Dois anos antes - Parte 2/3
Achei que quando Leo estava nos meus braços, morto, tivesse sido o auge da minha dor.
Quando Fred finalmente me levou de volta ao acampamento, percebi que não. Me dispensaram para longe, por meu ferimento ser leve demais e eu não saber ajudar os Feiticeiros. Tinha gente demais realmente à beira da morte.
Me senti subitamente perdida, e não soube o que fazer. Até o ferimento me pareceu uma dor distante, como se eu estivesse anestesiada.
- Eu vou voltar – Fred me avisou, apertando meus ombros e correndo para a tenda da enfermaria.
Não soube o que estava fazendo quando também dei as costas, arrumei minhas coisas e saí andando para o posto militar. Eu devia estar com fome. Devia estar com sede. Mas não consegui sentir absolutamente nada enquanto andava doze horas seguidas pela floresta. Já era noite quando me viram das torres, saindo da mata, ergueram e depois abaixaram as armas, me reconhecendo. Só me lembro de terem aberto os portões, de terem me feito um milhão de perguntas sobre o sangue em mim e perguntarem se deu tudo errado na missão, de eu não conseguir responder nada e subir para meu quarto.
Foi quando entrei no banho que a dor me atingiu por completo e não consegui me manter de pé. O sangue de meu noivo desceu pelo ralo, junto com todos os nossos planos que nunca poderíamos cumprir por conta dessa prisão. Matei um superior, não me importei de esconder o corpo, ou colocá-lo no campo de batalha. Quem tiver um cérebro, com certeza vai saber que foi assassinato. Mas não me importo. Faria de novo, e de novo, e de novo.
Meu peito dói e parece que vou ter um ataque. Meus olhos tremem, e algo ao redor de minhas sobrancelhas lateja. Meu Leo. Mordo meus joelhos para conter os gritos que me sobem à garganta.
Ele tá morto. Eu devia ter lutado mais, enfrentado meus superiores com mais afinco. Queria ter tido postura para negar que os artilheiros fossem. Não devia ter deixado seu corpo para trás.
Só noto que abri feridas com as mordidas porque água as faz arder. O gosto do sangue... apoio os cotovelos no chão para não me sujar com o vômito.
Três dias. Foi o tempo exato que me permitiram ficar no quarto. Três dias para lidar com o luto entre quatro paredes.
Fred, Clint, Tan e Nuri entraram no segundo dia, para tentar me forçar a comer. Eu estava quase desacordada e mal conseguindo abrir os olhos de tanta tontura, mas os senti sentados perto de mim na cama. Ouço passos de lá de fora também, rápidos e suaves demais. Eles empurraram sopa na minha boca até que eu conseguisse comer sozinha. Ninguém anda para esse lado do posto sem que o objetivo seja vir ao meu quarto. E as únicas pessoas que realmente queriam chegar aqui já estão perto de mim, então me convenço de que a fome está me dando alucinações. Tentaram conversar comigo sobre o que aconteceu, que estariam do meu lado até o fim. Cada palavra entrando nos meus ouvidos como facas.
- Eu sei – minha voz saiu baixa e estranha. Talvez pelo desuso. – E agradeço. Mas não quero falar sobre isso. – Isso fez com que eles ficassem meio desconcertados, e dei outro assunto para falarmos: - Perdemos muita gente?
- Dois terços do total. – Nuri quem respondeu, os olhos se desviando para a parede. – Metade dos atiradores.
Engoli em seco. Perdemos muita gente. E Leo estava em ambas as listas, só um número no meio do saldo de mortos.
- O que mais aconteceu enquanto eu estava na minha quarentena? – Forcei um sorriso, que com certeza ficou mais parecido com uma careta.
Todo mundo trocou olhares e se remexeu desconfortável na cama.
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Entre Sereias - O Portal Submundano [Livro II]
FantasiAs crenças de Ayslanne e Arthur de que teriam uma vida de paz longe de Gerundium foram por água abaixo quando descobriram que teriam uma menina. Cientes dos perigos que o outro mundo estava enfrentando, das invasões e confrontos, da intenção de Leil...