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Rebeca despertou com um gosto amargo na boca que associou ao café aguado, que tomou em uma lanchonete de madrugada, após sair da delegacia.

Os primeiros raios de sol tocavam o horizonte, tingindo-o com um amarelo vivo e pássaros cantaram em uma árvore próxima, unindo-se ao som do vento, balançando as copas. Uma lagartixa passeava sobre o capô grafite do carro, ergueu a cabeça e a encarou por alguns segundos, então, como se pressentisse algum perigo, correu desengonçada para longe do seu campo de visão.

A noite mal dormida, lhe pesou nos músculos quando se moveu, mas não tanto quanto os pensamentos e a preocupação que lhe assaltaram. Como tinha previsto, a polícia não tinha nada que a ligasse ao crime, exceto o depoimento de Milton, o gerente do banco e seu ex-chefe, e esse testemunho acabou se tornando duvidoso quando revelou o assédio que sofria, antes de abandonar o emprego.

A presença de Rodrigo também foi importante. Como Drica imaginou, os recibos de sua viagem à cidade vizinha e as lacunas que ele preencheu, reforçaram as dúvidas dos investigadores sobre as alegações de Milton.

O banco do motorista estava vazio e sentiu um leve desconforto ao percebê-lo. Saiu do veículo e andou por alguns metros, aguçando olhos e ouvidos, procurando-o. Estava diante das ruínas do que um dia tinha sido uma casa de fazenda com pilares imponentes e piso de cerâmica portuguesa. O teto, havia muito, tinha desabado, mas algumas paredes que, outrora foram de um amarelo pálido, e as portas, resistiram a ação do tempo e dos vândalos. Pichações se sobressaiam em todos os lugares, desde palavras ilegíveis até poemas e textos vulgares, complementados por símbolos ainda mais obscenos.

Chutou uma, das muitas latinhas de cerveja amassadas e espalhadas pelo chão. O recipiente de alumínio rodopiou, seguindo uma linha sinuosa até se perder no mato alto que cercava a casa.

Rodrigo saiu de entre as árvores que encobriam uma elevação alguns metros adiante. Ele assoviava baixinho com um rifle de caça, com luneta acoplada, sobre os ombros. Caminhava com seu gingado malandro e expressão despreocupada, como se fosse apenas um garoto voltando de uma pescaria.

Nunca tinha lhe prestado muita atenção. Para ela, sempre foi apenas o irmão caçula de Adriana, sua melhor amiga. O viu crescer de longe, sem se preocupar com o tipo de homem que se tornaria. E, mesmo quando passavam as noites bebendo, brincando, jogando conversa fora na casa de Adriana ou em alguma balada, jamais se deu ao trabalho de tentar enxergar além daquele rosto bonito de homem-menino com jeito de conquistador cafajeste.

Porém, na noite passada, quando ele tomou sua mão e entrou naquela delegacia ao seu lado, com um sorriso confiante e sereno, dizendo que eram uma família e que não a deixaria só, foi como se o estivesse enxergando pela primeira vez.

Ele sentou ao seu lado, seus ombros se tocando levemente, enquanto colocava o rifle no chão.

— Gostaria de saber como consegue essas armas — ela puxou conversa, com o olhar preso a uma pedra e uma sobrancelha arqueada.

— Um amigo de um amigo que tem outro amigo — sorriu e ela admirou a leveza com que o fazia, lembrando-a da irmã. — Não podíamos cometer um crime com armas de brinquedo, não é mesmo?

— Não, não somos tão ousados ou estúpidos — concordou, então o mirou diretamente nos olhos verdes e intempestivos. — Obrigada por não me deixar sozinha ontem. — Sapecou um beijo em sua bochecha, cujos fios da barba por fazer despontavam, deixando-o mais austero. Quis rir do tom rosado que sua pele adquiriu, mas não queria deixa-lo mais embaraçado do que já estava.

Rodrigo limpou a garganta e fingiu uma coceirinha no queixo para se recompor. Nunca foi tímido, pelo contrário, contudo Rebeca sempre lhe deixou embaraçado, desde a adolescência, quando teve uma paixão platônica por ela.

Reféns do DesejoOnde histórias criam vida. Descubra agora