Seguro as pontas até o fim da semana, mantendo a distância de qualquer pessoa que não se encaixe nos padrões designados por Rad e Brit, o que basicamente engloba a população do colégio quase que inteira.
Até que na sexta-feira o pior acontece.
Meu maior medo se torna realidade: sou agredida enquanto durmo.
Acordo tão desnorteada que não consigo distinguir de que direção veio a bolinha de papel. Ela me acertou em cheio na cabeça, fazendo meus olhos se abrirem em alarme.
E não importa para que lado eu olhe, não consigo descobrir o culpado.
A turma se encontra na mesma algazarra de sempre.
Impossível detectar um suspeito, pois todos têm potencial. Maldita turma de alunos mal-encarados! Não dá nem para distinguir se foi um ataque sem querer ou intencional.
A raiva que sinto é tão intensa que não tenho dúvidas que minha veia horrorosa está saltada no meio da testa. A agitação dentro de mim é tanta que não consigo dormir de novo.
O que é uma pena, pois tal atividade já se configurou como meu passatempo preferido durante as aulas.
Um professor corpulento caminha pela sala e larga seus pertences em cima da mesa provocando um estardalhaço. A turma para um segundo para olhar, provavelmente achando que se trata de uma bomba. Por incrível que pareça, o barulho do livro que mais parece um tijolo contra o tampo de madeira provoca essa sensação de explosão.
O professor se aproveita dos escassos segundos de silêncio da turma para se pronunciar:
Placidez, crianças! É disso que vocês precisam!
Alguns dos alunos se entreolham com cara de interrogação. Arrisco dizer que muitos deles nem fazia ideia do significado da palavra. E não posso dizer que tenho cem por cento de certeza do significado, também.
Meu olhar interrogativo acaba esbarrando no de Fran, que dá de ombros como se não tivesse nada a ver com aquilo.
Óbvio que ela não tem. Quem poderia adivinhar que um professor aloprado daria a louca logo no início da aula?
Mas talvez ela tenha um palpite sobre quem jogou a bola de papel na minha cabeça.
Não custa nada perguntar.
Assim que o professor aloprado finalize seu falatório eu entro em ação.
Contudo, parece que esse milagre não vai acontecer tão cedo.
— Disso e de um pouco de noção de contexto histórico – o professor segue em frente no seu discurso. – Quer dizer, noção em geral, crianças. É esse meu trabalho aqui, moças e rapazes. E eu conto com a colaboração de vocês.
A partir daí ele engata nuns papos de revoluções e de como tais atos mudaram a realidade das pessoas envolvidas nelas, insistindo que ações individuais podem, sim, mudar a história.
E não para por aí, também se alonga em dar exemplos para embasar sua afirmação, sem se restringir a data nem locais, fala de Joana D'arc, Rosa Parks, Marielle e por aí vai.
Mulheres que, pensando friamente, não têm nada a ver uma com a outra, mas que no calor da explicação do professor é possível enxergar a conexão.
Bizarro.
Me ajeito na cadeira chutando a bolinha que jogaram em mim para longe, deixando para lidar com aquela paranoia depois.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A arte de morder a língua
Novela JuvenilSinopse: O pior aconteceu, o Grande Arantes foi pego em grandes esquemas da Lava-Jato e com isso tudo que Mercedes conhecia como vida foi direto pelo ralo. Com as contas do pai congeladas, a solução é começar o último ano do Ensino Médio de forma t...