Parte II - 7

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Anahi esperava realmente que ele morresse de remorso enfiado em seu duplex sujo. Havia desejado aquilo a muita gente antes, quando era imatura e não aceitava sua condição. Há muito tempo não tinha aquele sentimento e agora que o experimentava novamente era... sufocante, tóxico, ruim. Por isso ela mesma chorou, desejando nunca haver pensado aquilo. Cobriu o rosto com as mãos, correndo de volta para seu carro, porque, caso contrário, estaria com elas enfiadas nos próprios cabelos, com todo o drama que a vida lhe reservara.

Por isso, não percebeu quando a porta da casa fora novamente aberta. Estava mais preocupada em ir embora. Alfonso caminhou até ela com calma, como se tivesse absoluta certeza de que ela não tinha forças para correr e fugir, e colocou-a de volta em seus braços. Anahi protestou a princípio. Mas, mesmo que seu corpo se sacudisse em relutância, ela cedeu algum tempo depois. Poncho a levou para dentro, pela terceira vez naquela noite.

Sophie já não estava no sofá quando Alfonso pôs Anahi sobre ele. Por longos segundos, ele apenas a encarou, mudo e envergonhado, esperando que parasse de chorar. Não houve som, nenhum ruído, nenhum movimento. Então um trovão sacudiu o ar, trazendo Alfonso de volta. Anahi limpou o rastro de uma lágrima, quieta.

- De verdade, desculpe - ele murmurou - Eu não podia saber.

- Eu tenho câncer - ela despejou, tranquila. Alfonso levou um baque. Engolindo em seco, ele se sentiu perder a voz. Depois sacudiu a cabeça, completamente estarrecido.

- Eu...

- Por isso não posso engravidar - ela explicou - Inicialmente nos ovários. Retiraram meus ovários e meu útero também, para garantir. Agora desconfiam de... Como é mesmo o nome? - estreitou os olhos, forçando a mente - Ah! Carcinomatose peritoneal. É como se estivesse se espalhando pela minha cavidade abdominal e isso é um mau prognóstico. O que acha que vou precisar fazer agora? Retirar minhas vísceras? - Anahi riu, debochada. Quando chegava nesse ponto de comportamento, era difícil voltar. Geralmente as pessoas ficavam chocadas. E era como Alfonso estava nesse exato momento.

Ele abriu a boca e a fechou novamente, largando-se no chão ao lado do sofá.

- Eu não sabia - ele repetiu - Me desculpe.

Anahi lançou a Alfonso um olhar desafiador que o fez se sentir ainda mais estúpido, muito mais do que em qualquer outra ocasião de sua vida.

- Diga algo que eu nunca escutei.

- Eu fui realmente um idiota. Sinto muito, Anahi.

- Ouvi isso muitas vezes também. Perdeu as palavras, não é? - ela sorriu, amarga. Em seguida notou a ausência de alguém - Onde está Sophie?

- Em cima, no quarto, dormindo. Escute... - ele balançou a cabeça, parecendo atordoado - Existe algo minimamente decente que se possa dizer nesse momento? Algo que eu possa fazer? Quero dizer, você parece... - ele titubeou, gaguejando - Tão bem.

- Eu estou bem - Anahi retrucou, dura - Está surpreso porque mantenho um boa imagem? Porque não estou definhando em casa? Como você supõe que eu deveria estar? Triste, decrépita, desnutrida, chorando por aí? Oh, claro, como pode ser? Uma moça tão jovem e tão bonita... - ela encenou, pondo uma mão sobre o peito de forma afetada. Depois seu semblante mudou para um de dureza outra vez - Também escutei isso muitas, muitas e muitas vezes!

- Você é incrivelmente linda - ele contestou, franzindo o cenho - Não é simplesmente bonita.

Anahi o olhou, séria. Em seguida balançou a cabeça negativamente, rindo em um suspiro indignado.

- Não acredito...

- Quero dizer, você tem sentimentos realmente bonitos pelas coisas e pessoas ao seu redor. Isso sempre me pareceu impossível. Você me sufoca, Anahi, não consigo acompanhar seu ritmo. E, independente de tudo, você quer fazer alguém feliz, tão feliz quanto você mesma parece ser - no fim ele suspirou, quase sem ar - Eu faria uma peça inteira sobre você.

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