Parte II - 5

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Anahi engoliu em seco, reprimindo-se em silêncio. Que horror pensar naquele tipo de coisa com aquele cara e sob aquelas circunstâncias. Era o fim dos tempos.

Ela pressionou uma gaze seca contra o corte de Alfonso e o grudou ali com um pedaço mínimo de esparadrapo. Estava engraçado.

- Pronto – disse, afastando-se – Vai ficar aí durante pouco tempo. Só até parar de sangrar.

- Obrigado. Acho que posso pagá-la com um prato de comida. Está com fome?

Os olhos de Anahi brilharam de empolgação.

- Eu agradeceria bastante, pois sim, muita! – ela respondeu, efusiva. Alfonso assentiu, sorrindo.

Checando o bebê, rumaram para a cozinha. Sophie ressonava tranquilamente em sua montanha de mantas, aquecida, as mãozinhas fechadas em punho junto as suas bochechas volumosas e rosadas.

A cozinha não era das mais modernas, mas estava bem arrumada, ao contrário da zorra que era a sala de estar. Interessante. Anahi foi surpreendida mais uma vez naquela noite quando ele começou a tirar comidas frescas da geladeira, dizendo que prepararia algo rápido.

- Sério? Você pode cozinhar? – ela perguntou, fascinada.

Alfonso ergueu uma sobrancelha, confuso.

- Tenho dois braços e duas mãos. Algumas panelas. Um cérebro. É claro que posso cozinhar.

- É surpreendente. Eu estava esperando algo como carne enlatada, macarrão instantâneo e suco de caixa. Não que eu pudesse reclamar, se esse fosse o caso – ela justificou rapidamente – É que todos os homens com quem saí não foram capazes de preparar mais que uma pipoca de micro-ondas para o jantar.

Ele a olhou, surpreso.

- É estranho ouvi-la supor que isso poderia ser um encontro.

- É claro que não estou fazendo isso – Anahi explicou prontamente - Me refiro aos homens com quem saí exclusivamente para que você entenda o parâmetro, já que são um pouco parecidos a você. Digo, o perfil de homem.

Herrera riu.

- Agora está tentando me dizer que faço seu tipo.

- Não! – ela gritou, chocada, enrubescendo - Você não faz meu tipo! Quer dizer, pode até ser que faça, mas não agora.

- Pode até ser que faça?

- Escute – Anahi pigarreou, completamente envergonhada - Definitivamente não quero ter um encontro com você.

- Agora estou me sentindo definitivamente repugnante.

A loira balançou a cabeça, nervosa e confusa com o rumo daquela conversa.

- Alfonso, apenas estou surpresa porque você está cozinhando pra mim. Só isso!

- E isso nem é realmente um encontro. Vou cozinhar pra você e você não vai terminar nua na minha cama. Admito que eu também estou surpreso.

Ela o olhou exasperada, as bochechas se corando violentamente, pronta para retrucar pela décima vez. Alfonso sentiu vontade de gargalhar muito alto. Ela não pararia nunca de tentar se explicar? Poderiam passar a noite inteira naquilo.

- É possível conversar com você sem que seja tão grosseiro? – ela questionou, indignada.

- Desculpe – Alfonso riu – É interessante ver seu rosto ficar assim.

Anahi cruzou os braços.

- Assim como?

- Corado. Não pode disfarçar. Nem tente.

- Podemos mudar de assunto? – perguntou, vencida pelo constrangimento. Alfonso assentiu, divertido, tirando do armário uma garrafa escura e duas taças de vidro.

- Vinho?

- Obrigada - ela aceitou, tentando se tranquilizar.

Alguns minutos depois, os dois estavam jantando uma massa deliciosa.

Anahi apreciou o sabor da comida: ponto para Alfonso.

Alfonso apreciou o silêncio: ponto para Anahi.

Sophie aproveitava seu sono: ponto para os dois.

