Fila Para o Inferno

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— Quer sair do Facebook por cinco minutos, Louise? — indagou a garota de cabelos pretos com mechas roxas. Seus dedos mulatos deram um peteleco na orelha pálida da amiga atrás dela.

A distraída estava com um espartilho e uma saia curta, ambos negros. Meias escarlate desciam das coxas até os tênis All Star. Mangas com faixas pretas e brancas espiralavam pelos braços até as mãos de unhas pretas, que teclavam ansiosas na tela do smart phone.

— Me deixa, Pietra. Faz um milênio que essa bagaça não anda. — Ela arrumou a franja do cabelo branco no estilo Cleópatra para dar uma espiada na fila atrás dela, que já contornava o quarteirão. — Já faz quarenta minutos que estamos aqui. E olha que estamos a três metros da entrada! Sou azarada mesmo.

— Azar! Prefiro esperar perto da entrada que lá na pqp. Olha, garota, eu já tô nervosa por essa espera — replicou Pietra, fingindo uma cara de brava. Ela pôs as mãos na cintura redondinha para passar um jocoso ar de sermão. — Você não falar nada por dez minutos inteiros só vai me deixar pior, tenha dó, né. Vem, bora dar um jeito nisso.

Ela abraçou a garota do nada e estendeu o braço direito, a câmera frontal do celular refletindo as duas.

— Vamos tirar uma selfie pra relembrar essa sua cara mal-humorada — adicionou sorridente sob os protestos da gótica.

A amiga bufou rolando os olhos dentro das olheiras de maquiagem preta. Mas se rendeu, mostrando a língua e o dedo do meio para a câmera. O flash da foto refletiu nos óculos quadrados de Pietra, ressaltando sua blusa preta, que realmente a deixava menos gordinha — desde que estivesse de frente. Além do casaco violeta, ela vestia um jeans azul prussiano e sandálias rasteirinhas negras com detalhes dourados.

— Se publicar no Face, te mato — comentou Louise, tirando uma garrafa de vidro da pequena bolsa que portava e sorvendo um gole. A amiga de pele morena logo arrebatou o objeto como uma águia erguendo sua presa aos céus.

— Se beber toda a vodka, eu é que te mato — Pietra avisou antes de tragar o álcool ardente garganta abaixo. Ela arrumou os cabelos lisos e longos atrás da orelha e deu outra espiada no segurança. Logo depois, bebeu de novo, desta vez mais apressada.

— Relaxa, garota. Faltam duas semanas para você fazer dezoito. Ele vai te deixar entrar.

— Pra você é fácil falar — a mulata rebateu, os olhos sarcásticos analisando a amiga de cima a baixo. — Você sai pra festas desde os quinze com seus documentos falsos. Já são dois anos de experiência nessa sua vida festeira. Tudo o que eu faço é estudar e ver Netflix.

— Por isso é virgem — Louise sussurrou, os olhos novamente grudados no celular enquanto teclava alguma coisa.

— Cala a boca, cachorra! — A mulata de olhos cor de caramelo deu um empurrão na magrela, que apenas riu enquanto fingia prestar atenção no smart phone. — Quer que todos na casa noturna saibam?

— Todos, não. Só o seu crush que tá lá dentro. — Ela lançou um sorriso provocativo para Pietra, que deu-lhe outro empurrão em resposta.

— Mentira, o Dominic já chegou!? — Inconscientemente ela deu uma ajeitada no cabelo. — Droga, que raiva dessa maldita fila! Eu aqui e ele lá, dançando...

— Ele tá no barzinho com a Victoire do 3° C. — O queixo de Pietra caiu, indignada. — Mas veja o lado bom. Tá tão entediado que está falando comigo pelo WhatsApp. Falei pra ele que estamos quase entrando. Ele disse que vai esperar pela gente. — O rosto da amiga iluminou-se. — Vai, fala que sou foda.

