Capítulo 4: Park Jimin

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Eu sei que não deveria ter me metido na conversa dela. Onde que estava com a cabeça? Ela provavelmente acha que sou um louco sem noção. Não sou de puxar conversa em lugares públicos e muito menos de me meter em assuntos pessoais de desconhecidos. Sou mais observador. Você conhece muito mais sobre as pessoas se parar para olhar.

O problema foi que não consegui me segurar ao escutar a conversa. Não que eu realmente quisesse fazer isso, mas provavelmente todo mundo em um raio de quatro metros deve ter escutado. A questão é que me sinto muito mal por ver as pessoas desperdiçando a chance que têm. Eu já não posso mais falar com minha mãe, telefonar ou dar boa-noite. E seria capaz de fazer qualquer coisa por um momento desses.

Não conheço essa garota, mas percebi que ela não se dá muito bem com a mãe nem com o editor de textos do seu computador, a julgar pelo modo como bate os dedos no teclado furiosamente. Já escreveu e apagou várias vezes, suspirando de frustração como se nada fosse bom o suficiente. Acho graça por um segundo, mas tenho medo de comentar e acabar levando um soco na cara.

— Eu não sou assim, tá? — Diz ela sem tirar os olhos da tela em branco e então olha para mim. — Não sou assim sempre. Eu amo minha mãe. Só...

Sem completar a frase, ela volta a encarar o computador e digita algumas palavras freneticamente. Eu tento ler, mas para isso teria que me inclinar para o seu lado e não quero ser conhecido como intrometido e curioso.

— Só não sei lidar com a pressão — concluiu ela, dando uma pausa na escrita.

— Ninguém sabe muito bem.

É a única coisa que consigo responder sem que fique constrangedor demais. Por algum motivo estranho, eu gostaria de desabafar sobre a vida para aquela completa desconhecida. Talvez precise disso, já que não consigo falar com mais ninguém depois que meus pais faleceram. Já me recomendaram terapia, e tentei duas sessões, mas não funcionou. Não consigo me abrir com ninguém. E é por isso que acho estranho a minha vontade de conversar com ela sobre assuntos tão pessoais.

Penso em como começar a falar e até ensaio algumas frases na cabeça, porém logo desisto. Ninguém precisa lidar com os meus problemas além de mim mesmo.

O aviso dos alto-falantes interrompe meus pensamentos.

Senhoras e senhores, o aeroporto continua fechado. Pedimos que mantenham a calma. Em breve tudo será normalizado. Lembramos que a suspensão dos voos é para a sua segurança. Obrigado.

Os funcionários do aeroporto parecem não conhecer a lei da calma: quanto mais se pede calma, menos calma as pessoas vão ter. E é exatamente o que acontece. A mulher que estava sentada ao meu lado volta a brigar com a pobre atendente.

— Isso é um absurdo! Vou chegar atrasada para um compromisso importantíssimo! Vocês não podem simplesmente fechar o aeroporto!

— Senhora, é para a segurança de todos os passageiros — diz a moça sem alterar voz. — A tempestade continua forte e atrapalha a visibilidade.

A moça da companhia aérea aponta para o vidro que mostra a pista do aeroporto, mas a mulher desdenha da situação.

— Ah, é só uma chuvinha! — Ela gesticula em direção ao lado de fora do aeroporto e começa a chorar. — Você não tá entendendo! Ele vai me pedir em casamento! Sabe quanto tempo esperei por isso? CINCO ANOS!

Todas aquelas pessoas daquela aérea do aeroporto agora estão prestando atenção. Até mesmo a garota ao meu lado parou de brigar com o notebook.

A atendente não parece saber muito bem o que fazer com a mulher descontrolada que agora não está mais gritando, mas, sim, chorando muito. Ela oferece um dos seus lenços e pergunta se ela não gostaria de uma água com açúcar para se acalmar. A mulher não responde; só consegue chorar e resmungar, mas acompanha a moça entre a multidão que já se acumulou na sala de embarque.

— As pessoas dão tanta importância pra casamento! — Eu penso, e só percebo que estou falando em voz alta quando sinto que a garota ao meu lado volta a me encarar.

