Quando o final é feliz. Por enquanto.

664 119 26
                                    


Diferente do que Deucalion esperava — ele já estava até preparado para interromper em pleno voo quaisquer projéteis que fossem atirados — os virotes não vieram em sua direção. Ao invés disso, Stiles apontou a besta na direção que não havia inimigos e disparou. O vampiro apenas ouviu o zunir de uns cinco virotes cortando o ar para longe de si, sem entender. O que ele estava planejando?

Dos cinco virotes lançados somente um deles, ao bater no metal grosso da armadura, ricocheteou da maneira esperada por Stiles, mudando sua rota para ir direto para as costas de Kali. A vampira, por sua vez, depois de ser surpreendida pela entrada da égua, perdera o interesse ao ver que não era nada demais e se voltara para o lobisomem caído com novos pedaços longos do corrimão que ela própria tinha arrancado.

— Será que você ainda se regeneraria se perfurasse seu coração ou sua cabeç... — sua voz sumiu e ela arregalou os olhos quando algo fino e rápido penetrou suas costas, fundo o suficiente para alcançar seu coração com uma pequena parte da ponta metálica.

Kali virou-se para o caçador, olhando-o com um ódio tão cru que foi impossível Stiles não estremecer. No entanto, não havia motivos para temer as ameaças silenciosas que ela deu, visto que a água benta no virote já tinha selado seu destino. A pele da vampira não demorou a apresentar o início de um ressecamento extremo que ia se alastrando por todo seu corpo e a rachar como se fosse uma peça de porcelana quebradiça. E ao dar um mísero passo adiante sua carne, cabelo e tudo mais virou pó, deixando para trás apenas os ossos tombados ao chão como prova de que existira.

— KALI! — Deucalion vociferou, partindo para cima de Stiles e afundando as unhas longas com força nos braços dele.

Stiles gritou mais pela surpresa que pela dor. Não esperava por um rompante enfurecido como aquele e ele até esqueceu por um momento que ainda segurava a besta, ficando somente parado ao encarar chocado o vampiro assumir sua forma verdadeira — que era bem mais feia e arrepiante que a de Kali — e abrir uma bocarra cheia de dentes que conseguiria facilmente arrancar seu rosto inteiro numa só tentativa.

Entretanto, no momento decisivo que ele iria destruir sua garganta, uma mão segurou firme os cabelos de Deucalion, impedindo-o de completar o movimento mortal. Derek estava ali, já livre de todas as estacas e satisfeito por não ter mais alguém que fosse mais rápido que ele naquele território.

— Você o feriu. — disse, puxando com brutalidade a cabeça dele mais para trás.

No instante seguinte, não dando nem tempo para o outro responder ou sequer emitir algum som de protesto, Derek se transformou no enorme lobo e afundou os dentes no pescoço do vampiro. Deucalion urrou de dor, soltando o Helsing e levando, inutilmente, as mãos para o local mordido, como se não acreditasse no que acabara de acontecer.

Derek também o largou, observando sem um traço de pena o vampiro se curvar no chão, soltando guinchos horríveis. Talvez por ser mais antigo e provavelmente mais poderoso que Kali, sua morte demorou mais a acontecer, o que somente lhe aumentou os momentos de dor e agonia antes de seu corpo por fim se tornar ressequido e também só deixar pó e ossos para trás.

— Sabe, estou começando a achar que realmente nasci para isso. — comentou Stiles depois de um longo momento em silêncio, levando o outro a rolar os olhos.

Eles andavam lado a lado, com Genoveva vindo um pouco mais atrás sem a necessidade de ser guiada, numa estrada há vários minutos do castelo do Conde Bram Stoker. Como se demoraram um pouco ao parar para fazer alguns curativos improvisados nos braços de Stiles e para enterrar os ossos dos finados vampiros, a pedido do próprio caçador, já era possível ver os primeiros raios solares no horizonte.

Mais um momento de silêncio se seguiu até que Derek resolveu quebrá-lo.

— E então, o que vai fazer?

Stiles o mirou confuso.

— Sobre o quê?

— Você não queria provar que era um bom caçador pra Ordem?

— Ah, isso. — deu de ombros, evitando olhar muito para Derek que trajava apenas uma calça esfarrapada. — Acho que faço mais o estilo independente. Sem superiores, sabe? E assim, se quiser me acompanhar, posso até te ensinar a ler...

Derek não conseguiu evitar um sorrisinho de aparecer. Qual seria a cara dos líderes da ordem se souberem de um Helsing sendo amigo de um lobisomem? E ainda viajando com ele?

— Então quer dizer que quer a minha companhia? — aumentou o sorriso ao ver Stiles tentando disfarçar o constrangimento. — Ouvi falar que Kali tinha novas noivas na Grécia. Vampiros são bem vingativos.

— Noivas? No plural mesmo? — suspirou quando Derek assentiu. — Qual o problema dos vampiros com a monogamia? Porque não podem ter uma única noiva ou noivo? Sempre é três ou mais!

— Pode ser por causa da imortalidade.

Stiles riu, indo até Genoveva e montando nela.

— Anda, sobe. Não como desde ontem e o próximo vilarejo ainda está longe. — disse, acariciando a crina da égua baia.

O lobisomem não respondeu apesar de achar surpreendente o quanto ele comia mesmo sendo tão magro. Apenas subiu na sela e se acomodou do melhor jeito que conseguiu.

— Hm, Derek, precisa ficar tão perto assim?

— Só temos uma égua. — respondeu sério, inclinando-se um pouco para a frente.

— Você acabou de cheirar minha nuca?

— Não.

— Juro que senti uma respiração na minha nuca.

— Está imaginando coisas. — disse, dessa vez lambendo descaradamente o pescoço dele.

Stiles quase saltou da égua.

— VOCÊ ME LAMBEU!

— Impressão sua.

Percebendo que estava sendo provocado na maior cara de pau, Stiles torceu o corpo de modo que conseguisse segurar o rosto de Derek — só não correndo o perigo de cair da sela, pois Derek o segurou a tempo — e tasca-lhe um beijo profundo, sorrindo vitorioso ao se afastar e ver o outro perplexo.

— Isso foi o troco pelo beijo na taverna.

O lobisomem ergueu uma sobrancelha.

— Achei que você não tivesse memórias daquela noite.

— Ah, bem... Certo, você descobriu. Eu consegui lembrar de tudo depois... — deu uma pausa pra dar uma olhada presunçosa para ele. — Inclusive que a culpa pelo incêndio foi sua e não minha.

Inesperadamente Derek deu uma risada com aquela informação. Não um sorriso discreto como o que Stiles via em raras ocasiões, mas sim uma boa e clara risada. O Helsing não conseguiu fazer outra coisa além de o encarar boquiaberto.

— Até que formamos uma mesmo uma boa dupla. — admitiu Derek. A égua soltou um relincho que pareceu muito uma reclamação e ele se apressou em corrigir. — Somos um bom trio então. Aliás, porque sua boca está com gosto de alho?

— Eu... gosto de alho.

— Você sabe que isso do alho fazer mal a vampiros é mentira, não é?

— Prevenir nunca é demais.

— E você iria cuspir alho nele?

— Ah, cala a boca, Derek! — falou sem perder a diversão na voz, enquanto se ajeitava na sela, tocando distraidamente o medalhão que pegara sem querer em meio aos arquivos da ordem que roubara. Mais tarde se perguntaria se tinha gente da Ordem atrás dele por causa daquele objeto, mas isso é história para um outro momento.

Um Helsing no encalçoOnde histórias criam vida. Descubra agora