6º Cap. BLUPT

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Pronto. O raio invisível lascou uma foto da minha vértebra. Depois de revelada, pedi para me mostrarem, mas nem adiantou. Não entendi nada, eram todas iguais. Mas o cara olhou e falou que a minha vértebra estava bem ruinzinha. Fiquei puto. Não era possível, quase um mês sem levantar a cabeça e essa porra ainda não havia solidificado. Vai ver esse merda não entendia nada. Ou, então, os burros dos médicos: campineiros não entendiam nada de vértebra quebrada. É mesmo, sempre soube que, quando quebra um osso, tem que engessar e tomar bastante leite. Não, besteira minha, engessa porque tem que ficar imóvel. E meu pescoço estava imóvel. "Que bosta, que bosta, que bosta! Eu quero sentar, sentar. Quero ir para um banheiro, sentar na privada, peidar, roer a unha, bater uma punheta."

A maca começou novamente a andar. Saímos da sala, entramos num elevador bem comprido. Que delícia, o elevador subindo. Eu estava andando por tabela. A máquina fazia vibrar todo o corpo. Sentia até ventinho na cara, como se estivesse guiando um kart. Subindo, levitando, crescendo, como um anjo escolhendo a mais confortável nuvem para repousar, meditar e viver. Estava indo para meu novo leito, continuaria deitado, fazendo o possível para não enlouquecer.

Pára o elevador. Acabara a sensação deliciosa. Quase pedi pro guia dar mais uma voltinha. "Aperta o térreo de novo." Mas eu tenho senso do ridículo.

Abre-se a porta, novo corredor. Este, amarelo-claro. "Devo estar na parte velha do hospital, pois o teto (pé-direito, na linguagem engenheril) é bem alto, com portas também altas. Cheiro de comida. Provavelmente estou perto do restaurante. Incrível, mas faz um mês que me alimento de sopas e alguns danones. Quem sabe não irei comer um filezão com fritas e bastante cebola. Uma salada de cenouras cruas, com azeite e vinagre.

Entramos em um corredor estreito. "Devo estar chegando." Uma mistura de êxtase e nervoso fazia minha barriga doer. Estava curioso para conhecer o falado quarto. "Será amarela a cor do teto?" Não, provavelmente seria um quarto todo vermelho, cama redonda giratória, espelho no teto. A enfermeira me receberia vestida com uma camisola transparente preta e, depois de banhar meu corpo com óleo de amêndoa chinesa, deitaria sobre mim, falando baixinho no meu ouvido: "Bem vindo, gostosão".

Marrom-claro, bem clarinho. Nem bonito, nem feio. O pé-direito altíssimo. Teto de madeira, com um monte de ripas. No centro, um lustre redondo. Luz normal. Interessante.

Por incrível que pareça, estava ficando com saudades da UTI, das minhas enfermeirazinhas. Aqui estava tudo meio esquisito. Minha cama não estava arrumada, não tinha colchão de água. Deixaram-me jogado numa maca, sozinho. Comecei a ficar inseguro, num lugar que não conhecia, com pessoas que não conhecia, num corpo que não conhecia. A porta estava aberta e o eco que fazia no corredor dava a impressão que tinha uma verdadeira multidão. Chamei por alguém e veio um enfermeiro meio bicha. Carinhoso, ficou pegando no meu braço, explicando a dificuldade de arrumar um leito pra mim, pois o colchão d'água era muito pesado (em torno de 150 quilos), e eu precisaria de uma cama mais forte. Realmente. Eu, pesando uns 65 quilos, mais o colchão d'água dava uma gorda enorme de uns 215 quilos. Não precisaria só de uma cama, mas de uma verdadeira estrutura metálica, pra agüentar todo este peso.

Finalmente conheci meus novos médicos. Dr. Luís era clínico geral, responsável pela minha saúde no hospital. Depois, veio um neurologista que nunca mais vi na vida. Fez os testes da agulhinha:

- Sente aqui? - Sim.

- E aqui? - Não. Fez umas anotações, me olhou preocupadamente e foi embora. Veio um enfermeiro, tirou o caninho amarelo que continha soro. - Agora você não precisa mais disso, você vai-se alimentar com comida.

Já estava gostando desse hospital. Homens de coragem. Estavam-me tratando mais naturalmente, sem caninhos (exceto a sonda no pinto), comida pura. Altos progressos.

Feliz ano velhoOnde histórias criam vida. Descubra agora