Capítulo VIII

210 66 516
                                    

Jorge guardou segredo quanto à sua identidade. Findo o funeral, os parlamentares discutiam quem seria o governante. O príncipe entrou e foi confundido com um mendigo, mas, passada a confusão, fora reconhecido, para espanto geral e desespero dos ambiciosos.

O direito do príncipe ao trono era incontestável. Jorge retornou ao castelo depois de longo tempo e seus pais não estavam presentes para recebê-lo. Ele pediu que Roxana esperasse na cabana até que o crime fosse solucionado. Ele tinha medo que qualquer coisa lhe acontecesse.

Como disse anteriormente, este é um tempo indefinido. Mas, a presença de tal incerteza não reduz a importância dos fatos dessa narrativa.

Voltemos ao personagem sem nome, a quem me referi como copeiro assassino. Junto a seu corpo fora encontrado um objeto singular. A arma do crime, uma faca de aspecto antigo. No dia seguinte à sua chegada, a prova fora apresentada a Jorge. Ele conhecia aquele instrumento, embora tão pouco soubesse de sua dona.

**************************************************************************

Jorge tinha 14 anos e o mistério de sua nova preceptora o fascinava. Ela tratava-o da mesma forma que a um adulto, ela ouvia-o e não o interrompia e nunca falava de si mesma.

Uma vez, ambos observavam as constelações. Jorge perguntou-a por que razão carregava uma faca em sua cintura. Veronika a desenrolou e mostrou-a ao menino:

- Foi presente de um velho amigo. Ele me encontrou e me salvou ainda bebê. Sou órfã desde que nasci. Minha mãe morreu ao dar-me a luz e meu pai faleceu de causas desconhecidas. Ele foi muito bom e terno para comigo.

- E o que significam seus escritos?

- "A magia para o bem usará ou para o mal perder-se-á". Peço que não diga a seus pais que sou uma feiticeira. Eles não confiariam mais em mim.

Jorge sorriu como alguém orgulhoso por portar um segredo e garantiu que não contaria. Veronika abraçou-o.

Essa lembrança a alimentaria por anos. Em sua mente doentia, era uma prova do amor que inexistia entre eles.

Para Jorge, trazia um gosto amargo. Se seus pais soubessem do fato, agiriam com maior cautela.

Não acusaria Veronika sem provas mais concretas, afinal, a faca poderia ter sido afanada.

Um mês após a morte dos pais, Jorge foi coroado rei. Pela madrugada, Veronika entrou em seu quarto, coberta apenas por uma fina capa azul. Deitou-se ao lado do rei e a seguir abraçou-o. Jorge despertou, e reconhecendo seu cheiro de rosas, empurrou-a para longe de si com repulsa, levantando-se rapidamente.

- Querido, sou eu!

- Veronika, o que faz aqui?

- Todo rei precisa de uma rainha. Venho oferecer-me. Em honra ao nosso grande amor, podemos consumá-lo agora.

- Sem um casamento real?

- Oh! Pedes assim a minha mão, meu amor?

- Sim, amada e sábia preceptora.

- Desistiu daquela a quem julgou amar após um delírio, um sonho vão? – Veronika desatou a capa, que foi ao chão.

Jorge não conseguiu olhá-la. A luz do luar a deixava pálida. Sem responder, recolheu a capa e envolveu Veronika nela.

- Sugiro que volte aos seus aposentos. – Deu um beijo em sua testa, mal conseguindo disfarçar o asco.

Naquela noite, não conseguiu mais dormir. Pensava em Roxana e em como estava certo ao mantê-la afastada.

Mais tarde, descobriu que o copeiro fora contratado graças à intercessão de Veronika. Não havia dúvidas em seu coração, mas, ele queria uma confissão. Sabia como obtê-la.

A Filha da SolidãoOnde histórias criam vida. Descubra agora