Acordo, a luz morna do sol entrava pelas frestas da janela do quarto, o dia estava calmo, os pássaros cantantes e o bairro completamente silencioso.
Não havia ninguém em casa, achei estranho pois quase todos os dias eu ouvia minha mãe cantando ao som de "Tropicália" de Caetano Veloso, era sempre a mesma versão com os arranjos do genial Rogério Duprat. Acordava sempre com o cheiro de café coado preenchendo o quarto."O monumento não tem porta
A entrada é uma rua antiga
Estreita e torta
E no joelho uma criança
Sorridente, feia e morta
Estende a mão"Esse verso da música sempre me deixava pensante, eu adorava a estética surrealista que aquela música criava na minha mente, sem dúvida o surrealismo era um dos meus movimentos artísticos preferidos, tanto que eu tinha uma cópia da obra "Jovem Virgem autosodomisada pelos chifres de sua castidade" do Salvador Dalí na parede do quarto, alí, bem na frente da cama.
O silêncio reinava na casa, minha mãe não estava em casa, Brigadeiro (o gato) parecia estar num sono profundo, e eu, bom, eu estava deitado no maior conforto em minha cama.
Levantei, fui até a grande estante da sala de estar onde ficava meus LPs e meus livros, puxei o disco "Magical Mystery Tour" dos Beatles, coloquei-o na vitrola, e botei a agulha na faixa "Strawberry Fields Forever"
Aquela merda era hipnotizante, sem dúvida uma das melhores músicas do disco.
Voltei pra cama e dormi.........
Meu corpo dobrava-se conforme minha consciência perdia-se na infinitude do meu ser, os relógios derretiam ao meu redor e os dois sóis que brilhavam no céu queimavam minha pele, a brisa quente, seca, invadia meus pulmões, o cheiro da carne putrefa dos santos crucificados empilhados sobre os cadáveres dos nossos fiéis, parecia tudo tão vazio, o solo desértico sobre meus pés faziam com que meus passos ecoassem pelo espaço.
Eu nunca tinha ido para aquele lugar antes, era um deserto vasto, rodeado por cadáveres e sangue, andei um pouco e avistei um largo oceano que se estendia até a linha do horizonte. O oceano fora tomado por gosma, parecia ser recente pois a carne morta dos animais oceânicos ainda estavam presos a sua carcaça, não tinha ondas no oceano, formavam-se apenas umas bolhas que quando explodiam espalhavam um cheiro peculiar no ar, era gás de cozinha.
De repente o céu começou a escurecer, as nuvens cobriram os sóis, sacos plásticos começaram a cair dos céus junto com um líquido que parecia ser óleo, logo o solo desértico foi preenchido por arco-íris no chão formados pelas poça de óleo que ser formaram conforme caiam do céu.
As hapias de um ninho próximo a mim gritavam enquanto voavam no céu, provavelmente fugindo da chuva, meu corpo foi coberto de óleo, o barulho se tornava cada mais ensurdecedor, até que eu fechei os olhos novamente.
.......
A brisa do mar agora preenchia suavemente meu rosto, e o barulho das ondas do mar relaxavam meu ser, agora não mais era dia, as 7 luas erguidas iluminavam os céus, afastando-os da escuridão.
Um som de violão ecoou pelo local, não estava muito longe.
Eu comecei a andar em direção ao som, a areia da praia acariciava meus pés conforme eu andava e um cheiro de grama molhada pairava pelo ar.
E lá estava ela, uma garota sentada ao lado de uma fogueira na beira da praia tocando o violão, teus cabelos curtos morenos esvoaçam com a brisa vinda do mar e as labaredas de fogo vindas da fogueira dançavam ao teu lado, ela usava um batom vermelho que harmonizavam com o seu suave rosto, seus olhos extremamente hipnotizantes prestavam atenção a cada nota do instrumento, mas então ela parou de tocar, e olhou-me profundamente com teus olhos castanho claro.– O que fazes aqui ? – Sua voz era doce como uma brisa de verão
– Eu me perdi, não consigo encontrar meu caminho para casa
– Alguma vez você se achou ? Você mente a tanto tempo para si mesmo que não sabe mais diferenciar a realidade da sua consciência !Ela puxou uma cartela de cigarros Marlboro e um isqueiro de sei lá da onde.
