8º Cap. A desgraçada fazia cu doce

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Assim foi aconselhado, assim foi feito.

Marcinha veio me ver. Estava assustadíssima, pensava que fosse um probleminha de nada. Não sabia se me beijava ou se chorava. Tentei tranqüilizá-Ia, mas não deu. Estava indo pra Andradina, onde moravam os pais, e só voltaria depois do carnaval. Prometeu torcer pra mim e disse que depois iria me ver já em casa. Tchau.

Marcinha era minha namorada. Incrível, né. Até agora ela nem tinha aparecido na história, mas era minha namorada, dá pra entender? Nem eu. Foi o namoro mais confuso que já tive. Vou começar do princípio.

Era uma vez uma amiguinha da minha irmã, no ginásio. Loirinha, bobinha (nem tinha peito formado). Vivia lá em casa desde os treze anos (eu, com quinze). Melhor amiga da Big. Complexada, triste. Eu não largava do pé dela. Sempre enchendo o saco, tirando sarro da cara dela. E ela, me confessando depois, curtia uma paixão infantil por mim (típico: gostar do irmão mais velho da amiga) , jurou pra ela mesma que me faria ficar "afins" dela. E fez.

Um tempo depois, ela já mais crescidinha, fiquei vidrado. Foi na festa da Denise. No primeiro dia que dei uma bola. Ela estava de preto, com blusa de abotoar branca, sentada no sofá, e eu, no chão, pedindo pelo amor de deus, que ela namorasse comigo. A desgraçada fazia cu doce. Insegura, fria, dizia:

– Não sei, acho que não vai dar certo. – Mas vamos tentar pelo menos.

– Não, eu queria ser sua amiga, mas namorar, não sei.

O engraçado é que meu primo, melhor amigo na época, também estava "hiperafins" dela, e nós brigávamos horrores. A boboca não transou nem comigo, nem com o Richard. Transou com um babacão, menino discoteque, típico boyzinho paulista. Mandamos a menina se foder, e nunca mais a vimos. Nem minha irmã, que, a esta altura, já estava virando também "bicho-grilo". E a menina virou gatinha discoteque, careta, alienada, um tipo bem comum nos anos setenta.

Mas o Brasil mudou, e a Marcinha também.

Depois de ter levado o pé-na-bunda da Ana, me dediquei pacas ao movimento estudantil. Comecei a transar o pessoal do Refazendo (tendência estudantil), em Campinas. Fiz campanha pra UEE, ganhamos. Vinham as eleições da UNE e os caras começaram a fazer mais ainda minha cabeça. Eu era popular na Unicamp. Conhecia todos os "bichos-grilos" e todos os "malucos" que eram politizados, mas não participavam. Fui eleito presidente do Centro de Engenharia Agrícola, o que me surpreendeu. Colocar um cabeludo maconheiro no Centro é um ato de muita coragem (mais tarde, na festa do BIIIN, é que descobri que a maioria dos colegas engenheiros eram maconheiros). Em troca do meu apoio à chapa (Mutirão), exigi a minha participação nos altos escalões do Refazendo. Descobri que

o Refazendo não era simplesmente uma tendência do movimento estudantil. Tinha coisas obscuras por trás: uma organização de esquerda forte dos anos sessenta, a Ação Popular. Fiquei entusiasmado. Era barra pesada: reuniões secretas e coisas mais. (Não seja ridículo.) Não éramos terroristas, subversivos, nem fazíamos planos de um levante armado pra dar o poder às classes trabalhadoras. Eram simplesmente reuniões de discussões sobre nossa intervenção no movimento estudantil, quiçá no movimento operário. (Ah!) A chapa Mutirão fora eleita. A luta continuava. Precisaríamos de mais reuniões para sabermos as próximas etapas. Então o cabeludo fora destacado, junto com o Rubão (Diretor da UEE em Campinas), para uma reunião de cúpula na GV, em São Paulo. Fui lá. Como toda a reunião, estava um saco. Não agüentava mais e desci prum bar em frente. Pedi um guaraná e achei bonitinha uma loirinha que tava no canto do balcão. Moderninha, trancinha no cabelo, toda de branco, bem loirinha. Continuei tomando meu guaraná, quando ouço bem baixinho:

– Marcelo, é você?

Era a loirinha que estava perguntando. Como ela sabia o meu nome? Mas êpa, pera aí...

Feliz ano velhoOnde histórias criam vida. Descubra agora