Ângulo.

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Segunda. Eu não entendi como qualquer ser humano pode ser feliz numa segunda feira. O consultório as vezes não passa de um lugar vazio e tedioso, com pacientes mal humorados, ou que procuram um ombro amigo. É complicado ser psicóloga as vezes, principalmente num consultório. Eu não gosto de esperar que as pessoas venham até a mim, eu gosto de ir atrás das pessoas que precisam. Essa segunda é como uma qualquer, e ainda bem que meu tempo aqui no consultório está terminando.

Eu estava terminando de colocar o meu jaleco e me preparando para ir ao hospital, quando o telefone toca:

-Quem chama? -Eu falei terminando de colocar o jaleco.

-Isa, é a Joyce aqui da recepção. Tem um moço aqui falando que marcou hora contigo.

-Puts Joyce, sério? To correndo pra ir pro hospital, e pelo que to vendo aqui na agenda eu não tinha ninguém hoje pra mim. -Eu falei olhando pro computador.

-Sim, ele parece estar com ansiedade, ou algo do tipo. Está bem inquieto. -Ela falou baixinho.

-Ok, ok. Deixa ele entrar. -Eu desliguei o computador e fui ao banheiro dentro da minha sala.

-Alguém ai? -Uma voz falava de dentro da sala.

-Pode se sentar, eu já estou saindo -Eu dei descarga e sai do banheiro.

-Oie -O Anderson sorriu pra mim sentado no sofá

- Olha só, você por aqui? -Eu falei pegando meu celular.

-É, sou eu. -Ele sorriu.

-O que te aflige? -Eu sentei na poltrona ao lado dele e estava meio inquieta.

-Parece que quem esta precisando de uma consulta é você -Ele colocou a mão na minha perna pra eu parar de tremer.

-Oh.... Eu precisava nesse momento estar indo para o hospital. Na verdade, você importaria de eu fazer essa consulta no meu carro? - Eu falei pegando a bolsa

-Nem um pouco -Ele sorriu meio malicioso

-Eita -Eu saí do consultório.

A Joyce deu uma leve piscada para o Anderson quando saímos. Eu achei engraçado. Passei por eles e fui para o meu carro. Ele ficou de conversa fora com a secretária.

-VOCÊ VAI PERDER A CARONA -Eu gritei do carro e entrei e já liguei.

-TE VEJO, GATA. -Ele disse falando pra Joyce.

-Bom, vamos. - Eu comecei a dirigir - O que te aflige? -Eu falei ligando o som um pouco baixo

-Você vai me atender ao som de Evidências? -Ele riu um pouco

-E tem coisa melhor? -Eu sorri dirigindo -Agora, finalmente me conte: O que te deixa inquieto?

-Bem, acho que o fato de eu ser padrinho de casamento do Daniel, e estou planejando tudo com ele. É complicado esse negócio de casamento, toda a preparação. E eu sei lá tive um sonho meio estranho, mas desse eu não quero comentar. -Ele ficou envergonhado.

-Ta. O Daniel vai se casar e você que ta aflito. Você não acha que as coisas estão meio invertidas? -Eu parei no farol

-É eu sei, mas é complicado ser padrinho de um virginiano -Ele começou a rir demais

-AAAAAAAHAHAHAHAAH Essa foi boa. -Eu dei uma boa risada.

-É, ele é beeeeeeeeeeeeeeeeeeem perfeccionista. Por fim eu acho que só precisava de alguém pra falar sobre e descansar. -Ele encostou no banco e fechou os olhos.

-Pode dormir. Dessa vez eu deixo. -Eu mal terminei de falar e ele já estava dormindo

Ta bom, ele é bonito. Eu acho que até demais. Faz tempo que eu não o vejo assim sabe? Na verdade eu só vi ele mesmo uma vez na minha vida, e quatro anos depois, aqui nesse mesmo hospital. É muito clichê falar destino, então eu não vou falar. Acredito que nesse dia ele tava cansado porque mano, ele dormiu 12 horas seguidas no meu carro. Meio óbvio que eu não ia acordar ele quando chegasse no hospital, a minha parte era só a consulta. Mas não se preocupem que deixei ele dormindo com as janelas abertas.
Naquele dia, eu atendi na parte de oncologia, mais especificamente na pediatria. As crianças sempre estão sedentas de amor. Elas são puras, inocentes, é tão cheias de amor pra dar, gostaria que mais pessoas estivessem aqui pra ver a felicidade delas.
   É muito estranho a capacidade de uma pessoa dormir por 12 horas seguidas. Bem o Anderson foi capaz disso. Eu voltei pro carro, ele estava encostado no banco de braços cruzados dormindo como se não houvesse lugar melhor no mundo, e eu ainda podia ver um pequeno sorriso no rosto dele enquanto sonhava. Entrei no carro, tirei o cinto dele e ajeitei a cabeça dele depois que abaixei o banco. Enquanto eu dirigia ele resolveu acordar :

Se meu amor é um merda, eu também sou.Onde histórias criam vida. Descubra agora