Quando você torce por uma intervenção divina

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Talvez fosse por ser mais esguia — ou quem sabe fosse porque tinha voltado a aparência humana e, consequentemente, estava sem o peso extra das asas — que Kali conseguia atacar com muito mais agilidade que o outro, não dando espaço para Derek contra-atacar direito. Claro, havia a possibilidade dela estar só zombando dele ao passar a mensagem de que nem precisava usar toda a sua força para derrotá-lo. Bem, provavelmente era isso mesmo.

Kali deu um salto, pulou na parede e depois acertou-lhe um chute tão potente na cabeça do lobisomem que se fosse uma pessoa normal no lugar dele, tinha a alta chance de ter tido a cabeça arrancada do corpo. Em seguida ela deu um giro gracioso e acertou um chute, dessa vez, na barriga dele. Derek ainda tentou golpeá-la nesse meio tempo, mas Kali desviou suavidade para o lado, fazendo com que ele acertasse e quebrasse parte do corrimão ornamentado da escadaria.

— O que foi? Muito rápido para você acompanhar? — caçoou ela, segurando as mãos dele e dando uma sequência de golpes na cabeça, barriga e, quando ele se curvou, nas costas do lobisomem que só conseguia se odiar por não ser rápido o suficiente para atingi-la.

Um rugido de dor lhe escapou quando a vampira pegou um dos pedaços partidos da madeira do corrimão, um pedaço consideravelmente longo e afiado, e enfiou em seu ombro, afastando-se rápido para admirar de longe seu feito. Derek respirava pesado por ter sido o único que realmente levara golpes até o momento. Sangue escorria e gotejava de seu ombro com o pedaço de madeira, mas ele nem chegou a se importar muito. Simplesmente a arrancou, deixando a ferida começar o processo de regeneração natural, que só não era mais rápido por ainda não ser lua cheia.

Mirou com ira a vampira que andava no teto com as mãos cruzados abaixo dos seios.

— Sabe, Derek, já sei como iremos nos divertir.

De onde estava Stiles apenas conseguia observar o lobisomem levando a pior na luta, com várias estacas improvisadas perfurando o corpo dele. Seus olhos mal eram capazes de acompanhar os movimentos da vampira de tão ágil que ela era pulando, chutando nos pontos certos e enfiando as estacas no lobisomem. Stiles queria poder alcançar sua besta caída a alguns metros e ajudá-lo a se livrar de Kali, mas, infelizmente, estava a mercê do poder de persuasão de Deucalion.

Já tinha ouvido falar dessa habilidade dos vampiros, que era assim, inclusive, que eles conseguiam fazer com que suas vítimas não causassem um escândalo ao terem seu sangue sugado. Com a simples presença persuasiva dele Stiles não conseguia nem mover seu próprio corpo, nem sequer falar — e talvez isso fosse um ponto positivo — a única parte que ainda lhe obedecia era seus olhos, mas nada além disso.

— Isso tudo aconteceu por causa do seu pai. — Stiles voltou sua atenção para Deucalion. O vampiro o segurava pelo pescoço, porém não o tinha retirado do chão. — Tudo começou a ruir quando ele assassinou Drácula.

Uma expressão de tristeza cruzou sua face marcada, mas sumiu tão rápido que Stiles achou ter sido sua imaginação. Logo havia raiva adornando seus traços do rosto atemporal.

— Os seres que ficaram submissos por séculos começaram a se rebelar. Sentiram-se confiantes depois que Drácula morreu e nós começamos a perder o prestígio que era nosso por direito. Caçados pela ordem, atacados por lobisomens e outros seres inferiores... Fui obrigado a participar daquela reunião para proteger os meus... — seus dedos apertaram o pescoço do caçador com mais força, começando a erguê-lo do chão. — Mas aqueles malditos apareceram e mataram todos eles!

Stiles teve então consciência da proximidade da morte. Da sua morte, no caso. A sensação de urgência aumentou à medida que o ar começou a não chegar nos seus pulmões. Já não conseguia nem prestar atenção no discurso do vampiro que parecia falar algo sobre matar todos aqueles que estavam abaixo dos vampiros, fossem humanos ou seres sobrenaturais. Ao fundo havia o som dos grunhidos de um Derek, também de volta a forma humana, sendo torturado por uma vampira sádica que mal era reconhecido pelos seus ouvidos. Os pensamentos começaram a ficar confusos, a queimação ardendo dentro do peito.

E foi com um resquício de racionalidade que Stiles pediu que alguém, ou qualquer coisa, os ajudassem naquela enrascada.

Uma batida em madeira ecoou alto e tanto Deucalion quanto Kali viraram surpresos na direção da entrada do castelo, onde havia a traseira de um cavalo ali. Aparentemente o animal tinha dado um coice para terminar de abrir a outra parte da porta dupla e depois de se virar, relinchou alto ao empinar sobre as patas traseiras.

— O que diabos...? — começou Deucalion, reconhecendo o cheiro da égua com seu olfato apurado, afrouxando sem perceber o agarre no pescoço alheio e o perdendo a concentração requerida para manter a persuasão ativa.

E foi tudo o que Stiles precisava para deixar uma boa quantidade de ar chegar aos pulmões para lhe clarear a mente nublada. Mais tarde ele não saberia explicar, afinal não era estudioso sobre o assunto, mas num surto de adrenalina seu raciocínio funcionou rápido ao buscar um modo de sobreviver. Utilizando da distração oferecida por Genoveva — que aliás era um milagre estar solta, pois ele tinha a amarrado preventivamente numa árvore robusta — ele pegou o colar de cruz que amarrara no pulso mais cedo e pressionou no rosto do vampiro, até se assustando quando a cruz em contato com a pele dele pegou fogo.

Deucalion chiou surpreso pela dor inesperada, largando o humano com tudo no chão. Sabendo que não teria outra chance como aquela, Stiles não perdeu tempo em rolar em direção a besta, retirar a tampa do odre e derramar seu conteúdo em cima da arma carregada.

— Acha que conseguirá me acertar, tolo? — Deucalion agora tinha uma nova marca em seu rosto enraivecido: a de uma pequena cruz em uma das bochechas. — Não faz ideia de quão bom meus outros sentidos ficaram depois que fiquei cego...

Stiles sorriu e atirou.

Um Helsing no encalçoOnde histórias criam vida. Descubra agora