1 - Mais do que uma viagem

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"Essa é uma péssima ideia!" Foi o que a mamãe despejou no pé do meu ouvido direito pela provável vigésima vez dentro do carro.

Era realmente incrível como as mãos de um ser humano com um pouco mais de um metro e sessenta de altura conseguiam agarrar um cinto de segurança com tamanha força paranormal, mas ali estava ela... Imóvel em cima do banco como se fosse uma das réplicas daquelas estátuas vivas de centros comercias e suando como se sua vida dependesse de cada metro que o carro percorria sobre o meu comando. Enquanto isso, eu me preparava desajeitadamente no banco frontal, com os nervos à flor da pele e cheios da animação que eu não me preocupei nem um pouco em conter.

Certo, então... Estávamos quase no destino final da nossa viagem, e o papai achou que passar o posto de motorista para mim àquela altura do campeonato seria uma ideia fenomenal.

Claro que eu não discordei!

Afinal de contas, aquela seria uma grande chance de mostrar para a mamãe que sua unigênita já poderia ser considerada e denominada uma mulher (quase que) inteiramente independente e que... Tudo bem, sei que dirigir um carro com a velocidade constante de dois quilômetros por hora em uma estrada literalmente despovoada não era um requisito tão considerado assim para a análise do amadurecimento da sua filha mas, o que eu tinha a perder, certo?

"Ela tem dezesseis anos, querida"
O papai introduziu o seu corpo devidamente fardado entre os dois bancos da frente, provavelmente procurando um jeito de fazer com que a artéria pulsando freneticamente na têmpora da mamãe voltasse ao normal "Se ela não colocar as mãos no volante agora, eu não sei quando vai."

"Ele tem razão, mãe. E pensa no seguinte...O que pode acontecer de errado...certo?" Eu disse, alternando o meu olhar entre ela e a estrada... O que provavelmente tinha sido uma péssima ideia, levando em consideração a expressão de pânico que tomava conta da sua feição a cada distância que percorríamos "Quero dizer, vou completar dezessete daqui a três semanas e nunca derrubei um cone de trânsito sequer quando treinava com o papai na rodoviária da Virgínia... Certo, posso ter derrubado um ou outro enquanto tentava estacionar pela primeira vez, e posso ter atropelado umas três latas de lixo inofensivas no processo, mas a única coisa que poderia acontecer de uma maneira nada intencional, seria eu conduzir todos nós a um possível capotamento."

"Viu só?" O papai abriu um sorriso mais que tranquilizador na direção dela "Temos tudo sob controle!"

E foi assim que a família Cooper chegou à Califórnia no meio das férias de verão, vindo da West Virgínia em um Audi quase caindo aos pedaços.

Felizmente, não meti nem eu e nem os meus pais em uma missão homicida enquanto dirigia oficialmente pela primeira vez em uma estrada, mas se pararmos para analisar a situação como um todo, o lado plausível daquilo tudo, era que se algo desse errado, morreríamos de uma forma explosiva e ao som de "Hotel California" (a ideia da ironia tinha sido minha) tocando na rádio.

Eu e o papai concordávamos na ideia de que morreríamos como verdadeiras lendas, mas claro que explicar isso para a mamãe não ajudou muito no quesito deixar-a-viagem-mais-tranquila, porém depois de eu largar o volante e de pararmos em um posto de gasolina antiquado em Riverside perto das quatro e meia da manhã, eu supus que a pressão cardíaca dela havia voltado a um ritmo relativamente normal. Pelo menos era o que eu realmente esperava.

Eu normalmente costumava ser bastante insegura em relação a basicamente tudo ao meu redor, mas queria poder me sentir confiante pelo menos uma vez na vida por algo que eu estava tentando aperfeiçoar ao longo dos anos desde a época do reencontro do American Pie. Sei que eu não era nenhum Jim Clark das estradas desérticas da Califórnia, mas esperava ao menos a metade de um voto de confiança vindo da mamãe.

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