Capítulo II : Cigarro

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A claridade do sol alumiara todos os cantos daquele bar podre, aquela parede verde-musgo pintada com uma tinta barata qualquer deixava o ambiente ainda mais melancólico, o piso com revestimento de madeira agora jazia inchado e manchado, provavelmente pela quantidade de bebidas derramadas e vômitos que caiam ali todos os dias no chão.
"Esse é o último", prometo a mim mesmo enquanto pego uma cartela de Marlboro Red do bolso.
A fumaça densa percorria os meus doentes pulmões, o sabor ligeiramente amargo e o aroma amadeirado extremamente peculiar, tipo Marlboro, fumava desde os 18 anos, um vício asqueroso, eu sei.
O bar estava cheio e barulhento, eu sentia os olhares mortos e cansados das pessoas que passavam por mim, almas vazias, existências medíocres, nada muito diferente de mim mesmo.
Resolvi sair do bar e andar um pouco pelas ruas da cidade, era umas 17:30 o sol começara a desaparecer, o céu estava preenchido pelas cores quentes resultantes do por do sol.
Fui andando até a praça Castro Alves para observar a bela baía de Todos os Santos, eu não me cansava de ver aquilo, o degradê entre o vermelho, o laranja e o amarelo que preenchiam os céus, o vasto mar azul, a casa da mãe Yemanjá
Andei em direção ao Shopping Center Lapa passando pelo Beco do Mucambino, a rua estava meio escura mas movimentada, os camelôs se apressaram para tirar logo suas mercadorias de lá enquanto alguns bêbados gritavam palavras incompreensíveis, o cheio de tangerina exalava pelo beco, se misturando com o cheiro de mijo e cigarro que dominavam o ambiente.
Vários rostos desconhecidos passavam por mim, negros, mulatas, loiras, pessoas de cores e sabores, aromas e fedores, uma enxurrada de pensamentos ecoavam pela minha mente, dei uma tragada forte sentindo o cigarro amargando minha boca.
Aquele lugar me lembrava ela, a visão dos seus cabelos morenos levemente encaracolados balançando com a brisa vinda da Baia de Todos os Santos era estonteante, sua saia aprumada, sua voz doce, ela era simplesmente a coisa mais linda que eu já tinha visto.
Os flashbacks passavam freneticamente pela minha mente, ela era o uma moça arretada, simplesmente hipnotizante, eu beijava teu pescoço soltando algumas palavras em teus ouvidos, acariciava seu cabelo, teus seios, teu rosto, ela tinha um beijo quente que fazia transparecer todo o seu tesão, eu então encostava teu rosto na parede colocando meu dedo entre seus doces lábios carnudos, ela gemia baixinho, eu tirava seu sutiã apertado enquanto beijava sua nuca, e então eu descia, passando a mão pelo tronco, cintura, nádegas e então a tua doce boceta. Meus dedos úmidos, molhados pelo teu doce mel, ela gemia, gritava, tremia.
Fodiamos na sala, no quarto, na cozinha, eu puxava seus cabelos cada vez mais enquanto eu a fodia, urrando de prazer, o sol quente que entrava pelas janelas esquentava nossas peles e a brisa gélida percorria-nos de baixo pra cima. O ambiente ficava sempre uma bagunça, os livros espalhados quase caindo da estante, os papéis largados no chão, a cerâmica que caíra no chão quando eu a empurrei na parede, o aroma amadeirado do Marlboro e o cheiro do esperma que se espalhara por algum canto do quarto se misturavam, uma completa boêmia.

- Divina mãe, protetora dos pescadores e que governa a humanidade, dai-nos proteção. Oh, doce Iemanjá, limpai as nossas auras, livrai-nos de todas as tentações. És a força da natureza, linda deusa do amor e bondade. Ajude-nos descarregando as nossas matérias de todas as impurezas e que a vossa falange nos proteja, dando-nos saúde e paz. Que assim seja feita a vossa vontade. Odoyá! - Gritava um bêbado qualquer.

A oração a Yemanjá que ecoava pelas ruas da Lapa interromperam bruscamente as minha lembranças, e o cigarro já passara do meio.
O caminho agora estava escuro, mas, frequentado pela peculiar população noturna, bêbados, drogados, putas e boêmios, eu provavelmente se encaixaria na condição de todos eles, mas não mais, eu me tornara um homem devoto, desprovido que qualquer substância que me afastava do meu pedestal de adoração.
Cada página, verso e edição deveria ser lido com um extremo cuidado, passando os dedos cuidadosamente por entre seus grande lábios, pois este era o maior objetivo de devoção, ela.
Uma cadela raivosa, puta, mas extremamente inteligente, ela arranhava minhas costas enquanto tremia de prazer, me beijava, chupava, sentava, rebolava, éramos almas caídas das profundezas do inferno que voavam pela retomada dos céus, cada orgasmo, cada grito ecoava pelas profundezas da minha alma.
Mas agora nada disso importava mais, eu levei uma vida fútil, cheia de amores perdidos e imperfeitos, eu cheirava a cigarro e a cachaça, uma mistura de Pitu com qualquer merda que descesse queimando garganta abaixo.
Ela está morta, enterrada terra abaixo, provavelmente apodrecendo ou sendo comida pelos insetos andantes sobre sua pele fúnebre. Eu delirava, esperando alguém me contar que tudo aquilo era uma mentira, mas pra falar a verdade eu nem sabia mais diferenciar o que era real e surreal.
Mas agora não tem mais jeito, minha alma agora pertence a padroeira das putas e dos mal amados, o cigarro finalmente chegara ao fim, e a minha vida, perdera completamente o teu sentido.

Delírios de um morto poetaOnde histórias criam vida. Descubra agora