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Bryon não podia estar mais deslocado. O machado já passara próximo dele três vezes, e ele temia que a quarta fosse próxima demais.
Os palavrões, os marujos bêbados, as prostitutas, tudo no Velha afogada fedia à merda. E, diferente da sua viagem anterior, Bryon não tinha sua harpa ou livros para distraí-lo. Além disso, sentia uma presença estranha desde que entrara naquela embarcação, como se alguém o observasse. Deve ser paranoia.
As únicas coisas que tinha para ler eram as cartas náuticas e os registros diários do barco, que até eram interessantes. Por meio deles podia-se ver que aquele dracar já tivera dias melhores, tendo como principal local de atuação os mares do sul, além de ter participado da Rebelião. Por algum motivo que não constava nos registros, o desempenho do navio mudara, e ele passara a agir apenas no comércio interno das Ilhas e em contrabando. "O que teria causado isso?".
-O capitão morreu.
O susto causado pela voz desconhecida quase fez Bryon deixar cair o livro de registros. O sujeito que o abordara era jovem, provavelmente na faixa dos treze anos. Seu cabelo era loiro escuro, grande e guardava uma semelhança visível com um ninho de pássaros, como se por anos nada nem ninguém o tivesse penteado a não ser os ventos e tempestades do mar, e talvez uma gaivota. A coisa mais estranha eram os olhos, cinza que mudavam para azul, que mudavam para verde, como as águas do mar. Vestia roupas cinza surradas e tinha uma voz fina.
-O que você disse?- perguntou Bryon, se equilibrando novamente.
-Que o capitão morreu. Por isso a decadência.- o estranho respondeu- Não era sobre isso o que você estava perguntando?
Será que eu pensei em voz alta?
-Eu não me lembro de ter falado isso.-Bryon disse.
De repente, a pele do garoto se tornou pálida como leite, seus olhos se arregalaram, o fazendo parecer mais excêntrico do que o normal.
- É-éh...S-se...-o menino gagejou, tentando se recompôr - Sério? Desculpe-me, deve ter sido coisa da minha cabeça.
O rapaz se virou e começou a andar para outro canto, como quem não vira nada.
-Espere.- Bryon chamou- Quem é você?
O garoto continuou a andar, sem nenhuma resposta. Bryon decidiu segui-lo.
A maioria dos marinheiros do Velha Afogada eram tipicos guerreiros nascidos de ferro, na faixa dos quarenta anos. Tinham uma aparência marcada por cicatrizes de batalha, que chegavam a lembrar um pouco o Boca-Rachada. Eram gente rude, com quem Asha teve certa dificuldade em negociar.
A única exceção era aquele menino de olhos cinza.
Chegaram ao outro lado, Bryon parou para observar o rapaz, cuja concentração estava voltada para o mar. Chegando até a borda, viu que seus olhos estavam fechados, como se ele dormisse.
-Ei! Pode me ouvir?- Bryon perguntou- Quero apenas falar com você.
O rapaz abriu seus olhos e virou tristemente a cabeça.
-O que você quer?- perguntou ele.
-Qual é o seu nome?- Bryon perguntou.
-Sou Fryda Farwynd, filha de Lorde Farwynd de Luz Solitária.
Uma garota. Bryon agradecera a si mesmo por não ter chamado-a de menino ou rapaz. Mesmo assim, não pôde evitar sentir-se envergonhado por tê-la confundido com um homem.
-E eu, Bryon Greyjoy, filho de Balon Greyjoy. Por que você me ignorou e saiu?
-Foi essa a sua impressão? - Fryda disse revirando os olhos- Não era nada. É que....minha família tem um hábito de ficar em...devaneios de vez em quando. É isso.
-Certo- Bryon disse, sentindo que o sujeito parecia bastante desconfortável- De qualquer maneira, você sabe porquê esse barco está tão decadente?
-Eh...sim- disse Fryda- Anos atrás, o antigo dono do Velha faleceu sem ter nenhum herdeiro ou família para ficar com suas posses. Seu último desejo foi que seu cativo, um homem das Ilhas de Verão que ele pegara em um saque, recebesse a embarcação junto com sua liberdade. Acontece que o cativo não foi bem aceito como novo capitão, sendo assassinado brutalmente no processo. Porém, antes de morrer, o ilhéu de verão amaldiçoou o Velha afogada a nunca mais conseguir nenhum capitão descente. No início ninguém acreditara, mas parece que ela ainda faz efeito.
-Isso aconteceu a quanto tempo?- Bryon questionou.
-Dez anos atrás. - Fryda disse- Eu ouvi essa história vinda do último  marujo veterano que restara quando entrei no barco, Velho-Longo Jon Silver. Infelizmente estava infectado com escamagris na época. Estava em sua última viagem, em direção Valíria.
-Deve ter sido triste para a tripulação.-falou Bryon.
-É,- Fryda respirou fundo- Além de ter acontecido há seis meses.
- Seis meses?- Bryon indagou.
-É- Fryda mexeu a cabeça- Faço parte da tripulação há mais ou menos um ano. Geralmente eles me colocam para fazer aquilo que eles não querem fazer por si mesmos, como limpar latrinas. Mas nunca me fizeram mal.
-Bom,- Bryon disse- Ainda me parece estranho que uma lady trabalhe em um barco como esse.
-Não é que eu tenha escolhas muito melhores.-Fryda afirmou- Sou a filha mais nova dos seis filhos do Lorde de Luz Solitária. Nossa pobre casa mal tem madeira para construir seus próprios navios, ou mesmo alimentar seus criados. Eu seria apenas um estorvo se ficasse em casa, e meu pai continuaria a se queixar de mim o tempo todo, como sempre fazia. Eles mesmos queriam que eu ficasse longe, tal como todos, em qualquer lugar. "Quanto menos Farwynd, melhor", dizem. Até mesmo os de Ponta de Pelefoca não são bem vistos, embora sejam mais bem aceitos que nós.
-Entendo.- Bryon falou. Ele já lera sobre o fato da Casa Farwynd de Luz Solitária ter uma reputação ruim nas Ilhas de Ferro. Infelizmente o motivo escapara de sua cabeça.
Será que eles podem ler mentes?
Após dizer tais palavras, Fryda pareceu bastante melancólico, e seus olhos cinza, tristes como um mar sem ondas. Pela primeira vez Bryon podia ver com nitidez os traços femininos do rosto da garota. Farwynd ou não, ninguém devia ser exilado da família daquele jeito. Bryob sabia disso mais do que ninguém.
Não seja coração mole fora um dos principais mandamentos que Asha lhe dera sobre como lidar com nascidos de ferro.
-Estou indo para Pyke, a sede da minha Casa.- Bryon disse- Talvez você possa vir comigo.
Fryda olhara para ele, surpreso.
-Tem certeza de que quer minha companhia? - perguntou o Farwynd.
-Claro.- Bryon respondeu- Algum problema?
Então vieram instantes de silêncio de Farwynd, que começara a desviar o olhar.
-Ei,- Bryon chamou- tem algum problema?
-Não. -Fryda respondeu- Não é nada. Vou falar com o capitão. Não vai ser difícil para eu sair.
-Tudo bem- Bryon disse.
A garota, então, se dirigiu para a cabine do capitão, deixando Bryon sozinho com seus mapas. Enquanto voltava à sua leitura, um outro marinheiro se aproximara.
-Senhor!- gritou ele.- Pyke à vista!

Nascido de Ferro: uma história de gelo e fogo Onde histórias criam vida. Descubra agora