♤ VINTE E SETE♤

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Porque você me deu tudo, mesmo que eu não tenha notado isso.

Eu não quero voltar para casa. Toda vez que penso sobre nisso, eu acredito que minha mãe me queria como princesa para que eu não tentasse salvar o mundo. Talvez, assim, ela ainda estivesse viva e eu provavelmente morta por não saber me defender. Preferia assim, visto que seria mais cômodo e doeria menos.

O problema de ser a filha menos amada é que você não tem nada para falar, as pessoas te questionam sobre como ela era e só me recordo de nossas discussões, das vezes que queria sua atenção e não tinha, por conta disso, tudo dói mais em mim do que no resto do mundo e, portanto, ninguém compreende o que estou sentindo.

Não consigo olhar a face do meu pai ou da minha irmã, as gravações mostraram o momento que ela, a mamãe, se jogou na minha frente para que recebesse todos os disparos no meu lugar. Por esse motivo, somente ouvi os disparos naquele momento. Deveria ter percebido que havia algo errado.

Agora, trancada no sótão da biblioteca de Prylea, sinto o frio em meus ossos, o calafrio percorrer todo meu corpo, mas não canso de me auto sabotar, nenhuma dor consegue ultrapassar a que estou passando.

Não sei quanto tempo estou aqui sentindo os pingos gélidos caírem sobre meu corpo, mas tenho ciência de que em alguma parte do reino o corpo da minha mãe passa em um desfile fúnebre, uma homenagem pelos anos que serviu ao seu povo.

Deveria estar com todos, eu sei, mas cada pessoa tem sua maneira de lidar com a dor e a minha é essa, não desejo ver a minha mãe partir de vez e se tornar apenas uma memória. Também, estou cansada de tantos deveres.

Eu só queria algo para entorpecer a dor.

Ouço os disparos, cada soldado lança o alvo em direção ao céu, uma salva de tiros em memória dela, um deles era para ser o meu, mas como? Eu mesma a matei. Sou a culpada de tudo e não me perdoarei por isso, me culparei todos os dias por ter pego a arma e atirado naquela mulher sem imaginar o que poderia acontecer com os outros depois disso.

Pelo menos poderei partir enfim, desaparecer para todo o sempre e ninguém lembrará de que algum dia habitei esse lugar. Passará uma correnteza por suas memórias e minha existência sumirá delas.

Adormeço entorpecida pela dor e, enquanto durmo, sinto as lágrimas caírem dos meus olhos, o vazio crescente em meu peito e a solidão amiga.

Ao acordar não estou mais no meu esconderijo, noto uma cortina branca sobre um vão desconhecido, as paredes de mesma cor e equipamentos hospitalares

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Ao acordar não estou mais no meu esconderijo, noto uma cortina branca sobre um vão desconhecido, as paredes de mesma cor e equipamentos hospitalares. Os pássaros cantam lá fora, o dia é claro novamente e me recordo do ocorrido do último dia. Eu deveria ter morrido da segunda vez, provavelmente me salvaram antes do meu corpo finalizar o processo de hipotermia.

— Me deixou preocupado, bonequinha. — Ouço a voz de Ângelo e ajeito-me na cama ao vê-lo sentado em uma poltrona ao lado. Não lhe digo nada e ele parece entender que não quero falar no momento. — Todos procuraram por você, durante o velório, e depois entramos em desespero. Daí lembrei que todas às vezes que brigávamos você se escondia no nosso esconderijo. Agradeço aos céus por lembrar disso, quando a toquei seu corpo estava tão frio que achei que já era tarde. Foi sua pulsação fraca que me deu esperanças de que conseguiria salvá-la.

Observo os seus olhos alarmados e é automático, mesmo sem querer, as lágrimas já escorrem por minha face. Ângelo vem até mim e põe minha cabeça em seu colo e inicia um carinho em meus cabelos oleosos por falta de um banho.

Agora percebo que estou com um daqueles vestidos finos e brancos, mas não me importo. Meu irmão está comigo e pelo menos a sua presença me deixa em paz.

— Sabe, não consigo imaginar a dor que está sentindo. Cefeida sofre, não sai do quarto desde a missa que foi celebrada no fim da tarde, mas ela aceitou que não há nada a ser feito. É difícil, entretanto, deve aceitar também.— Antes que Ângelo terminasse de me confortar a porta é aberta.

Papai nos analisa e tenho vergonha de olhar em sua face. Apesar do modo como mamãe era, eles sempre foram companheiros e não brigavam na nossa frente. Em minha mente, a imagem que vejo é a deles sempre juntos.

Papai não terá mais a mulher que ficaria com ele até o fim dos seus dias e o pior de tudo é saber que a culpada é a sua filha. Ele enfim sai da porta e Ângelo dá o seu lugar a ele, as mãos de papai em meus cabelos são mais ternos, fraterno.

Tentei lhe dizer que sentia muito, entretanto minha mente não consegue formular algo bom o suficiente para ele, que merece mais do que meras palavras de conforto. Eu queria ficar assim, recebendo apenas o seu carinho sem que devêssemos falar algo.

— Era uma vez, uma jovem de belos cabelos negros e olhos cor de avelã. Ela tinha uma família adorável e que lideravam um povo que vivia na escuridão(...)

Papai, como em todas as vezes que eu estava triste, iniciou a história de Soturna, contando seus sacrifícios, amor e melodias. Ele jamais esquecia as canções que emocionavam o enredo e passava sempre a lição de que dias ruins são necessários para agradecemos os dias bons, que sacrifícios são valiosos se feito para aqueles que amamos.

Em nenhum momento ele tocou no assunto que faz sangrar o nosso coração, talvez esse fosse o momento para ele esquecer também.

Quando já estou recuperada o suficiente para voltar para casa, um bombardeio de informações é jogada sobre mim

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Quando já estou recuperada o suficiente para voltar para casa, um bombardeio de informações é jogada sobre mim. Ainda não falei com ninguém, desaprendi a maneira de interagir com as pessoas, de socializar com o mundo.

As visitas são constantes e recebemos os pêsames de vários desconhecidos que só nos conhece por fama. O pior de tudo é que hoje haverá uma reunião no reino e todos estarão presentes.

Os líderes dos reinos virão para Ulyere fazer a votação sobre a avaliação de promessas e se deverá seguir o seu curso. Desejo que eles estejam cientes do mal que tudo isso representa, de como algumas jovens ficaram depois dos seus parceiros terem morrido no confronto, ninguém está preparado para retornar a vida de antes. E eu, eu não aceitarei ser a destinada daquele que viu a morte de todos, que eu imagina ser capaz de salvar o mundo, aquele que fez um trato para me salvar sabendo que isso custaria a vida de muitos.

Eu jamais me casarei com o rei Derek, mesmo que eu tenha que matá-lo para isso.

 👑 A PROMESSA REAL  👑 (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora