MATARAM RUBENS PAIVA JESUS CRISTO CHE GUEVARA HERZOG SANTO DIAS 20 MIL NA ARGENTINA 30 MIL EM EL SALVADOR MATARAM E DECEPARAM VICTOR JARA
Mas nunca vão matar aquela esperança que a gente tem de um mundo melhor, que eu não sei direito como vai ser, mas tenho certeza de que gente tipo "o oficial loiro, de olhos azuis", tipo Brigadeiro Burnier e tipo Médici não vai ter .
Finalmente veio a hora do rango. Primeiramente, uma sopa, muito mais consistente que a da UTI. Bom. Depois, inacreditável, arroz, carne, cebola e uma verdurinha que deveria ser chuchu. O prato dava para dois, mas comi em um segundo. Salada, sem tempero, mas era salada. E tinha até sobremesa, veja só que mordomia. Mamão, que é bom para o intestino. Pra descer a comida, um suquinho artificial, com a pretensão de ser de laranja, que tinha mais gosto de dióxido-rubinolaranjeico-2. Nem tudo é perfeito. Faltava o cafezinho, mas tudo bem. Veio a moça buscar a bandeja, e perguntei se não poderia repetir o prato. Claro que não podia, era uma dieta cuidadosamente receitada.
A noite vinha chegando, e com ela o pavor da insônia. Há quase um mês que vinha sofrendo com isso. Só que na UTI tinha outros caras estourados pra gente se distrair. Aqui só iria dormir eu, num colchão de ar, pois os colchões de água do hospital estavam todos ocupados. Ao meu lado ficava outra cama, para o acompanhante. O colchão de ar era mais gostoso, macio. Tinha um motorzinho, provavelmente um compressor, que ficava ligado deslocando o ar através do colchão, fazendo com que meu corpo ficasse em ligeira movimentação. Uma mistura de massagem com mudança de posição.
Minha mãe iria ser minha acompanhante naquela noite. Bom. Era a pessoa que me dava mais confiança, e eu já estava prevendo uma noite difícil.
Onze horas, medicamentos: remédio pra dormir, antibióticos, tranqüilizantes. Que dia emocionante hoje. Primeiro, um passeio de ambulância. Depois, outro hospital, novos enfermeiros, novos amigos. Médicos, quarto marrom-claro, sentar qualquer dia. São Paulo, eu adoro esta cidade, agito, multidão. Campinas era ótimo pra morar, mas tinha muita gente babaca e, principalmente, não tinha vida noturna, o que estraga qualquer província com pretensão de ser cidade. Campineiro é muito idiota. Muita cocotinha e pouco conteúdo. O que vale lá são os estudantes da Unicamp e da PUC, que são na maioria de fora. É a cidade que tem mais dedo-duro que já conheci. Tem uma polícia municipal que é mais nojenta que a polícia que nós conhecemos. Andam pra cima e pra baixo, num fusquinha creme, pondo sossego na decadente aristocracia campineira. Precisava ver como grilava o fato de morarmos em república mista.
– Mas como? Homem e mulher juntos?
E não era só velho que tinha preconceito. Tinha muito garotão que perguntava:
– Então, você come todas elas?
É, imbecil, todinhas, uma por dia. E, se não der, a gente corta os seios da mina com gilete pra fazer ensopado.
Dormir, eu tenho que dormir .
Uma vez, em São Paulo, demos uma bola na casa do Fabião e fomos andar pela cidade. Era de noite, e eu, louquinho, não tinha a menor idéia para onde estávamos indo. De repente, ali pela Rua Augusta, ouvimos um tremendo som, um batuque meio afro, que vinha de dentro de uma galeria. Entramos. Era um lugar que tinha uns botecos, um do lado do outro, escuros, enfumaçados. Só dava crioulo. Cada boteco tinha um som diferente. Todos bêbados, loucos, sei lá. Veados, machos, mulheres lindas. Fiquei sentado em volta de uns caras que estavam tocando só instrumentos de percussão, fazendo um samba de roda.
– Pum, escapum tac pum, escapum tac pum.
Tinha um violão encostado ao lado. Tomei coragem. Entrei no ritmo e soltei:
Omolu, Ogum, Oxum Oxum Maré, todo o pessoal Manda descer
Pra ver Filhos de Gandhi.
Sol 7ª + / Lá 7ª menor/ Ré 7ª + / Sol 7ª aumentada.
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Feliz ano velho
AbenteuerMarcelo tocava guitarra, jogava futebol e estudava engenharia agrônoma. Aos vinte anos sofreu um acidente que o deixou paralítico. Feliz Ano Velho repensa sua vida. Dizer que é um relato de vida comovente é fazer pacto com o lugar comum. Mas e daí...