Capítulo 9

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Contive o pedido de que dormissem comigo, e agradeci aos deuses por reconhecer o corredor do quarto dos meus pais como o que vem logo antes do meu. Abracei-os antes de retornar ao meu, e respirei fundo. Amanhã teria que reparar o erro de nossa conversa ali, ou deixar esse trabalho para a minha mãe. Quem cometeu o deslize fomos nós, e Nicole escutou tudo.

Me deitei novamente, e demorei até dormir. Ainda estava agitada e com os pensamentos a mil. Meus pais nunca me deram tantas palavras permissivas de uma vez só, e não consigo imaginar se mentiram ou não sobre não saberem de minha Herança como mentiram sobre esse mundo, sobre eles e sobre mim.

Meu pulso para cobrar a mentira de mais de dez anos me falhou quando lembrei do que o meio-irmão de meu pai fez a ela, quando foi capturada nesse palácio em uma missão para recuperar o Medalhão. Não faria a maldade de fazê-la admitir e lembrar sobre isso.

Dormi profunda e confortavelmente, depois de anos aguardando. Acordei mais uma única vez para beber água durante a madrugada, e nem vi quando Laurel entrou pela manhã no quarto, separou uma roupa e deixou o café da manhã na mesa, até que ela me desse bom dia.

- Bom dia – respondi, coçando os olhos e me sentando. Primeiro fui ao banheiro para lavar o rosto e vi a roupa que Laurel me havia deixado pendurada num cabide. Finalmente calças e uma camiseta branca, então não relutei nem um pouco para me vestir. O que faria no restante do dia? Claro, além de ser coroada.

Laurel atendeu à porta da frente quase no imediato segundo que alguém bateu. Meus pais lhe deram bom dia e saí do banheiro para recebê-los.

- Tem um sino ali em cima – disse ela para mim, apontando para a mesinha de centro perto da lareira onde um pequeno sino dourado estava repousado. – Se precisar de alguma coisa, pode tocar e virei o mais rápido possível. Tenham uma ótima manhã.

Assim, ela acenou para nós e saiu.

- Minha tia os escraviza? – perguntei assim que a porta se fechou, sem conseguir me conter.

- Não, não – minha mãe respondeu sorrindo. – Eles são bem pagos. A maioria nem mora e nem precisa morar aqui, alguns tem esse trabalho só para se entreter com a corte. Leila os dá assistência como pode.

- Vocês já comeram? – perguntei, estendendo o braço ao levantar a tampa da badeja cheia de comida. Nunca conseguiria comer tudo sozinha.

- Já – ela respondeu, sentando-se numa das cadeiras à mesa de jantar. – Só viemos ficar com você, e conversar.

Olhando para ela agora, sentada com os dedos entrelaçados, sinto que ela não me conhece, mas que eu sei de tudo sobre a vida dela de antes dos dois anos atrás.

- Sobre o que querem conversar?

Me sentei numa das cadeiras perto de minha mãe, e meu pai no braço do sofá não muito longe da gente.

- Eu não sei – ela disse, mas vi o pesar em seus olhos. – Me perdoe... pelos anos em que fiz sua vida um inferno, e depois deixado você sozinha naquele ninho de dragões. Não fui uma boa mãe com você.

Comi um pedaço de torrada antes de responder. Precisava de tempo para processar. Mesmo sabendo das justificativas, não conseguia ficar sem mágoas. Tinha que pensar mil vezes antes de sequer falar com eles, e sempre me sentia como um empecilho. Sei que viajaram muito antes de eu nascer, foram felizes e aproveitaram o que aquele mundo tinha de lindo e bom. Mas eu nasci, e eles ficaram fugindo de cidade em cidade sem contato com o resto do mundo, a não ser pelos clientes que atendiam online. Mas ainda assim não contava.

E mesmo depois de ter engolido a comida, não consegui responder por conta do nó na garganta. E também não sabia o que dizer. Não estava tudo bem. Não de verdade.

Entre Sereias - O Portal Submundano [Livro II]Onde histórias criam vida. Descubra agora