Capítulo 5

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Isis apertava fortemente minha mão, um aviso constante de que teríamos que correr mais rápido. Tentei não me distrair com o turbilhão de lojas que surgiam conforme os pés praticamente voavam pela rua. O capuz já havia caído, e as pessoas notavam que estávamos fugindo, mas ninguém nos parou ou se pôs no nosso caminho. Me alarmei com cada mulher de cabelo azul que passava, e olhava em busca de reconhecimento.

A capa de Isis derrubou um vaso de porcelana vermelho ao longo do percurso, o que a fez pedir desculpas aos berros, pois nos afastávamos com velocidade.

Ainda estávamos sendo perseguidos pelo trio, mas os perdi de vista quando atravessamos uma estrada que carruagens passavam, uma atrás da outra. Um Fada dirigia uma, quando passamos na frente e ele obrigou os cavalos a pararem, os animais relinchando alto com as rédeas puxadas. Isis já estava cansada, e eu também.

Ah, como fui burra.

Entramos em outra rua, sem sinal dos trigêmeos atrás de nós, e pomos novamente os capuzes, andando rapidamente e nos misturando com as pessoas. Porém subitamente fizemos a curva num beco e esperamos, respirando mais do que fundo, encostadas numa das paredes. É estreito o bastante para as pessoas nem prestarem atenção nele, especialmente com o lixo bem no fundo e as bases das paredes cheias de limo.

Não tinha como não reconhecer os filhos de Nicole, ou não saber logo de cara que os olhos quase felinos e pretos que me encaravam eram de Liliane. Como esquecer, depois da noite do aniversário de Maribela, quando fui tão indiscretamente observada por eles?

A cidade não está em nada como o que minha mãe narrara há muito tempo, como um cenário pós guerra, e uma prisão. Leila deu continuidade à construção do Palácio que antes era gaudiano, e de cidades ao redor, o verde da grama substituiu aquela aparência desértica. Não tinham mais escombros e corpos, e sim feiras enormes. As tapeçarias vermelhas, verdes, azuis, com paisagens inteiras pintadas, todas estendidas para vender. Vasos com o símbolo gerundiano, com pinturas de Ares, Leila... até de minha mãe. Uma música diferente tocando em cada lugar, um aroma diferente de perfumes, comida, flores, vindo de cada canto. A rua não está preenchida, mas há um número considerado de pessoas andando e entrando nas lojas, se sentando nas mesas para beber, rir. Não, minha tia não fizera um trabalho ruim. Ao que parecia, ela conseguira pelo menos recompensar desse modo os milênios que passaram sob ameaça de um reino ilegítimo.

O trabalho de se misturar na feira, e depois nos dividirmos foi por água abaixo quando olhei para a vitrine. Achei que nenhum deles seria tão esperto, ou que não haveriam coincidências, quando vi o trio parado e ergui os olhos para a vitrine, e encontrei o olhar de Liliane. A Feiticeira ficou congelada, mas observou quando sussurrei para Isis que havia sido reconhecida. Sua expressão atravessou uma onda de dúvida, e ela abriu a boca para falar algo, mas também travou, ainda virada para a vitrine. Tentei lhe passar um olhar de aviso. Ela não tem ideia do que poderia estar interrompendo. Abaixei a cabeça novamente e andamos rápido. Por um minuto, a música pareceu baixa demais diante dos passos atrás de nós, da voz feminina de Liliane. É ela, disse.

Os outros não entenderam quando ela veio atrás de nós. Mas Isis percebeu a movimentação. Ela pegou minha mão e me puxou correndo, passando no meio das pessoas, tentando perder Liliane de vista. Ela já estava correndo atrás de nós, mas estava sozinha pelo menos nos primeiros segundos.

Tirei o capuz e a adaga da bainha, rezando para os trigêmeos nem nos notassem também. Tinham que passar direto. Encostadas numa das paredes, bem na esquina e sem fôlego, esperamos. Isis também estava com uma faca. O lixo aos fundos do beco fedia mais do que tudo... se eu tiver um cheiro a ser reconhecido, provavelmente vai ser abafado por isso.

- Ela sabe quem é você? A conhece? - Isis perguntou baixo.

- Sim, e outros dois que estavam com ela também. Foram mandados por Leila atrás de mim na... - Comecei, mas quem surgiu foi Jordan. O puxei pelos ombros e joguei-o contra a outra parede de tijolos antes que pegasse qualquer arma, com a lâmina pressionada com seu pescoço. Isis tirou a espada e olhou para ele, mas pareceu não se importar, sorriu e olhou para mim, pondo as mãos para cima. O Lobisomem é muito mais rápido do que isso, parecia ter concedido minha ação. Senti uma expectativa crescendo em Isis, ao meu lado.

Entre Sereias - O Portal Submundano [Livro II]Onde histórias criam vida. Descubra agora