Capítulo III

387 104 748
                                    

Quando Roxana partiu tinha apenas 9 anos. Seguiu à risca a profecia da velha senhora e os caminhos não se mostravam fáceis. Ela sentiu fome pela primeira vez e dormiu num monte de feno, ao relento. Sofreu, chorou e machucou-se muito.

Aos 12 anos, uma cobra venenosa picara seu cavalo. Vendo o sofrimento do animal, a garota, embrutecida pela terra de suas viagens, sacrificou-o com um canivete que trazia sempre à cintura. Não verteu uma lágrima. Com o sangue, sujou seu lenço e continuou seu caminho, a pé.

Caminhou por dias seguidos. Sentia dores por todo o corpo, tinha dolorosos machucados em seus pés calejados e precisava de água. Seu maior inimigo, o cansaço, a venceu. Tombou inconsciente.

Acordou e ao seu redor havia uma adorável cabana. Tentou mover-se, mas estava entorpecida. Um velho homem de olhos bondosos aproximou-se e disse:

- Roxana, meu nome é Leonardo. Sou um mago, antigo preceptor do filho do rei e há algum tempo parti em uma missão, encontrá-la. Sabia que precisava de mim e que qualquer caminho que tomasse levaria-me a você.

-Agradeço-lhe imensamente.

- Não há porque agradecer-me, minha garotinha. Eu sei o que você é e o que fará. Estou errado, minha senhora?

- Minha missão é salvar o rei, o reino e encontrar o amor. A anciã apenas disse-me que deveria partir, caso contrário, morreria.

Leonardo trouxe para perto de Roxana uma pomba branca que estava em uma gaiola artisticamente ornada e que, curiosamente, não possuía porta.

- As pombas são mensageiras nos tempos de guerra, mas, nos tempos de paz, elas são portais para reflexos do Tempo. O Tempo é um senhor sublime. Você descobrirá isso. Olhe em seus olhos, profundamente, e respire devagar.

Roxana obedeceu. Viu uma luz prateada no lugar dos olhos da pomba e mais nada ao seu redor. Sentiu uma leveza em seu corpo, como se flutuasse, mas estava de pé. Não mais na cabana.

Sua aldeia, como se lembrava dela. A casinha, os seus pais com duas moedas de ouro. Então, apareceu um homem estranho e Roxana estava sendo puxada, amarrada pelas mãos. Não se debatia, não tentava lutar ou correr. Como seus pais poderiam fazer-lhe tamanho mal? Roxana assistia a si mesma com lágrimas nos olhos. Fechou-os e colocou as mãos sobre a face. Sentiu a dormência e estava de volta na cabana.

- Venderam-me como escrava.

-Isso foi apenas um reflexo, o que teria acontecido, se não tivesse partido. O Tempo é incrível, não acha?

- Isso aconteceu?

- Não, cara jovem. Isso teria acontecido. As memórias são para aqueles que tiveram coragem de viver. Os reflexos são só possibilidades. Só cai no mundo dos reflexos os magos covardes que deixaram suas oportunidades passarem, ou que não decidiram seguir seus destinos. Você segue o seu e busca resposta, não alento. Seus pais já planejavam vendê-la quando fugiu. Dívidas de jogo. O homem para quem a venderia era muito mau e sua alma tristemente corrompida. Você morreria nos campos de trigo, de exaustão e fome, como quase todos os escravos. O caminho que escolheu, não é fácil, observe as feridas em seu corpo. Mas, ele te faz forte para o que terá ainda de enfrentar.

O mago pousou a mão em sua cabeça e Roxana adormeceu.

A Filha da SolidãoOnde histórias criam vida. Descubra agora