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Bianca tomou um gole de café, sentindo grande prazer. Adorava a bebida e, mesmo aquele não sendo dos melhores, era suficiente para fazer seu humor melhorar 80%. Passou a mão nos cabelos, ligeiramente desalinhados, enquanto analisava seu reflexo no vidro da janela, ao lado da mesa que ocupavam numa lanchonete em frente ao hospital, do qual tinham saído meia hora antes.

A mulher que via naquele reflexo, tinha suas feições, mas não era ela. De alguma forma, naquelas 24h, tinha se tornado outra pessoa. Não era a aparência, era o que via em seus olhos. Estavam mais suaves, diferentes da costumeira dureza que sempre exibiam e isso se refletia em seus gestos, nas decisões que tomou e ainda tomaria ao longo daquele dia.

Sentada à sua frente, Drica brincava com um guardanapo, dobrando-o com cuidado. Por alguns instantes, o pensamento de que ela parecia a mistura de uma deusa com uma hippie, lhe passou pela mente, arrancando um sorriso de deboche de seus lábios. Uma deusa cheia de hematomas, mas, ainda assim, muito bela. Os cabelos estavam presos em um rabo de cavalo desleixado, deixando o rosto de traços harmoniosos e delicados completamente visível, no qual uma expressão de inconfundível desalento, imperava. Usava uma camiseta, tão manchada de tinta, que parecia um quadro abstrato.

A parada no ateliê serviu para que pudessem tomar um banho e ficarem mais apresentáveis para irem ao hospital. Por conveniência, Drica tinha algumas roupas no local, velhas e manchadas, que lhe davam aquele ar alternativo e charmoso.

Bianca, por outro lado, se achou estranha naquelas vestes, que em tudo contrastavam com a sobriedade dos terninhos e tailleurs que costumava usar. No entanto, sentia-se confortável dentro delas, envolvida pelo perfume de sua dona. Achou isso engraçado e, ao mesmo tempo, estranhamente excitante.

Drica tinha o olhar ausente e vermelho pelas lágrimas que não ousava derramar. Desde que saíram do hospital, caiu em um silêncio melancólico. Sentia-se tão cansada e desgastada que, por um momento, pensou que não conseguiria chegar até o fim daquele dia, principalmente, quando descobriu quem era sua ex-refém.

Enquanto, caminhavam pelos corredores do hospital, Bianca tinha lhe perguntado:

— Por que me trouxe, se já não estou armada, nem posso te ameaçar? Poderia ter me prendido novamente. Em vez disso, me levou até sua casa, até seu trabalho, está me guiando até sua filha. Por quê?

Tinham acabado de passar pela recepção, um crachá de visitante estava preso às suas camisetas permitindo que seguissem adiante, desviando de funcionários e outros visitantes. O lugar recendia a detergente e álcool, causando um embrulho no estômago da advogada que detestava hospitais e seu incômodo era bastante visível, mas a companheira não teceu comentários.

Depois do sequestro que a vitimou na adolescência, Bianca passou alguns dias internada e toda a atenção e cuidado dos médicos e enfermeiras só tornaram o seu tormento maior. Tudo o que queria, era estar em casa e esconder-se do mundo, lambendo suas feridas, remoendo seus medos, lutando contra os pesadelos que aquela torpe experiência lhe deixou.

Drica parou diante do elevador. Parecia exausta, assim como Bianca, mas esta procurou se manter firme e ereta, enquanto os ombros dela se curvaram um pouco, evidenciando ainda mais o esgotamento.

— Você foi um erro, Bianca. Acho que já deixei isso claro — a voz soou-lhe carregada. — Ter lhe tomado a arma foi apenas uma medida preventiva. O que não significa muito, pois ambas sabemos que você sabe se virar, muito bem, com as mãos nuas.

O fraco indício de um sorriso, visitou seus lábios, mas não foi muito além disso.

— De que me adiantaria prendê-la outra vez? Seus "amigos" me esqueceriam? Com certeza, não. Os meus problemas sumiriam? Também não.

Reféns do DesejoOnde histórias criam vida. Descubra agora