Capítulo VI

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Roxana reabre os olhos. A cabana. Não era um sonho. O velho Leonardo está sentado, à beira da lareira, lendo um livro. Sentiu a consciência da menina desperta e virou-se.

- Lhe proponho ficar. Fique e aprenda. Ensinar-lhe-ei tudo o que sei.

- Ensinar-me-á a arte da magia escrita?

- Roxana, a ensinarei a escrever palavras mágicas, a ler as estrelas e as linhas das folhas das árvores. Há muita magia que a cerca, e nunca reparaste.

- Senhor, se ensinar-me, prometo, de coração, que não hei de decepcioná-lo. – Disse-lhe Roxana.

- Sei que não o fará.

E assim teve início a educação da menina nas raízes mais profundas e antigas da magia.

Passou os anos seguintes cercada pelos livros, pelas árvores do bosque e contemplada pelos olhos do Céu. Através de Leonardo, seu caráter tomou forma e tornou-se alguém ainda mais digna de honra.

Em certo dia, voltava com Leonardo do mercado de uma vila próxima. Ao longe, avistou uma mula selada, porém, sem cavaleiro. Dobrou sua atenção em busca de qualquer vestígio de quem pudesse ser seu dono. Mais perto, viu-o ao chão. Um mendigo imundo, a barba por fazer, vestido em trapos. Aproximou-se, tocou-lhe a face e verificou tratar-se de um jovem de belos traços. O mesmo com quem sonhara tantas e tantas vezes. Aquele a quem Leonardo garantira que vinha ao seu encontro. Um coração sempre vai de encontro a outro coração. Foram essas suas palavras.

Roxana carregou-o sozinha, pois, Leonardo já não possuía a força de outrora.

- O nome dele é Jorge. - Seu nome soou doce aos ouvidos dela. – Ele precisa de um banho. – Completou o velho mago.

Roxana ferveu água, encheu a tina e usou sais medicinais. Depositou o jovem príncipe sem dificuldade e carinhosamente na água. Ele estava terrivelmente magro. Começou a banhá-lo e ele despertou. Iria protestar, mas calou-se diante dos olhos que o fitavam. Não posso afirmar que ele a encontrou ou ela o encontrara. Prefiro dizer que ambos se encontraram. Roxana espalhou espuma para barbear em seu rosto e usou a lâmina delicadamente. Os olhos verdes de Jorge a observavam curiosos e atentos a cada movimento, cada detalhe, cada emoção que nela se manifestava.

Roxana vestiu-o com uma das túnicas de Leonardo. Deu-lhe água e alimentou-o por dias seguidos, até que, um mês depois, Jorge retomou as forças. Eles conversavam por horas sem fim e, por diversas vezes, Roxana adormecia a seu lado ou aconchegada em seus braços.

Algum tempo depois, não sei precisar se dias ou semanas, Leonardo sentiu que sua missão estava cumprida. Quando os três estavam à mesa da cabana, tomando chá, ele falou-lhes:

- Sinto que dentro em breve, parto dessa vida. Não pensem que é com pesar que o faço. Já vivi demais e sou demasiadamente velho. O coração em meu peito já não tem mais vigor. Roxana, não conte a mais ninguém sobre sua magia, pois outros podem querer usá-la. Jorge cuide bem dessa mulher e cuidado com aquela que cuidou de sua educação após a minha partida. Veronika pode parecer uma boa mulher, mas é uma feiticeira e seu antigo mestre não conseguiu fazê-la entender o amor. Nela, algo nasceu quebrado e não pôde ser consertado.

Na manhã seguinte, Jorge e Roxana se despedem de um dos maiores homens que a humanidade já concebeu. Leonardo repousou sobre a sombra de uma grande árvore. Lembre-se que grandes homens nunca morrem!

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