A Segunda Inquisição

89 11 20
                                    


O jatinho particular cruzava a noite londrina, costurando por entre a tapeçaria de nuvens que velava  a abóbada estrelada. À frente, o Canal da Mancha com seus 240 quilômetros de mar separando a Inglaterra da França. Por fora, cristais de gelo formando-se nas asas, o frio celeste devorando o veículo com sua lentidão mórbida e perene. 

Por dentro, o luxo impregnado no carpete acarminado, alastrando-se pelos Picassos originais às paredes e pelas estatuetas de prata pura. Em meio à opulência, o sangue de um boliviano jorrava quente de seu pescoço e preenchia uma taça feita de diamante.

A vítima jazia em estado hipnótico, olhos semiabertos, no colo de uma mulher pálida com vestido rubro. Nessa ocasião, cabelos de fogo se espiralavam em um coque elegante com uma presilha de ouro salpicada de esmeraldas, algumas mechas ondulando sinuosas pelos ombros nus. 

Um colar de safiras reluzia em seu pescoço enquanto os olhos verdes se deleitavam com a beleza rústica do marujo moribundo. A mulher então rodou o sangue na taça e deixou a fragrância cálida penetrar suas narinas.

— Trinta anos. Paixões à flor da pele. Um conquistador nato. Como adoro a safra latina — comentou Ophelia para um rapaz negro sentado de frente para ela que parecia ler um livro com uma expressão frustrada. — Deveria experimentar, Oscar. Precisa treinar esse seu paladar ainda tão cru.

O jovem, vestindo outra camiseta social branca, respondeu-lhe com um olhar férreo e tornou a mergulhar nas páginas de O Retrato de Dorian Gray, o livro de cabeceira que costumava levar a todo lugar.

— Tadinho dele, está de chilique só porque recebeu uma punição leve para uma violação tão grave — provocou a vampira, acariciando os longos cabelos caramelados do capitão. Os lábios vermelhos e volumosos faziam trejeitos caricatos, a sedução indelével exalando na voz madura e suave. — Ou será que é porque agora você se sente ser menos homem do que antes, hum?

O neófito fechou o livro com um baque bruto e seus olhos castanhos perfuraram a mestra, as veias pulsando estridentes pelo pulso achocolatado.

— Não foi pra isso que eu aceitei te acompanhar! Se eu soubesse que iria acabar como um bichinho de estimação de uma sádica insana, teria preferido pular daquele maldito Big Ben! Se nem dignidade posso ter, de que me adianta viver para sempre?!

— Oscar, querido — a ruiva deu outro gole —, não seja tão dramático. Você se curou em trinta minutos e agora está novinho em folha. Deveria me agradecer. Se outros vampiros anciões fossem seus tutores, você teria sido reduzido a pó em um instante. Eu, por outro lado, tive a misericórdia de ter dar um castigozinho rápido e sanável. Às vezes acho que te mimo demais e você ainda reclama...

— Você é impossível — bufou o rapaz antes de tirar um smartphone preto do bolso e se perder na tela luminosa.

— O que está fazendo?

— Não te interessa.

Em uma fração de segundos, o celular desapareceu das mãos de Oscar. Ele levou um susto, por um momento duvidando de seus olhos. Logo avistou o aparelho nas mãos de Ophelia. Costumava esquecer-se do quão rápida aquela mulher podia ser.

— Devolve! Isso é o pouco que me restou!

— Você tem vento na cabeça, moleque? — a ruiva encolerizou-se. — Checando as mensagens de luto na sua conta do Facebook, está doidivanas? Quantas vezes vai querer se matar na mesma noite?

— Do que tá falando, Ophelia?! Ai, nem quero saber, só devolve isso! Anda logo, sua louca!

— Do que foi que me chamou? — a mulher abriu um sorriso irônico e esmagou o smartphone, os pedaços explodindo por entre os dedos e voando em todas as direções.

🦇 Vampiro A Máscara 🦇 O Despertar de Caim 💀Onde histórias criam vida. Descubra agora