando ela engatada a uma rocha e eu à mercê do mar. Ele queria que algo me devorasse.
     Bryon fez uma cara de espanto, levantando a sobrancelha, como se duvidasse do que ela dissera. Era tudo verdade, mas Fryda não podia culpar seu pai por aquilo. Ela merecera pelos seus atos.
     - Como você pode falar isso como se fosse algo completamente normal? - disse ele, com estranhamento.
     - Da mesma forma que você ficou sob ameaça de execução por quase toda a sua vida - Fryda respondeu.
     - Era diferente. Lorde Stark não me tratava mal. Ele era como um...
      E então Bryon segurou as palavras, abaixou a cabeça. Fryda, usando um pouco de seu poder, sentira a palavra que faltava.
     -... Pai?
     - Algo assim. - Bryon disse - Ele parecia se preocupar comigo mais do que o lorde Ceifeiro de Pyke está fazendo agora.
     Fryda continuou a comer. Quando o vira pela primeira vez, achara Bryon um tipo exótico. Ao mesmo que parecia um nascido de ferro, seu jeito de agir e falar era estranho, cheio de palavras que ela demorava para entender.
     Porém, não era por isso que ela se aproximara.
     Graças ao dom da família, Fryda conseguia facilmente sentir magia. Seu pai explicara que era fácil para um troca-peles reconhecer outro, mas que, nela, isso ia muito além.
"-Você sente, não é?"
Foram algumas das últimas palavras de Velho-Longo Jon Silver. Não sabia como, mas ele descobrira seu segredo. Tudo nas ruínas de Valíria deixava sua mente confusa e agitada. Ela podia sentir a energia quente dentro das Catorze Chamas, como um cheiro de enxofre tocando em sua mente. Nunca sentira tanta magia concentrada. Era como o vapor quente de enxofre, mas que tocava sua mente e a pressionava.
Havia algo em Bryon também. Uma energia úmida, salgada e sombria. Aquilo que motivara ela a deslizar pela superfície de sua mente.
     - Posso te mostrar uma coisa? - perguntou Bryon.
     - Pode. - ela respondeu.
Ele, então, puxou de sua manga o que parecia ser a miniatura de um berrante. Era esguio, feito de madeira branca e com detalhes de ferro negro na "boca".
    Então é isso.
     - Onde encontrou esse berrante? - perguntou Fryda.
     - No mar. - Bryon respondeu - Ele me lembrou das lendas de Hrothgar de Pyke. Dizem que ele podia invocar lulas gigantes com seu berrante de guerra. Quem dera esse pudesse....pelo tamanho, está mais para um brinquedo de criança.
É o que você pensa. Fryda já ouvira essa história pelo seu pai, e ele lhe deixara claro que nada daquilo era mentira."Há muito mais para se ver nesse mundo que à primeira vista", ele dizia, geralmente antes de acrescentar suas visões de baleia.
     - Se quiser, posso te ajudar. - ela disse - Tipo, você já tem um barco, né?
     - Sim. Acabou de ficar pronto. - ele falou - Quase esqueci de te mostrar.
     Andaram até o cais, onde estava um dracar negro, ainda cheirando a resina. Parecia um tipo ágil, fácil de manobrar.
      - Ainda não dei um nome para ele. - Bryon disse - E há o problema da tripulação.
      - Está dizendo que o príncipe das Ilhas de Ferro não  consegue achar homens para seu Navio? - Fryda disse, surpresa.
      - É mais uma questão de não saber escolher. - comentou o Greyjoy - Não conheço praticamente ninguém por aqui. De qualquer modo, meu pai provavelmente irá me empurrar uma tripulação que ele achar melhor, e isso não me parece boa coisa. Quem sabe você poderia....
      - Está desistindo, irmão?
Fryda e Bryon se viraram para trás, onde estava a moça que falara a última frase.
      - Asha! - Bryon exclamou, indo até ela. - Pensei que nunca viria.
      - Não conte com isso, irmão. - Asha falou - Vejo que já tem um navio próprio. E quem seria essa?
      - Ela é Fryda Farwynd, filha do Lorde de Luz Solitária, - Bryon respondeu - e o único membro da minha tripulação, por hora.
      - Entendo. - a irmã de Bryon disse - Quanto ao seu problema, acho que posso lhe ajudar. Conheço cada marujo dessa cidade. É melhor que procure por homens que já navegaram juntos, pois...
      Enquanto os irmãos conversavam, Fryda teve sua atenção desviada por uma estranha sensação, como se todo o odor do mar se concentrasse em um só ponto. No apenas isso, como a própria maré parecia cantar em uma direção. Havia alguma coisa.
       Uma coisa definitivamente perigosa.
       Decidiu, então, correr.
        - Fryda! - ouviu Bryon gritar enquanto descia pelo cais. Por algum motivo, parecia que a sensação ficava mais forte a medida que corria, como se estivesse se aproximando do epiccentro daquilo, e não se afastando. Chegara até a praia, uma faixa de areia pequena cercada pelo litoral majoritariamente rochoso da ilha, e onde se obrigara a parar. Viu alguns pescadores próximos a ela, se aglomerando ao redor de uma rede. Ao se aproximar dela, Fryda percebeu que já se sentia mareada de tanta energia. A rede com certeza não estava vazia, mas tão pouco havia peixe nela.
Havia, porém, fedor.
       - Fryda...! Por que saiu correndo com cara de desesperada...? - disse Bryon, que finalmente a alcançara, ainda arfando de cansaço. - Que cheiro é esse?
      Ambos andararam, se empurrando entre os pescadores. A rede se enrolara ao redor do que parecia ser um corpo humano, que aos poucos era desprendido dela. Estava pálido e um um pouco inchado, como qualquer cadáver perdido no mar estaria, e seu cabelo estava em um tom cinza-amarelado, como se tivesse perdido parte da cor. Suas roupas estavam rasgadas, e o que parecia ter sido uma lula gigante dourada em seu gibão agora se desbotara. Pequenas cracas se grudavam sobre seus braços, pernas, seu peito e sua bochecha esquerda, mas sua característica mais marcante era o fedor, que parecia ser de vários peixes podres deixados ao relento. Era uma cena nauseante, especialmente para Fryda, que agpra tinha certeza de que era aquele o epicentro da energia. Era difícil para ela se manter em pé naquele momento.
      - É ele. - ela ouviu Bryon falar, sua voz denotando surpresa e pesar. Olhando para o lado, viu o rosto dele se contorcer, como se não soubesse como reagir àquilo. Porém, sua expressão mudou rápido,  para puro espanto, e Fryda notou no mesmo instante uma mudança na energia, que agora não mais a pressionava. Novamente virando-se para o corpo, entendeu o porquê.
O cadáver abrira os olhos, e respirava.
    - Theon. - Bryon disse. Ele e o corpo-vivo trocaram olhares.
      
       
   
     

    
    
        
     
     
     
    
      
   

Nascido de Ferro: uma história de gelo e fogo Onde histórias criam vida. Descubra agora