[04] O ataque da bolinha

1.9K 328 138
                                    


Seguro as pontas até o fim da semana, mantendo a distância de qualquer pessoa que não se encaixe nos padrões designados por Rad e Brit, o que basicamente engloba a população do colégio quase que inteira.

Até que na sexta-feira o pior acontece.

Meu maior medo se torna realidade: sou agredida enquanto durmo.

Acordo tão desnorteada que não consigo distinguir de que direção veio a bolinha de papel. Ela me acertou em cheio na cabeça, fazendo meus olhos se abrirem em alarme.

E não importa para que lado eu olhe, não consigo descobrir o culpado.

A turma se encontra na mesma algazarra de sempre.

Impossível detectar um suspeito, pois todos têm potencial. Maldita turma de alunos mal-encarados! Não dá nem para distinguir se foi um ataque sem querer ou intencional.

A raiva que sinto é tão intensa que não tenho dúvidas que minha veia horrorosa está saltada no meio da testa. A agitação dentro de mim é tanta que não consigo dormir de novo.

O que é uma pena, pois tal atividade já se configurou como meu passatempo preferido durante as aulas.

Um professor corpulento caminha pela sala e larga seus pertences em cima da mesa provocando um estardalhaço. A turma para um segundo para olhar, provavelmente achando que se trata de uma bomba. Por incrível que pareça, o barulho do livro que mais parece um tijolo contra o tampo de madeira provoca essa sensação de explosão.

O professor se aproveita dos escassos segundos de silêncio da turma para se pronunciar:

Placidez, crianças! É disso que vocês precisam!

Alguns dos alunos se entreolham com cara de interrogação. Arrisco dizer que muitos deles nem fazia ideia do significado da palavra. E não posso dizer que tenho cem por cento de certeza do significado, também.

Meu olhar interrogativo acaba esbarrando no de Fran, que dá de ombros como se não tivesse nada a ver com aquilo.

Óbvio que ela não tem. Quem poderia adivinhar que um professor aloprado daria a louca logo no início da aula?

Mas talvez ela tenha um palpite sobre quem jogou a bola de papel na minha cabeça.

Não custa nada perguntar.

Assim que o professor aloprado finalize seu falatório eu entro em ação.

Contudo, parece que esse milagre não vai acontecer tão cedo.

— Disso e de um pouco de noção de contexto histórico – o professor segue em frente no seu discurso. – Quer dizer, noção em geral, crianças. É esse meu trabalho aqui, moças e rapazes. E eu conto com a colaboração de vocês.

A partir daí ele engata nuns papos de revoluções e de como tais atos mudaram a realidade das pessoas envolvidas nelas, insistindo que ações individuais podem, sim, mudar a história.

E não para por aí, também se alonga em dar exemplos para embasar sua afirmação, sem se restringir a data nem locais, fala de Joana D'arc, Rosa Parks, Marielle e por aí vai.

Mulheres que, pensando friamente, não têm nada a ver uma com a outra, mas que no calor da explicação do professor é possível enxergar a conexão.

Bizarro.

Me ajeito na cadeira chutando a bolinha que jogaram em mim para longe, deixando para lidar com aquela paranoia depois.

A arte de morder a línguaOnde histórias criam vida. Descubra agora