Lago Atemporal

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Mabel abriu os olhos lentamente, sentindo-se confortável e acolhida pelos braços do homem ao seu lado. Ela levantou o olhar, mirando-o.

Ele parecia dormir pacificamente. Era como se fosse um homem comum de 20 anos, mas a garota notou algo de errado: ele não mexia nem um músculo. Seu corpo, embora quente, parecia de um cadáver. Ele não respirava.

Será que isso é normal? Ela pensou. Mas seu devaneio se perdeu quando seu olhar encontrou o tapa-olho. O que será que ele esconde tanto debaixo disso? Ele parece estar dormindo bem pesado. Se eu conseguir tirar sem ele acordar...

Mabel levou a mão ao tapa-olho e o levantou. Foi apenas uma fração de segundo antes que Bill abrisse seu outro olho e segurasse seu pulso com força fazendo com que ela soltasse o objeto e deixasse ele cair voltando a cobrir seu olho, mas ela conseguiu ver um pouco do que ele tanto escondia.

— Eu falei pra você não mexer aí, Shooting Star.

Ela não conseguia arranjar palavras para respondê-lo. Estava muito chocada para falar algo depois do que vira. Ela não sabia nem se aquilo era real.

Bill ainda apertava o pulso da garota, aplicando, talvez, força demais, o que deixava suas juntas dos dedos brancas. Seu único olho que estava a mostra começou a ficar vermelho e preto assim como o cabelo, o que significava que ele estava perdendo o controle de sua raiva.

— Bill... — Mabel chorou seu nome baixinho com a voz levemente falha de quem acabou de acordar. Seu olhar de dor misturado com o pânico que Mabel sentia naquele momento fez o homem voltar ao normal. — Desculpa.

Ele soltou seu braço e sentou na cama. Mabel sentou de frente para ele, cobrindo seu corpo nu com o lençol. Bill a encarou com um olhar de culpa.

— O que eu vi... Aquilo é mesmo o seu olho?

Ele cedeu à vontade de manter aquilo escondido e retirou o tapa-olho revelando muita informação. Cada segundo que passava, Mabel notava algo novo.

A primeira coisa que notou foi um monte de pontos de costura mal feitos que juntava a pálpebra superior com a inferior. Os pontos cirúrgicos pareciam ter sido feitos por alguém que nunca tinha feito aquilo antes. A linha usada para a costura era de bronze – um tipo de bronze que ela nunca tinha visto antes – e continuava lá, como se a "cirurgia" tivesse sido há pouco tempo. Essa foi a segunda coisa notada.

A terceira coisa que a garota viu foi uma cicatriz irregular causada provavelmente por uma faca pouco afiada que atravessou seu olho verticalmente, causando junto, uma falha na sobrancelha.

A última coisa que Mabel se tocou foi que essa cicatriz parecia ter sido feita há alguns dias. Ainda estava inchado e tinha uma casca de sangue seco a cobrindo.

— Meu pai me deu essa maldição há uns 6000 anos. — ele começou a explicar — Ele disse que eu não era digno de ter qualquer tipo de laço com nenhum ser vivo, então ele me amaldiçoou com esse poder ocular. Qualquer um que olhasse pra isso teria seu corpo queimado de dentro para fora bem lenta e dolorosamente. Por um lado e durante os primeiros anos disso, o que eu via era apenas uma maldição que matava todo mundo que se aproximasse de mim, algo que me impedia de criar laços. Embora eu sempre o mantivesse fechado, eu acabava abrindo sem querer e matava quem estava do meu lado, fosse meu amigo, aliado, namorada...

Mabel nunca tinha parado para pensar naquilo. Quando olhava para Bill e pensava em seu passado, sempre imaginava um iluminati sem coração incapaz de amar.

— Eu tentei de tudo pra cobrir, mas nada impedia o efeito disso. Panos e tapa-olhos eram inúteis. Eventualmente acabou acontecendo o que o meu pai queria com isso. Eu desisti de criar laços com as pessoas, me tornei insensível. No fim, eu vi o lado que poderia me favorecer, o poder que me deixava ainda mais amedrontador. No meio de uma luta ou discussão entre seres imortais, bastava abrir o olho e poderia matá-los mais fácil que nunca. Mas um dia, antes que pusesse matá-lo ou prever seus movimentos, um demônio rival rasgou o meu olho com uma adaga que possuía alguma magia antiga que impedia mesmo a mim de regenerar. — ele tocou a cicatriz delicadamente com a ponta dos dedos como se ainda sentisse dor. — Depois de um tempo e alguns feitiços de cura, eu finalmente consegui me regenerar o suficiente pra voltar a abrir e continuar com o mesmo efeito. Não consegui regenerar completamente, mas pelo menos ainda funcionava. Depois de uns milênios, por volta de 2500 anos atrás, um dos seus ancestrais, portador do Ladrão fez um acordo com um demônio e eles me pegaram em uma armadilha. Seu familiar Bruce Pines aplicou o poder de furto em correntes e me prendeu em uma árvore. Sem os meus poderes, ele e o demônio usaram um fio mágico de bronze celestial proporcionado pelos deuses e costuraram o meu olho de modo que eu nunca mais pudesse abrir. Foi assim que a minha forma triangular e o símbolo iluminati ficou com um único olho.

Afire Love - MabillOnde histórias criam vida. Descubra agora