— Vem cá, seu esqueleto lindo! — A fofinha deu um abraço apertado na garota de olhos verdes. Ela pareceu sumir enquanto era espremida pelos braços afetuosos.

— Eu disse pra elogiar, não me matar sufocada!

Pietra logo parou, ajeitou os óculos no rosto e fez um sinal para Louise olhar para um ponto específico na fila.

— Que foi? — a gótica questionou, confusa por entre o mar de gente naquela noite fria.

— Isso, fala mais alto, anta! — Pietra repreendeu. — Não sabe olhar disfarçadamente, não?

— Nem sei pra quem eu deveria olhar.

— Tá vendo o pessoal fumando narguile na fila? — a morena comentou, fingindo que estava mexendo no celular.

— Hum, sei... — Louise logo detectou um grupinho soltando fumaça a uns dez metros deles.

Então reconheceu uma garota de pele mais morena que Pietra, com cabelo roxo em forma de moicano. Ela vestia uma jaqueta jeans com capuz abaixado. Também usava calças jeans, só que em tom mais escuro, além de coturnos.

— É aquela aluna nova do 3°E, né? Acho que é Kashvi, algo assim. Que tem ela? — a garota de batom preto indagou com um ar insinuante, tal como se já imaginasse a resposta.

— Acho que ela tá a fim de mim — Pietra disse antes de dar outro gole na vodka.

— Seeei...

— É sério. Eu já vi ela olhando pra mim no intervalo, de longe. Várias vezes.

— Que viagem, Pietra. Ela conversa com todo mundo, é super de boas.

— E daí? Eu tenho culpa de ser toda gostosa assim? Acho que ela quer isso aqui, meu bem! — A mulata fez um trejeito com o corpo, dando uma rebolada que arrancou risadas das duas amigas.

A fila finalmente se moveu. As duas comemoraram, matando a garrafa de vodka antes de chegar na vez delas. No alto da faixada da casa noturna, havia letras em neon vermelho piscando a palavra "Inferno". O segurança era alto e corpulento. Careca, tinha a pele cor de carvalho. Trajava um terno preto, todo em roupa social.

Louise mostrou o documento que fingia ter um ano a mais. Não era a primeira vez que a gótica ia ao Inferno, o segurança já a conhecia. Mas suas sobrancelhas pesaram ao ver o RG de Pietra.

— Pelas minhas contas, você ainda tem dezessete. — O segurança tentou fazer um tom gentil. — Desculpe, meu bem, não posso te deixar entrar.

— Mas daqui a duas semanas eu...

— Não posso, desculpe. O antigo segurança foi despedido justamente porque deixou um menor de idade passar. Ele levou um porre, foi pro hospital, a polícia veio aqui e o dono pôs a culpa na gentileza do cara. Eu não quero ter a mesma sorte, sabe. Só estou fazendo meu trabalho.

— Não tem problema, a Pietra tá comigo — falou a garota de cabelo roxo sob o capuz jeans. Ela surgiu por entre a multidão, ouvindo protestos de "fura fila!" atrás dela. A garota de óculos e Louise ficaram tão surpresas quanto o segurança.

— Olha, não posso mesmo, desculpe — insistiu o homem de social, que parou de falar assim que viu um enorme maço de notas surgir na mão de Kashvi.

— Cinco mil euros. — A indiana pôs aquele imenso bolo de dinheiro no bolso do segurança. — Acho que isso paga sua gentileza, não é?

Sem dizer uma palavra, o careca deixou as três passarem pela portaria. Pietra e Louise se entreolharam, boquiabertas e felizes. Kashvi sorriu. Agora que estava tão próxima de Pietra, pôde notar a semelhança incrível dela com sua filha. Fazia novecentos anos que não via um sorriso como aquele. 

🦇 Vampiro A Máscara 🦇 O Despertar de Caim 💀Onde histórias criam vida. Descubra agora