[03] Selvagens dançantes

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Como melhores amigas do universo e da galáxia que são, Radija e Britânia não tardam em chegar. Ambas penduram as Vittons no encosto da cadeira antes de se aproximarem de mim e me envolverem num abraço triplo.

— Você sobreviveu? – Radija quer saber.

— Foi horrível? – é a indagação de Britânia.

— A resposta para as duas perguntas é sim – digo, ainda envolvida no abraço que mistura todos os nossos perfumes.

Fragrâncias florais, críticas e doces não formam uma combinação lá muito convidativa, mas não ligo para isso no momento.

O importante é me sentir minimamente confortada, sensação que não sinto há muito tempo.

— Só não sei como vou sobreviver o resto da semana – confesso antes de entrar no assunto que realmente quero abordar. – Mas, então, como foi o primeiro dia no Castelinho?

— Bom – Radija responde ao abrir o menu e analisá-lo como se não o consultasse toda santa quarta para pedir sempre a mesma coisa.

— Normal – Britânia complementa com leviandade enquanto faz um gesto para chamar Fran de volta.

Essas respostas não me servem de nada. Preciso saber detalhes. Sobre a festa de formatura, sobre os novos professores, sobre Ricardo Malheiros. Será que elas não pretendem se estender sobre o assunto?

A chegada de Fran atrapalha o andar da carruagem, com o bloco e caneta em punho, sua postura denota um profundo julgamento de qualquer que seja o assunto debatido enquanto ela anota os pedidos.

Mal sabe ela que o que está para ser discutido ali é de suma importância. Mas, em sua defesa, minhas amigas de toda a vida tampouco parecem perceber.

Preciso controlar meu temperamento prestes a explodir de curiosidade, ao mesmo tempo em que preciso incentivar a dupla que tem acesso ao circuito social do Castelinho a compartilhar informações.

— Então... Alguma novidade? – pergunto, me esforçando para não soar ansiosa. – Alguém além de mim saiu da turma ou todo mundo continua lá? Ouvi um rumor que Ricardo Malheiros passaria o ano surfando na Austrália.

— Ele vai, mas só ano que vem – Britânia afirma com uma certeza que me deixa de cabelo em pé. – O pai dele obrigou ele a terminar a escola antes de seguir a carreira de surfista. O cara é um déspota arruinador de sonhos.

— Você conhece o pai dele? – pergunto, como quem não quer nada, ao detectar pelo canto do olho que Fran anota o pedido de Radija sem dar muita trela para a nossa conversa. Só de vista – Brit responde.– Frequentamos a mesma padaria francesa.

— Ah – digo, passando por cima do revirar de olhos que Fran dá.. – E Rick geralmente vai com ele?

Não sei se consigo soar tão despreocupada quanto deveria. Acho que o temor de ser esquecida por Ricardo Malheiros compromete o tom da minha voz.

A gente andou ficando durante o início das férias. Tivemos que dar uma pausa porque ele foi passar o Natal em Aspen com a família, logo depois disso a bomba atômica caiu na minha vida. Ricardo passou o resto das férias viajando atrás da onda perfeita enquanto eu me concentrei em juntar meus pedaços.

Não nos falamos desde nosso último amasso e tenho certeza que só não demos continuidade aos trabalhos porque tanto eu quanto Ricardo temos andado muito ocupados.

Somos jovens atarefados.

Mas bem que eu gostaria que nossas multitarefas se encaixassem em um só planner.

A arte de morder a línguaOnde histórias criam vida. Descubra agora