Parte III - 2

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Anahi mal conseguia respirar de tão fascinada e surpresa. Ela tivera tempo de saber, ainda na noite em que se conheceram, que Alfonso não era simplesmente um coração de gelo ambulante, muito embora parecesse pior que isso. Mas aquelas palavras eram calorosas além do esperado para um homem que muitas vezes apenas grunhia para se comunicar.

- Puxa - ela exclamou, exasperada - Espero algum dia poder me expressar tão bem quanto você. Não a toa você está aqui e é um sucesso - riu, arrumando os cabelos atrás da orelha - Não sei o que responder, por isso estou dizendo essas bobagens.

- Não se preocupe, só acontece uma vez ao ano - ele piscou, brincalhão - Você deu sorte.

Bem, isso dependia do ponto de vista.

Anahi observou as mãos entrelaçadas, hesitando em se separarem. Temia que aquilo significasse muito mais do que deveria e por isso não podia deixar que esse encontro ousasse tentar moldar suas perspectivas. Sentia vontade de conversar com ele, de beijá-lo de novo, de deixá-lo ser amigo de Sophie... E justamente por isso ela o soltou devagar, sorrindo pesarosamente. Não era o momento para pensar sobre isso. Ela nem sequer sabia se o momento para pensar sobre isso algum dia chegaria, portanto simplesmente se despediu e partiu, sem prometer voltar.

Bom... Do seu ponto de vista, não tinha tanta sorte assim.

No entanto, ela voltou, no último dia em que a peça estaria em cartaz. Enquanto o público se despedia do espetáculo, Anahi queria se despedir de Alfonso e das possibilidades que construíra com ele apenas em seus pensamentos. Sempre apenas no plano da imaginação. Não tinha e nunca teria a audácia de pensar que alguma delas se concretizaria. Eram simplesmente ideias mirabolantes que ela estava acostumada a ter e depois esquecer.

Mas quando o viu naquela noite, achou que dessa vez seria um pouco mais difícil deixar as habituais ideias sem pé nem cabeça caírem no esquecimento. Herrera estava excessivamente elegante, focado nas conversas formais que parecia ter. Sério, concentrado. Ela teve a impressão de que o tempo corria pra trás enquanto o observava, principalmente porque seu cérebro lhe levou ao limite da loucura para decidir se o cumprimentaria dessa vez ou não, ou se olhá-lo e entender que era inalcançável seria o suficiente.

Anahi pensou em ir até ele, mas alguém a deteve. Quando virou, afobada, quase morreu de decepção e tédio.

- Oh! Olá, Rodrigo - cumprimentou, tão cordial quando podia - Como vai?

- Oi, linda. Você desapareceu... - ele sorriu.

Não se podia considerar incomum que Anahi escutasse esse tipo de afirmação. Em geral, ela não desaparecia por querer, as circunstâncias é que as vezes a levavam a não estar sempre em contato. Mas essa não era uma dessas ocasiões, claramente Anahi havia desaparecido por livre e espontânea vontade.

- Eu ando meio atarefada... - explicou, apática.

- Quase cheguei a pensar que estava me evitando.

- Imagina! Que ideia - ela soltou, sarcástica.

- Você aceita? - Rodrigo ofereceu o champanhe em sua taça, ao mesmo tempo que a mão livre se apoiava na cintura de Anahi. Ela moveu os ombros, desconfortável, mas a algumas pessoas de distância não se podia perceber. Os dois, aliás, pareciam bem cômodos conversando tão perto e sorrindo tão alegremente. Pareciam contentes pela companhia um do outro. Foi a conclusão que Alfonso tirou quando seus olhos se surpreenderam com Anahi no teatro mais uma vez.

Desde o último encontro, Anahi havia virado uma incógnita. E ele percebeu que mesmo agora, vendo-a novamente, continuava sendo. Alfonso sentia que uma tensão sem explicação pairava no ar. Queria entender de onde vinham aquelas sensações e, se elas existiam para Anahi também, por quê elas estavam sendo ignoradas.

Quando percebeu que ela olhava em sua direção, ele ergueu a taça, acenando com um sorriso de canto. Anahi devolveu, erguendo seu copo com água. Mas naquela noite já não se viram mais e Alfonso não pôde se prolongar no próprio devaneio, que com o passar do tempo e das obrigações foi ficando - mais ou menos - esquecido.

Mais ou menos porque, graças a esses encontros inesperados, Herrera acabou adquirindo o hábito de procurar por Anahi no meio de seu público, desejando encontrá-la. Na peça seguinte, também em Manhattan, foi assim. Na seguinte da seguinte também. Involuntariamente Alfonso estivera sempre esperando por um novo encontro inesperado, numa tentativa despretensiosa de entender porque ela ainda estava tão entranhada na sua cabeça. E quando aconteceu, ele foi muito mais inesperado para Anahi do que para Alfonso. Ele estava muito bem preparado e tinha alguns planos em mente. Ela não.

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