Quando a coisa não é como parece

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Andando lado a lado ao tomarem o caminho inverso do que estiveram indo anteriormente, Derek seguia de cara fechada desde que deixaram o wendigo carbonizado para trás. E o motivo era o irritante sorriso convencido que Stiles ostentava até então.

— Quanto mal humor, cruzes. — o caçador brincava com a tocha apagada, balançando-a para frente e para trás pela ponta. — Vencemos o monstro! Claro que só ganhamos por minha causa, tenho até medo de imaginar o que seria de você se eu não estivesse lá.

Derek se controlou muito para não se afastar dali em alta velocidade e deixar o outro para trás, sozinho na mata. Apesar de ser considerado pela sociedade tão monstro quanto o wendigo, havia muito das crenças e valores pessoais de sua mãe em si. Valores esses que em certas situações, como aquele caso, ele preferiria não ter.

— Sua única habilidade é ter boa mira e só. Agora cale a boca.

O sorriso de Stiles se tornou mais petulante ainda.

— Tudo bem, já entendi. Você está com raiva porque não quer admitir que salvei sua pele! Aposto que se eu estivesse lutando junto contra o vampiro, você nem estaria ferido assim.

Parando de andar, Derek segurou o humano pela gola da camisa e o empurrou contra o tronco de um antigo carvalho. Em seguida envolveu o pescoço dele com uma mão, mas sem pressionar com muita força. Apenas segurando-o no lugar. Stiles o encarou surpreso.

— Acha mesmo que um humano fraco ia ser de alguma serventia? Vampiros não são idiotas movidos apenas pelo instinto como wendigos. Eles pensam e nunca atacam a esmo. Você estaria morto em questão de segundos, ainda mais alguém que perde a bota durante a luta. — finalizou, soltando-o e voltando a andar.

Stiles esfregou o pescoço, piscando atordoado. Os dedos grossos que estiveram ao redor do seu pescoço nem tinham apertado o suficiente para gerar incômodo, apesar de possuir força acima do normal. E porque sentia como se tivesse levado bronca de uma mãe preocupada? As vezes tinha a impressão de estar sendo sempre cuidado pelo lobisomem... Estava interpretando errado?

— É que minhas botas são grandes para meus pés.

Derek bufou. Então era por isso que ele fazia tanto barulho e tropeçava tanto ao andar.

— Aliás, não precisa fazer tudo isso para fingir que não gosta de mim. No fundo de seu coração grande e peludo sei que nos considera uma ótima dupla. — Stiles esperou uma resposta mal-humorada, mas Derek se absteve de comentários. — Mas mudando de assunto, acha que eles farão uma grande festa para nós? Não me surpreenderia se quisessem nos dar uma recompensa valiosa também. Ficarão tão agradecidos! — o jovem sonhava acordado.

O lobisomem permaneceu em silêncio, pois já tinha uma certa ideia de como seria a reação dos aldeões e visitantes da cidade. Seguiram caminhando assim, com Derek calado e Stiles falando pelos cotovelos, até alcançarem o cercado com tochas, onde o caçador aproveitou para devolver ao seu lugar a tocha que pegara emprestado mais cedo. Ao passarem do segundo cercado, Stiles tomou a frente e deu um largo sorriso para algumas pessoas que estavam sentadas na sombra de uma casa velha e abandonada.

A primeira coisa estranha que perceberam foi o olhar espantado que as quatro pessoas ali presentes lhe deram. A segunda foi a partida apressada do homem careca na direção do centro da cidade, parecendo desesperado demais ao fazer isso. E a terceira, e confirmador das suspeitas de Derek, foi o fato de serem escoltados por aldeões nem um pouco felizes até a frente de um palanque que tinha sido montado diante a estalagem que tinham passado a noite.

— Só eu que não estou entendendo coisa alguma? — perguntou Stiles aos sussurros, observando a multidão insatisfeita formar um semicírculo ao redor deles.

Derek suspirou. Desde que chegara na cidade estava achando estranho o ar festivo nela ao invés de ver ares de medo e sofrimento. Nem precisava saber ler para entender que as bandeirinhas coloridas ao redor da grande faixa na entrada não passavam a ideia de alerta de perigo. Parecia mais que estavam tendo um grande evento.

— Ontem quando cheguei ouvi várias pessoas comentando sobre apostas e sobre quem seriam os próximos "coitados" a se oferecer para enfrentar o wendigo. Acho que não nos esperavam de volta. — "Não inteiros, ao menos" completou em pensamento.

— O quê? Como assim? Eles não estavam atormentados?

Uma batida na madeira chamou a atenção e eles olharam para cima do palanque, vendo o idoso líder da vila bater no chão pela segunda vez com o cajado e depois apontá-lo acusadoramente para Stiles-Derek. Não havia mais um traço amistoso em seu rosto coberto de rugas.

— Mataram a criatura?

Stiles engoliu em seco.

— Sim? — O burburinho então explodiu na multidão que além de insatisfeita, estava também irritada. — Não era o que queriam?

O líder do povoado bateu de novo o cajado no chão do palanque, exigindo silêncio.

— Seus estúpidos! Estragaram o nosso sustento! Malditos!

Derek e Stiles trocaram um olhar lateral, começando a entender o motivo da revolta. Felizmente, Micaela apareceu ao lado do pai para explicar os detalhes que ainda não tinham sido revelados.

— A nossa cidade é pequena e desinteressante, então o caso do wendigo foi o que alavancou o comércio aqui e atraiu curiosos. Criamos até um comércio de aposta sobre as pessoas que se ofereciam para ir caçar o monstro! — a mulher passou os dedos nos cantos dos olhos, limpando lágrimas possivelmente falsas. — E vocês estragaram tudo!

O burburinho recomeçou. Algumas pessoas reclamando que tinham apostado na morte dos dois, outras dizendo que tinham apostado na morte de apenas um. Todas querendo saber o que aconteceria com o dinheiro acumulado até que uma menininha avançou balançando um papel na mão, falando que tinha apostado que os dois voltariam vivos. A multidão entrou em polvorosa. Não aceitavam que uma criança tivesse ganhado tudo.

E antes que a multidão decidisse mirar seu descontentamento na dupla momentaneamente esquecida, Stiles avistou Genoveva perto da lateral esquerda do palanque.

Era hora de ir embora.

Um Helsing no encalçoOnde histórias criam vida. Descubra agora