Ela terminou antes, porque comia muito pouco, ele notou. Continuaram sentados um de frente ao outro, ele terminando seu jantar e Anahi bebericando seu vinho com os olhos flutuando para bem longe dele. Alfonso, no entanto, estava atento aos detalhes. Atento até demais.

Ele observou a boca avermelhada dela, úmida pela bebida, e como ela passava a língua nos lábios para degustar cada gota. Foi aí que ele mudou de ideia sobre mantê-la longe. Era um desperdício de tempo não estar tão perto a ponto de sentir o calor da pele dela. Queria ter a oportunidade de provar do vinho diretamente daquela boca, que por si só já parecia gostosa demais. Queria, também, tirar aquele vestido e tocá-la da cabeça aos pés. Se a fizesse gozar a noite inteira, talvez ela cansasse de falar e perguntar sobre coisas que não eram interessantes.

Ele riu consigo mesmo, perplexo pela intensidade do próprio pensamento. Mas o que podia fazer a respeito de como seu corpo reagia? Era aquilo que aquele decote, aquela cintura e aquele quadril arredondado estavam causando nele, não conseguia evitar. Sobre o temperamento dela... Podia lidar com ele durante aquela noite. Pela manhã ela já estaria fora dali e ele, finalmente, são e salvo.

- O quê? - ela perguntou, sorridente, obrigando-o a encará-la - Do que está rindo?

Alfonso observou ela sorver mais do vinho, os olhos azuis expectantes prontos para mais um diálogo. Assim sendo, ele decidiu acabar com o que poderia ainda gerar qualquer tipo de dúvida nela. Se ela gostava de conversar, eles iriam conversar e esclarecer as coisas até que pudesse finalmente começar a ação.

- Sophie não é minha filha - ele disse subitamente - O nome dela nem é realmente Sophie.

Anahi quase se engasgou com o vinho, sobressaltada. Ela pôs a taça de volta a mesa e franziu as sobrancelhas, confusa.

- Desculpe?

- Ela foi deixada em minha porta há mais ou menos duas semanas.

- Ah meu Deus - a loira lamentou num suspiro, baixando os ombros - Quem faria uma coisa dessa com alguém tão minúsculo e indefeso?

- Eu não sei - Alfonso deu de ombros - Eu pretendia fazer o mesmo, mas não quis deixá-la pra que fosse levada a qualquer um dos lugares que visitei. Minha irmã viria hoje pela tarde e tentaria me ajudar. Mas veja só - ele abriu os braços com um gesto amplo, apontando ao seu redor - Aqui estamos.

Colocando os cabelos atrás das orelhas nervosamente, Anahi endireitou-se na cadeira e apoiou os cotovelos na mesa.

- Vai ficar com ela? - ela o viu negar, parecendo convicto - Mas foi muito corajoso e gentil por tê-la ajudado durante esse tempo. Tenho certeza que Sophie está muito feliz - completou.

- Ela não se chama Sophie - Alfonso repetiu.

- Se ela veio até você sem nome e agora tem um é porque você o escolheu.

- Eu não escolhi. Estava fugindo de você. Esse é o nome da minha avó.

- Melhor ainda - Anahi contestou, alegre - Significa que é um nome bastante especial.

- É perfeitamente normal que as pessoas sintam vontade de esganá-la de vez em quando, não é? - Alfonso perguntou, franzindo o cenho. Mas pela expressão assustada que ela tinha no rosto pálido, Poncho achou ligeiramente melhor retirar o que dissera – Desculpe. Estou brincando.

- Claro. Mas está sempre insinuando coisas terríveis sobre mim.

Ele revirou os olhos.

- Não exagere.

- Escute, Alfonso – ela ignorou, erguendo os olhos cheios de determinação – Se você não vai ficar com ela, pode deixar que eu a leve, sim?

Foi a vez de Alfonso quase engasgar, parando o garfo na metade do caminho até a boca. Ele a olhou como se ela estivesse no meio de um surto, mas, exceto pelo nervosismo aparente em suas feições, Anahi parecia estar falando realmente sério.

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