Capítulo 19 - Isis

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Odiava conhecê-la o bastante para saber o que desejava. E odiava ainda mais ter me apegado a eles.

Mas talvez nem Aysha soubesse o quão intenso é seu próprio desejo. Talvez nem sinta, tanto quanto eu, a espreita dele. Nem quando ele nasceu, nem como o está alimentando tão desesperadamente. Ansiosa por dar respostas e socorro a alguém, visto que ela mesma não tem.

Isso me faz estremecer. Pelos meus cálculos passaremos bem longe da capital agripiana, mas ainda assim não importa se é dentro ou fora da capital, longe ou perto dos olhares do rei e do seu herdeiro: em todo o território agripiano eu sou uma criminosa. Aysha não podia, de forma alguma, nem pensar em ir para a capital agripiana. Pelo menos não comigo. Não posso pôr meus pés em Agripia.

Ache seu caminho de volta, ele dissera.

Também sonhei, noite passada.

Há histórias que atravessam gerações no meu povo, e uma delas é sobre uma menina que costumava passear com o pai. Ele sempre a levava pelas ruas, ensinando todos os truques e artimanhas possíveis. Ensinou-a a chegar em casa com as luzes da rua ainda acesas, a correr como se não houvesse amanhã, as peças e jogos mais sujos das ruas que poderiam usar contra ela. Guiou-a na leitura das estrelas, falou para ela nunca esquecer de quem é, porque um dia ele poderia não estar lá para lembra-la.

Mas um dia, ensinou-a a amarrar o cadarço sozinha, deixou-a do lado de fora, e disse: ache seu caminho de volta.

Claro, era só uma história que passam adiante para as meninas.

Porém, lembro-me como se fosse hoje do dia em que me vesti de branco, flores me adornavam e ninguém estava comemorando, apesar de ter sido uma festa. Pareceu um funeral... o meu funeral.

Um instante antes de me levarem embora, tive a chance de me despedir de minha família. Me despedi somente dos meus pais, pois não poderia mandar meus tios para o inferno em público. Eles eram o motivo daquilo, mas tinham a audácia de me dizer que lamentavam.

Minha mãe não conseguiu disfarçar, e chorou a ponto de soluçar no meu ombro. Meu pai, por outro lado, estava estranhamente relaxado quando me abraçou. Minha certeza de que era a última vez que eu os via se esvaiu assim que ele sussurrou para mim: Ache seu caminho de volta.

Foi o que me levou a fazer o que estava ou não ao meu alcance nos últimos meses: eu tenho para onde voltar.

No sonho, eu era a menina da história. O céu estava extremamente estrelado, e gramado se estendia até onde meus olhos podiam ver. Meu pai estava lá, com toda autoridade e poder em sua postura e roupas, adornadas em ouro. Mas sua voz era só ternura: Ache seu caminho de volta.

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⏰ Última atualização: Sep 29, 2021 ⏰

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