Capítulo XXI

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O cenário se inverteu e Roxana viu-se em meio a dezenas de homens mortos. No vento ecoava: Morte ao rei!

Ela despertou e gritou a plenos pulmões.

Ao entardecer, Lucius e Leo chegaram cansados e famintos. O jovem preceptor olhou nos olhos da rainha, que viera recebê-los nos portões, e compreendeu: de alguma forma, ela sabia de tudo.

Roxana encaminhou-os aos seus aposentos para que se vestissem e se banhassem. Esperou-os à grande mesa do salão principal.

Caro leitor se visse essa cena como eu a vejo, veria um tom que destoa o cenário. O salão principal possui as paredes todas ornadas de belos quadros e entalhes, lustres de cristal, piso de mármore branco e creme como um jogo de xadrez e uma grande mesa, onde se celebraram os festejos reais de horas alegres. Um pequeno ser, sentado à cabeceira da mesa, com seus longos cabelos brancos, e sua tristeza, e sua túnica imperial, e sua força, e sua agonia, destoa completamente um cenário que já foi pano de fundo de iluminuras jubilosas.

Ela pensava nas inúmeras valsas que a vida lhe trouxe ao lado de seu amado. Despertou de seu devaneio à chegada de Lucius.

- Vossa majestade! – Reverenciou-a.

- Levante-se, filho! Sei que notícia me traz e não quero prolongar o inadiável.

- Hoje, quando voltávamos do reino de onde venho, fomos emboscados por Cristiano e alguns soldados. Jorge ordenou-me que fugisse com Leo, antes que a batalha se iniciasse. Aqueles homens exigiam a renuncia do rei e claro que ele não aceitou.

- O meu marido é um homem determinado e persistente. – Roxana sorriu.

- Parte das linhas inimigas passou para o lado do rei, mas, continuavam em menor número. Apenas dois soldados sobreviveram ambos bravos e pertencentes às hordas reais. Um deles não resistirá aos graves ferimentos. Minha rainha, foi um massacre. Cento e cinqüenta e três homens deste reino estão mortos e suas famílias agora choram essas mortes.

- E o rei? – Perguntou Roxana.

- Não teve sequer a chance de lutar por sua vida. Cristiano gritou morte ao rei! e uma flecha atravessou a garganta de Jorge. Ele se afogou no próprio sangue. Não vi o momento, mas, os soldados o narraram.

Era noite e dois criados entraram no salão. Um deles disse a Roxana que o corpo do rei chegava, trazido nos braços de uma multidão de camponeses. A rainha deixou suas lágrimas descerem serenas, sem impedi-las ou secá-las. Auxiliada pela curandeira, caminhou conforme suas forças lhes permitiam. Mas, quando viu o corpo de Jorge, desabou e a curandeira foi auxiliada por Lucius para ampará-la.

O dia do funeral chegou e o corpo do rei foi cercado por montanhas de flores brancas deixadas por cada peregrino que ia dar o último adeus ao amado monarca.

Houve nova reunião no Parlamento. Discutia-se quem iria governar e os impuros de coração viram nova oportunidade de obter poder. Roxana estava presente e sentia-se noutro lugar, distante de tudo, até de si mesma.

- O herdeiro do trono é só uma criança que mal iniciou sua instrução e a rainha encontra-se com a saúde frágil. Quem dentre nós possui as qualidades para governar senão Cassandro?

Algo explodiu no interior de sua língua e de sua boca, palavras apaixonadas se fizeram ouvir:

- Na ausência de meu marido, tenho plenos poderes para governar. Sou vossa rainha! Não cederei o trono a pretensiosos e desonestos. E todos presentes aqui no Parlamento conhecem a reputação e o moral sujo de Cassandro. Não hei de permitir que meu reino seja contaminado por vossa imundície.

Um dos partidários do rei, entre os altos chefes do parlamento, que se sentavam no nível logo abaixo dos tronos, levantou-se e decretou:

- A rainha tem o dever de governar até que o jovem Leo tenha a idade mínima de 18 anos para assumir o poder.

Bateu o seu martelo e vários outros martelos se seguiram, até que toda a assembléia concordou e sua palavra tornou-se lei.

Alguns ainda possuíam a esperança de um levante popular, mas, em vão. O povo compartilhava da dor da rainha e estava incondicionalmente a seu favor.

A Filha da SolidãoOnde histórias criam vida. Descubra agora