As palavras dela caíram pesadas sobre mim, eu realmente estava perdido !
Lembranças começaram a fluir na minha mente, não era a primeira vez que eu estava ali, não era a primeira que eu conversava com ela.
Flashbacks de uma conversa com ela começaram a corroer minha mente, houve uma briga entre eu e ela.
Eu abandonei-a– Foda-se, não me venha com a tua filosofia barata, apenas me mostra o caminho pra casa!
– Quem é você ? – ela acendeu o cigarro, deu uma tragada e ofereceu um outro cigarro pra mim.
– Eu não sei – aceitei, ela acendeu outro maço pra mim, levei-o até boca, e puxei a fumaça até os pulmões, era forte, encorpado, o com um sabor ligeiramente amargo e seu aroma amadeirado, típico Marlboro.
– Quem é você ? Ela perguntou de novo.
– Eu não sei caralho! Aumentei o tom de voz, aparentemente o cigarro ainda não tinha me relaxado
– Quem é você ?! A voz dela se tornara intensa, extremamente provocativa.
– EU SOU DEUS!!!Minha voz ecoou por todo o local, as palavras se tornaram pesadas, as lembranças fluíram mais forte na minha mente, eu tinha criado mundos, seres, eu estava sozinho, sozinho numa escuridão que não parecia ter fim.
Rapidamente um mal estar tomou meu corpo, "Isso tudo é real ?", Pensei, mas as palavras não saíram.
Eu sou Deus, eu sou o absoluto, eu sou tudo.
Mas para que eu sirvo ?
Irônico não?!
Uma entidade celestial absoluta divagando sobre teu próprio sentido, não deveria minha própria existência bastar por si mesma ?
Eu estou decadente, uma divindade em sua mais profunda decomposição, não puramente física, nem ao menos além dela.
Quem eu sou ?
São tantas perguntas que sem respostas...– Olhe ao teu redor, não percebe que nada disso existe ? Não percebe que tudo isso são apenas ilusões criadas por você mesmo ?
– Por favor, pare! – Berrei com a lágrima escorrendo pelos meus olhos, eu não poderia suportar aquilo tudo novamente, eu não queira voltar novamente para o vazio.
– Você está sozinho, sempre esteve, você está preso a tua própria existência, você está fadado a viver! –
As palavras dela soaram como lâminas, eu ficara tonto, o mal estar piorara, "Eu não posso ficar sozinho de novo, por favor, não me deixe sozinho", eu pensava nisso desesperadamente, mas as palavras ainda não saíram da minha boca, angústia e ânsia tomaram meu corpo, eu me ajoelhei no chão, as lágrimas corriam pelo meu rosto, até que finalmente eu consegui gritar "Por favor, alguém me ajude!"
De repente tudo se transformara em pó, as 7 luas brilhantes nos céus começaram a desaparecer, e a mulher desconstruia-se, se tornando pó e aos poucos tudo desaparecia ao vento, eu estava sozinho, novamente na escuridão.
Eu criei os mares, as terras, as luas, os sóis, tudo isso na tentativa de me preencher, eu vivia numa constante ilusão de sentido.
Sou o tempo, sou o espaço, sou a inexistência existente, uma mera ambiguidade entre o ser e o não ser, tudo isso me parece abstrato, mas tudo isso me soa tão morto, tão vazio.
Devaneio, na infinda escuridão do meu ser, na abstração da minha consciência finita, pois carrego em mim o meu proprio fim, o meu próprio começo, a minha própria falta de sentido.
Eu agonizo, grito, choro, as palavras ecoam mas ninguém me ouve.
Por favor, eu lhe imploro, me salve, me tire da escuridão do teu ser!
Por favor, me de um sentido!
Por favor, não se esqueça que eu, eu ainda sou uma versão abandonada de você mesmo!(Paciente: Marcus Aguiar
Patologia: Esquizofrenia, Depressão e Ansiedade)Relatório psiquiátrico: Paciente começou a falar e alucinar após a pergunta "Quem é você ?"
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Delírios de um morto poeta
PoesiaAqui jás as memórias póstumas de um boêmio! Marcus Aguiar, prazer, um pseudocrônista, um poeta vadio, um contista genérico sem papas a língua. Retrato-lhes meus podres amores, minha medíocre existência, uma imitação de Bukowski e Dostoiévski, meu...