[10] Barbie periférica e soldadinho de chumbo

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Mal dou um passo para dentro dos domínios da escola e Marlon Brandão se materializa ao meu lado. Stalker louco. Como ele sabia que justo hoje eu escolheria chegar mais cedo?

Será que ele usou a lógica de que hoje é o dia da apresentação e eu preciso me ambientar?

Tomara que não. Me recuso a seguir uma lógica parecida com a dele. Só de birra, mesmo. Não quero ter nada a ver com esse garoto.

Lanço um olhar que pretende ser de esguelha, passando uma sensação de desafio, que morre assim que encontro os olhos dele, que estão arregaladíssimos numa expressão maravilhosamente apavorada.

Por incrível que pareça, tenho a leve impressão de que ele está pálido. O que julguei ser uma coisa impossível se tratando do tom da pele dele.

— O que foi? – me vejo na obrigação de perguntar, para o caso de ele estar enjoado e ameaçar vomitar.

Gostaria de evitar respingos de qualquer nojeira.

Afinal, como ele bem sabe, preciso estar impecável para a apresentação. Não é só a fala que conta. Tudo conta ponto. E ele, que é o principal interessado na nota máxima, com certeza está mais do que ciente disso. Portanto, presumo que se ele está cansando minha beleza ao me seguir pelo pátio da escola, deve ter algum motivo.

— É hoje – ele pontua o óbvio. – Tá preparada?

Interrompo meu caminho e viro de frente para que o meliante possa ver com os próprios olhos o quão preparada estou. Os cílios emplastrados de rímel, os cabelos bem escovados, com uma mecha arrumada numa presilha brilhante, os contornos do rosto realçados com uma precisão profissional...

— Hein! – ele insiste, mal olhando na minha cara, mais preocupado em bater com a ponta do All Star surrado no chão.

— Claro que tô! – respondo tão impaciente quanto o ritmo da batida da ponta do tênis dele contra o chão. – Tá achando o quê? Que eu não cumpro com minha palavra?

— Talvez? – ele fala em tom de pergunta, o que me dá profundamente nos nervos.

De repente, sou atingida por uma raiva que parece uma avalanche. Pouco importa se tem um sorrisinho no canto dos lábios dele indicando que é tudo brincadeira.

Brincadeira de mau-gosto, isto sim.

Porque minha avalanche interna é daquele tipo que acontece nas montanhas altíssimas de neve que de vez em quando passa na televisão: vai descendo, vai descendo, vai descendo e quando você menos espera destrói tudo que há pela frente.

E tudo, nesse caso, é minha sanidade.

Talvez?! – repito num tom megaagressivo. – Talvez você devesse considerar que não é só porque eu pertenço à família Arantes que eu vou fazer as coisas como meu pai, ou fugir na primeira oportunidade como a minha mãe. Talvez eu tenha meu próprio código de conduta. E talvez você devesse repensar seus conceitos antes de sair por aí falando bobagem.

Dito isso e percebendo que a avalanche interna acabou se esparramando pelas minhas palavras, viro-me e sigo meu caminho em direção à sala de aula.

Ouço os passos do garoto atrás de mim.

Isso faz com que eu acelere os meus.

Esqueço por uns instantes que as pernas dele são mais compridas que as minhas e logo ele está na minha cola dizendo:

— Talvez... – o que soa extremamente repetitivo, embora o tom resignado dele dê um ar de cão arrependido que muito me agrada.

Me agrada a ponto de eu guiar meu olhar para ele, tomando cuidado para não transparecer nenhum tipo de emoção.

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⏰ Última atualização: Nov 14, 2019 ⏰

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A arte de morder a línguaOnde histórias criam vida. Descubra agora