[06] Pelo bem da sanidade mental

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Então quer dizer que Marlon Brandão é nada mais, nada menos que o flamenguista.

E que, de acordo com Fran, ele jamais faria algo como jogar uma bolinha de papel numa garota inocente de propósito, pois está preocupado demais em estudar tudo que vê pela frente para se meter em confusão.

Mal sabe ele que se meteu numa confusão comigo.

Pelo jeitão que ele dá seus passos despreocupados e se senta na primeira carteira da fileira, lá do outro lado da sala, não faz a menor ideia do tamanho da confusão que pretendo armar.

Verdade, ainda não sei exatamente o que vou fazer.

Mas sei que vou fazer.

Assim que encontrar a ideia perfeita.

Debati a questão com Radija e Britânia no último café com cupcakes, mas elas não me sugeriram nada plausível. Disseram para eu denunciar o rapaz à polícia. Fran estava de folga, logo, não pôde interromper a discussão e falar que aquilo era loucura.

Mas mesmo sem a presença dela ali, eu concordei com o que ela diria.

Ninguém me daria atenção por conta de um ataque de bolinha de papel. Nem na polícia, nem muito menos na diretoria. Uma escola que tem que lidar com gente enrolando baseados no banheiro, não pode dar conta de prevenir ataque de bolinha de papel.

Essa é uma luta só minha.

Mas não é por estar sozinha que vou desistir de batalhar.

Observo o flamenguista com os olhos estreitados enquanto o meliante arruma seu material em cima da mesa.

Ele nem percebe, envolvido demais na simetria entre o lápis, a caneta e a borracha para notar como eu desejo que ele arda no fogo do inferno.

Talvez eu esteja exagerando.

Para falar a verdade, com certeza estou, tenho consciência disso.

Da mesma forma que entendo que me enveredo em pensamentos sanguinários assim para não calcular quantos dias minha mãe não me dá notícias do seu paradeiro.

(Treze).

Antes de deixar o número de dois dígitos me abater, me concentro no garoto do outro lado da sala. Agora ele abre um livro intitulado "O velho e o mar" para ler. Dou uma revirada de olhos, por um acaso ele está querendo aparecer?

Caso esteja, escolheu o livro errado.

Pois o livro que tem em mãos parece livro de criança. Tem poucas páginas e um barco na capa. Quem se impressionaria por algo assim?

Euzinha, jamais.

Por isso sinto um gostinho de vitória quando o professor chega e interrompe a leitura do meliante. O cara adentra a sala sem lenço, sem documento, senta na mesa e dá um bom dia alto o suficiente para calar o burburinho da maioria dos grupos.

Os grupos que não interrompem as conversinhas paralelas após o cumprimento, calam a boca assim que o professor fala:

— Estados brasileiros, trabalho em dupla, valendo metade da nota de prova, que tal?

Segue-se alguns segundos de silêncio até alguém se pronunciar:

— Ah, não – o tal alguém ousa protestar.

— De novo, não – outra pessoa endossa a insatisfação.

Olho para os lados a fim de descobrir quem é.

A arte de morder a línguaOnde histórias criam vida. Descubra agora