Capítulo 29 - Fúria e Choque (Pablo)

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Será que existe mesmo o certo e o errado? O bem e o mal? Ou o melhor e o pior?

Para mim, até poucos dias atrás, aquelas palavras contraditórias realmente existiam. Como advogado, elas faziam parte do meu dia-a-dia e mesmo de olhos fechados, sabia diferenciar o que era bom do ruim. A ética e a moral regiam a minha vida de uma maneira tão rigorosa que naquela época, que agora parecia tão distante, foi inconcebível aceitar a traição de Luna.

No entanto o Pablo de ontem certamente não era o mesmo de hoje. Tudo estava uma verdadeira bagunça. Desde que reencontrei Luna, as coisas deixaram de fazer sentido. O homem correto e direito havia dado lugar a um ser humano perdido cujo a única direção é uma bússola quebrada.

O que eu podia fazer? Pior do que estar entre a cruz e a espada era ter que tomar uma decisão a respeito daquela situação tão irônica. Juan havia sido chamado as pressas para regravar as cenas do seu último filme que foram perdidas com um incêndio e agora, para minha desgraça, eu tinha a bomba entre as mãos sozinho.

Meu amigo fora explícito ao dizer que em hipótese alguma deveria chamar a polícia para prendê-los, pois isso chamaria a atenção dos jornalistas. Por outro lado, ele ainda desejava que o acampamento se retirasse de suas terras o quanto antes. Razão: a mesma maldita imprensa!

E agora eu estava perdido! Se não fizesse o que ele queria, estaria faltando com meu velho amigo, além, é claro, de esquecer os meus princípios de advogado. Porém se fizesse o que ele havia pedido, o acampamento se retiraria e junto estaria Luna e então... eu não voltaria a vê-la.

Era estranho que apesar de ter sentindo tanta raiva dela, agora estava disposto a protegê-la, ou melhor, a encobertá-la por um ato ilegal. Minha consciência estava sendo renegada à segundo plano e, para o meu espanto, isso não me importava nem um pouco. Era com estar prestes a atravessar as portas do inferno e se sentir feliz por isso.

E ai é que estava o meu dilema. De repente o que era certo num momento, agora me parecia completamente inaceitável. O que seria o melhor agora era o pior e isso já estava me deixando louco!

É claro que o meu enorme problema de consciência se devia exclusivamente à Luna. Era incrível como ela tinha poder sobre mim e era muita sorte a minha que ela ainda não houvesse se dado conta disso. Independente do que decidisse fazer a respeito dos ciganos, ela não saberia jamais o quanto me influenciava, ao menos isso, eu esperava poder garantir.

Me levantei da cadeira do escritório e abri a porta. De nada adiantaria ficar sentado esperando que aquilo tudo se resolvesse por si só. Não, isso não aconteceria. Eu ainda não sabia o que fazer, mas como havia dito Maedel na minha última visita: "Siga seus instintos e achará o que procura." Pois bem, com certeza eu encontraria alguma coisa hoje, ainda que não soubesse exatamente o que.

Vinte minutos depois, estacionei o carro debaixo da mesma árvore de sempre. Já havia anoitecido e as luzes do acampamento podiam ser vistas de longe. Sem nenhuma pressa, me aproximei do pátio central, sem, no entanto, invadir o espaço. Mesmo que Maedel tivesse dito que eu sempre seria bem vindo, preferia aparecer só quando fosse a hora ou seja... bem eu não sabia ainda qual era o momento certo, mas sem dúvida alguma, eu descobria quando ele chegasse.

Foi muito fácil localizar Luna. O vestido vermelho rodopiava em volta da fogueira numa dança insinuante. Eu podia até detestá-la, mas tinha que admitir que ela estava cada dia mais bonita. E naquela noite, em especial, estava mais sensual do que nunca. Simplesmente deslumbrante. Por alguns instantes pensei em invadir a roda em torno da fogueira e arrancá-la dali. Não era justo que tantos olhos tivessem acesso àquela beleza tão espetacular.

"Que isso Pablo?! Luna é livre agora!"

Apesar desse fato ser inegável, eu era um egoísta nato. Portanto de nada adiantava a razão insistir quando o coração ardia em chamas. No meu coração, ainda que não admitisse publicamente, Luna sempre seria minha e ninguém absolutamente ninguém tinha o direito de tocá-la. Sim, podia não ser justo, mas o mundo por acaso é?

Como se Deus estivesse brincando comigo, o quilômetro parado chamado Rafe se aproximou de Luna e juntos começaram a encenar uma perseguição. Ela corria e o infeliz a segurava. Ela se soltava e ele voltava a agarrá-la. Lá pelas tantas, ele fez com que o corpo dela deslizasse junto ao dele. Confesso que nesse momento quase me levantei do meu esconderijo para cometer um assassinato, mas Deus com seu estranho senso de humor fez com que a música terminasse e então uma imensa chuva de aplausos me fez recuar.

- Muito bom, Luna. – Maedel cumprimentou quando os dois se aproximaram. Não sei se pra minha sorte ou pro meu azar, eu conseguia escutar perfeitamente de onde estava. – Esteve ótimo Rafe.

- Achou mesmo Daí? – Ela indagou e fiz uma nota mental de perguntar da próxima vez o que significa "Daí". – Acha que vão gostar no casamento?

"CASA O QUE?" Reprimi um grito que estava a ponto de sair. Por Deus! Como assim casar? Oito meses era pouco tempo! E Taylor? Ela havia esquecido também? Luna havia alegado que me amava e não podia, tendo saído de Fireland tão arrasada, arranjado outro tão rápido a ponto de se casar!... Ou podia?

- Tenho certeza que todos adorarão. Vocês estarão perfeitos no dia. – Respondeu Maedel e aquilo mais pareceu uma previsão.

"Pense bem. Você não quis nada com ela. Ela tem o direito de reconstruir a sua vida."

Sai dali antes que me denunciasse tanto pela fúria como pelo choque. Dane-se! Dane-se minhas palavras! Dane-se minhas atitudes! Dane-se a ética! Agora eu sabia muito bem que entre o certo e o errado estava a minha decisão e eu já sabia exatamente qual era.

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