— Qual é a senha do wi-fi? – pergunto, bem casualmente, encostando no balcão do mais maravilhoso Café com Cupcakes.
— Vai consumir alguma coisa? – a garçonete pergunta num tom desaforado.
Coisa que transforma o Café com Cupcakes num recinto nem tão maravilhoso assim.
Quem ela pensa que é? Que ousadia confrontar uma cliente frequente dessa maneira! Eu venho aqui toda semana. Já era para a senha do wi-fi estar salva nas configurações do meu celular há anos.
Só não está porque nunca tive interesse em saber.
Minha internet 4.5G sempre supriu minhas necessidades com maestria.
Pena que agora eu não a tenho mais.
Tampouco possuo meu amado ex-cartão de crédito de limite astronômico que me permitia consumir quantos cupcakes eu quisesse.
É justo por causa disso que preciso da senha do wi-fi. Tenho que acionar Radija e Britânia para virem aqui me contar como foi o dia no Castelinho e pagarem minha conta.
Estou lou-ca por um cupcake.
E acho que mereço depois de enfrentar um primeiro dia de aula pavoroso como esse. Tenho certeza que minhas amigas vão concordar comigo, na certa vão querer comprar todos os cupcakes do mundo para me consolar.
Mesmo que não haja bolinho no mundo que seja capaz de apagar as memórias daquele lugar horrendo: a música que o pessoal ensaiava os passinhos grudou na minha cabeça, o cheiro de creme usado pelas meninas dos cabelos cacheados é tão forte que ainda o sinto no ar, a cara de assombro que o menino flamenguista fez quando eu me levantei continua me perturbando. E o pior é que amanhã tem mais.
E depois de amanhã também.
A sexta-feira parece um sonho distante. Não sei como serei capaz de suportar.
Ainda mais sem falar com ninguém.
A garçonete do café, também pouco disposta a se comunicar comigo, coça o coque formado pela enorme maçaroca de seus cabelos com a ponta da caneta antes de posicioná-la no bloquinho de pedidos..
Será que se eu pedisse para ser deixada em paz, ela anotaria?
Pois essa é a única coisa que posso querer enquanto Rad e Brit não chegam.
— Vou esperar minhas amigas, é falta de educação comer sem elas – justifico, o que é bem plausível de acordo com as regras da etiqueta.
— Não me leve a mal, Mercedes, é que você nunca fez isso antes – ela diz, com um excesso de intimidade que me incomoda.
Levo totalmente a mal o que ela disse. Desde quando ela tem abertura para me chamar pelo nome?
Por um acaso somos conhecidas?
Duvido muito.
Em estabelecimentos comerciais, prefiro ser chamada de senhorita.
Ainda que eu não esteja consumindo.
— Isso o quê? – pergunto, caprichando no meu arquear de sobrancelhas inquisitivo. – Esperar minhas amigas para comer?
O que, pensando bem, nunca fiz mesmo.
Pois sempre chegávamos aqui juntas, às quartas-feiras depois da aula, todas tagarelas e dispostas a analisar com profundidade os últimos acontecimentos do dia, por menores que fossem.
Bons tempos...
— Não – a garçonetezinha de araque interrompe minha divagação e refuta minha teoria. – Ter educação.
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A arte de morder a língua
Teen FictionSinopse: O pior aconteceu, o Grande Arantes foi pego em grandes esquemas da Lava-Jato e com isso tudo que Mercedes conhecia como vida foi direto pelo ralo. Com as contas do pai congeladas, a solução é começar o último ano do Ensino Médio de forma t...