Capítulo três

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Mesmo puto da vida devido à falta de educação da atendente, o viajante escolhia dentre as doze confortáveis poltronas em couro preto e detalhes em capitonê, um lugar que melhor lhe agradasse para se sentar. Foram apenas alguns passos, mas, mesmo tendo a sua nova bengala como apoio, sentiu-se muito cansado. Sentia como se tivesse acabado de correr uma maratona.

As poltronas que preenchiam a elegante sala de espera, circundando uma futurista mesa de centro, estavam com apenas dois lugares ocupados. Era uma senhora e um jovem, provavelmente seu acompanhante. Ignorando-os, o viajante escolheu o assento mais distante possível. Normalmente ele não gostava muito de ficar isolado, mas devido as suas condições físicas, e principalmente psicológicas por ainda tentar se adaptar a sua nova aparência, achou melhor assim. Até porque, a poltrona que ele escolheu, era a que ficava mais próxima a telefonista.

Na verdade, ele tinha a esperança de ao ser visto constantemente por ela, seria mais fácil conseguir as informações que queria.
Sob o olhar curioso do jovem logo a sua frente, parecendo ter sido o único a percebê-lo, o viajante literalmente se jogou sobre a poltrona, sentando-se espalhafatosamente. Faltou colocar as pernas por cima do braço. Talvez esta possibilidade até tenha surgido em sua mente, mas ele não estava em sua casa. Isso significa uma falta de educação para qualquer idade. Suas ações, de forma alguma condizia com a idade que aparentava.

Soltando um profundo suspiro de satisfação por encontrar um lugar decente para descansar sua nova velha carcaça, finalmente relaxou.

A sua teoria até que deu certo, pois não demorou muito para que a atendente o avisasse de que Vayla estava acompanhando o irmão Ayron. Ele estava bem, mas estava em observação. Isso aliviou um pouco a sua preocupação, apenas um pouco. De qualquer forma, queria ter certeza. A visão que teve com ela em Dramagerom, não havia surgido de sua imaginação.

Infelizmente para ele, teria que aguardar naquela sala até que a Vayla fosse avisada por alguém do hospital sobre a sua presença. Apenas quando a própria Vayla viesse dizer-lhe pessoalmente que estava tudo bem, é que ele se sentiria em paz.

Mesmo com os dois estranhos ocupando as poltronas posicionadas logo a sua frente; o velho se sentia solitário. Naquele lugar requintado, sentia-se como um peixe fora d'água.

Um dos ocupantes, uma senhora morena bastante robusta, vestindo uma longa bata de cores vivas e um lenço floral adornando a cabeça, também parecia bastante aflita. Suas maçãs do rosto quase lhe cobriam os pequenos olhos castanhos escuros. Eles estavam marejados.

De tempo em tempo, a mulher repetia a mesma ação: pegava um lenço de dentro de sua bolsa de seda multicolorida, limpava a testa umedecida pelas gotículas de suor e depois descia o lenço pelas volumosas bochechas. Ela limpava constantemente os fios de lágrimas que brotavam no canto dos seus olhos. De vez em quando, ela olhava pesarosamente para a própria perna que estava extremamente inchada e suspirava.

O menino por sua vez, não conseguia parar de olhar o velho viajante.

O rapaz tinha os cabelos pretos lisos e lambidos na frente. Encimava um rosto afunilado de pele clara e todo pipocado de espinhas. Suas espinhas começavam na fronte, descia pela face ossuda manchada de rosa, onde as erupções cutâneas estavam inflamadas, livrando apenas o nariz protuberante e o queixo fino com ralas penugens. Seus olhos brancos e pretos num misto de curiosidade e medo, pareciam fascinados com a presença do velho viajante.

Contrastando com o ambiente refinado, o velho viajante trajava camiseta preta de malha e uma calça jeans azul claro batida. Todo desarrumado como se tivesse acabado de sair de uma briga, o que mais chamava a atenção, era o seu tênis branco encardido que estava completamente sujo de manchas pretas de terra e alguns respingos vermelhos escuros. Se olhasse atentamente, pareciam serem manchas secas de sangue.

Sua expressão exausta abaixo de seus cabelos acinzentados, mesmo exibindo um verde olhar jovial, estampava um semblante de rosto profundamente riscado pelas marcas do tempo.

Por mais de dez minutos o viajante permaneceu estático. Ele estava olhando fixamente para a mesinha à sua frente. Embora seus olhos estivessem voltados para o centro da sala, sua mente divagava num transe quase profundo. Ele teria ficada assim por muito tempo, apenas desfrutando do seu eu, mas a dor no peito e o arrepio na espinha novamente o atacou. Eram os mesmos sentimentos que o havia distraído em sua viagem conturbada. Desta vez, com muito mais intensidade, algo estava muito errado. Pondo-se em alerta, ele se levantou rapidamente.


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