— Você não? — pergunta ela num tom irônico. — Vai dizer que não é o seu sonho entrar na igreja e ficar amarrado a outra pessoa por uma assinatura e uma aliança? — Ela então sorri e me dou conta de que gosto desse sorriso.

— Só acho que tem coisas mais importantes do que assinar um documento ou dar uma festa.

O casamento havia sido um dos motivos para eu terminar o namoro. Depois da morte dos meus pais, a Somin achou que já estava mais do que na hora de casarmos. Eu, recém-formado em Administração, com a responsabilidade de assumir a empresa da família com 20 e poucos anos, guardião da irmã adolescente que enfrenta uma batalha contra a leucemia e ainda amarrado a um casamento e prestes a iniciar uma nova família? Era demais.

Muitos disseram que eu era louco. Que a Somin poderia me ajudar a passar por essa fase difícil, mas, se tinha uma coisa que eu podia afirmar, é que ela não me ajudaria em nada. Na verdade, só pioraria tudo. Ela quase me deixou louco por causa de uma festa de formatura, então nem consigo imaginar o que faria com um casamento nas mãos.

A garota ao meu lado balança a cabeça, concordando com o que eu havia dito, e volta a escrever no notebook. Eu não consigo entender por que hoje meus pensamentos simplesmente não param dentro da minha cabeça.

Ficamos em silêncio por alguns minutos, então deduzo que a conversa está mais uma vez encerrada. Tento não pensar em como me sinto ansioso ao lado dessa garota que nunca tinha visto na vida. Não há razão nenhuma para me sentir assim. Talvez eu esteja exagerando, deve ser culpa do tédio de ter que esperar o aeroporto reabrir. É, só pode ser isso.

— As pessoa seriam mais felizes se não vivessem a expectativa de outras pessoas — declara ela, e me pega de surpresa novamente.

Sim. É isso que eu gostaria de ter dito. A frase é tão verdadeira que tenho medo de concordar. Como poderia falar de algo tão íntimo com uma completa desconhecida?

— Ah, droga! — exclama a garota para ninguém em especial enquanto apaga tudo que havia escrito. - As pessoas poderiam deixar as outras serem livres, sabe? Se cada um se importasse apenas com a própria vida, as coisas seriam mais fáceis. Por que as garotas precisam procurar um marido, por exemplo? Por que as pessoas precisam encontrar alguém? Por que elas não podem simplesmente viver suas vidas fazendo o que gostam? Sozinhas?

Ela me encara com expectativa, esperando por alguma reação. Uma resposta? Um conselho? Um abraço? Não sei lidar muito bem com confrontos e discussões, então só consigo desviar o olhar.

— Parece que você só tem alguma coisa a dizer quando não é sobre você — comenta ela, decepcionada.

Eu continuo olhando o nada e não respondo, mas percebo que ela fica inquieta e levemente irritada.

— A senhora pode dar uma olhada nas minhas coisas por um instante? Preciso comprar uma água. — Ela se levanta rapidamente e fico confuso ao perceber que ela não está falando comigo.

— Claro, querida! — Só agora reparo na senhora que está sentada do outro lado da garota. — Pode deixar que fico de olho no seu namorado também — garante ela, dando uma risadinha.

Finjo que não escutei, mas certamente estou começando a ficar vermelho.

— Ele não é meu... — Ela começa a responder. — Ah, deixa pra lá! Obrigada, volto logo.

Não olho para o lado para saber a direção que ela toma, mas sinto uma leve cutucada da senhora.

— Você desestabilizou essa menina! — diz ela. — Parece uma boa garota. Aproveita que vai ter que passar mais uma hora nesse aeroporto e pelo menos pergunta o nome dela - aconselha e chega um pouco mais perto de mim, com um sinal para que eu fizesse o mesmo. A senhora diminui o volume da voz para que somente eu pudesse escutar: — ela é bem bonita.

Balanço a cabeça, nervoso, e a senhora me devolve uma piscadela. Não consigo acreditar. Só tem gente estranha neste aeroporto.

Mas a mulher tem razão.

Ela é bonita mesmo.

Continua...

Próximo destino: amor | SEULMINOnde histórias criam vida. Descubra agora