Eu acho que finalmente cheguei ao fim.
Meu ser, meus gostos, pensamentos, na verdade nunca existiram, apenas identificações genéricas do "ser", minha vida agora chegou ao fim, mas não é nada de mais, apenas voltarei para minha eterna insignificância.
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Olá, me chamo Maria, irônico não ?!
A mãe de Jesus, a virgem Maria, mas isso não se aplica a mim, trabalhei como atriz pornô uma grande parte da minha vida, minha mãe, uma prostituta, e meu pai... Bom, esse eu desconheço.
Cresci num bordel, ou prostíbulo, como queiras chamar, comecei a trabalhar como prostituta aos meus 14 anos, e isso me fez entender muito da raça humana, teus prazeres sádicos e masoquistas, a vergonha, a hipocrisia, o medo, tudo isso fica claro quando você alcança o ponto mais íntimo da pessoa, não falo da boceta, ou do pênis, mas falo da alma, no sexo tudo isso fica muito mais claro, e acredite, eu sei do que estou falando.
Mesmo me prostituindo eu consegui fazer uma faculdade, fiz filosofia na UFBA mas não segui como professora, ao em vez voltei ao sexo, comecei a atuar como atriz pornô, e ganhei um bom dinheiro com isso, fodi com todos os tipos de pessoas, negros, brancos, amarelos, ruivos, ruivas, loiros, loiras, enfim, todos os tipos de pessoas, eu era uma serva, sentava, chupava, rebolava, e gemia, e a cada cena de sexo que eu gravava, a cada homem ou mulher que me comia eu me tornava mais humana, estranho não ?!
Eles gozavam dentro de mim, na minha boca, no meu rosto, gozavam não apenas esperma, não, eles gozavam suas frustrações, seus medos, seus desejos, gozavam, ah e como gozavam, gozavam da vida, ejaculavam da alma.
Eu trabalhei com sexo minha vida toda, e quanto mais humana eu me tornava, menos humana eu era tratada, eu me tornei uma pessoa sem direitos, não podia mais andar normalmente na rua, não podia sair de noite, ir num bar, não podia mais viver.
Até que um dia eu saí de casa sozinha, foi num final de tarde, eu estava passando por um beco e encontrei um velho bêbado sentado no chão, ele começou a conversar comigo, me perguntou como estava minha mãe (morta), se eu namorava, quanto eu ganhava, eu tentei ignora-lo, mas ele gritava e me segurava, e então ele gritou "de todas as merdas que eu fiz você foi a pior, uma filha prostituta, uma vadiazinha qualquer!"
Era aquilo, aquele era meu pai, aquele que eu passei minha vida toda procurando, imaginando que ele me salvaria, que ele cuidaria de mim, me mostrasse as coisas boas da vida, mas isso não aconteceu, lá estava ele, gritando comigo e me segurando, gritando dizendo que eu era um erro, e então ele pegou a garrafa de cachaça que tinha ao seu lado e bateu na minha cara, ele levantou ainda me segurando, e começou a abaixar sua calça, e me fodeu ali mesmo, eu gritava, me "sacodia", tentava fugir dali, mas nada adiantava, ele metia com toda força aquele membro podre que havia em sua calça, urrava de prazer e gritava "Toma essa sua puta", e então ele pegou minha cabeça e me fez chupa-lo, ele fedia a cachaça, mijo e cigarro, seu membro podre na minha boca, o gosto do esperma velho e do mijo que se misturavam com a minha saliva......
O que é a vida ?
Eu me pegava pensando nisso todo dia, eu me questionava sobre as coisas, mas nada disso adiantava, mesmo que num certo período da minha vida estava tudo bem e não conseguia ser feliz, o conceito de felicidade parecia absurdo pra mim.
"Agora está tudo bem", "Que dia bom", mentimos pra nós mesmos todos os dias nos forçando para que um dia aquela mentira se tornasse verdade, mas nada disso adianta, você simplesmente mente pra si mesmo até que um dia você estará morto e não precisará mais pensar nisso.
Eu tive clientes de todos os tipos, pensamentos e religiões, mas nenhum deles estava realmente feliz, se estivessem, talvez não precisariam de uma puta para preencher as lacunas da existência deles, talvez, se eu fosse feliz, eu não precisaria ser uma puta que preenche as lacunas existências da vida alheia.
O que eu sou ?
Uma puta alcoólatra cheia de perguntas insignificantes para fazer, uma mulher cujos sonhos não tiveram a oportunidade de florescer, um ser que não reconhece sua própria existência autodestrutiva e que desconhece seu próprio criador, estaria fadada ao fracasso seu eu ao menos tivesse alguma espectativa.
Talvez seja a hora de descobrir, a hora em que poderei ser novamente algo inexistente, um nada
Talvez Deus realmente exista, talvez minha vida tenha algum propósito, mas agora não vale mais a pena continuar vivendo.
Nesse exato momento, eu estou sentada escrevendo está nota ao lado de uma garrafa de whisky barato e um Dunhill na boca, a corda já está montada e o banco já está em seu devido lugar, eu realmente não sei mais o que dizer, nem esperar do fim da minha "vida"
Talvez eu seja apenas um reflexo seu, uma das variações das escolhas de merda que você tomou, talvez eu seja uma das extensões de você que não deseja mais viver, uma parte de você que agora se encontra apodrecendo enforcada numa corda.(Carta encontrada numa cena de suicídio na cidade de São Paulo no ano de 1990)
É uma sensação bem diferente escrever na visão de outros personagens, a criação de um outro ser, de uma outra "persona" é realmente bem interessante, esta carta é completamente fictícia, tirada do fundo da minha imaginação, eu levei muito tempo pesquisando e tentando criar uma personagem densa, que tivesse desejos, paixões e medos, até que tive essa idéia de escrever uma nota de suicídio na visão de uma personagem criada por mim.
Desde aquele dia nas ruas da Lapa, eu realmente estava entregue, minha vida agora se resumia em andar pelas ruas, escrever contos, poesias e histórias falidas que provavelmente ninguém leria e foder com algumas prostitutas que rondavam pela cidade de Salvador.
Quando eu escrevi esta personagem, Maria, eu queria demonstrar como é o vazio, mas infelizmente eu não consegui.
Toda e quaisquer tentativa de retratar o vazio o preenche, ele se transforma em tudo, menos no vazio.
Por isso eu nunca irei transmitir meus sentimentos perfeitamente pro papel, apenas palavras genéricas daquilo que eu chamo de Literatura
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Delírios de um morto poeta
PoetryAqui jás as memórias póstumas de um boêmio! Marcus Aguiar, prazer, um pseudocrônista, um poeta vadio, um contista genérico sem papas a língua. Retrato-lhes meus podres amores, minha medíocre existência, uma imitação de Bukowski e Dostoiévski, meu...